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Falta educação ambiental

O protesto contra a eliminação das garças em Fernando de Noronha revela a falta de conhecimento sobre as espécies nativas. A população quer colaborar, mas precisa de educação.

19 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Fatos recentes demonstram, uma vez mais, como é fundamental a educação ambiental em nosso país, pois muitas pessoas se preocupam sinceramente pelo meio ambiente, mas, infelizmente, não sabem diferenciar alhos de bugalhos. Refiro-me, no momento, à morte de garças no Parque Nacional Marinho e na Área de Proteção Ambiental de Fernando de Noronha, fato este que tem sido vastamente noticiado pela imprensa e tem provocado uma série de reações bem descabidas.

Espécies exóticas ou invasoras são a grande praga dos tempos modernos para quem quer conservar a biodiversidade de um local, principalmente quando se trata de uma área protegida como um parque nacional. A regra para espécies exóticas invasoras é eliminá-las, pois elas competem com as nativas e destroem aquelas espécies que se quer proteger, ou se tem a obrigação legal de proteger. Para manejar áreas protegidas, de forma a evitar a sua degradação, é preciso ciência e coragem das autoridades responsáveis. No caso das garças do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, houve ambos. Este fato per si é inédito no nosso país. Aquele parque nacional precisa já há muito tempo abater ou eliminar, por exemplo, os teiús, que lá foram indevidamente introduzidos e que vêm provocando um enorme dano à fauna silvestre local.

Desde seu primeiro Plano de Manejo feito na década de 80 os especialistas recomendavam um estudo para eliminar esses lagartos que comem os ovos das aves nativas, entre outros problemas que causam. Bem, até hoje os teiús lá continuam causando danos porque as autoridades responsáveis não têm a coragem de eliminá-los. O que os responsáveis deveriam fazer é esclarecer a opinião pública, que embora leiga, não é burra, para beneficiar a biodiversidade que o parque nacional pretende preservar. Só medo não adianta para ninguém. Educar sim é a maneira correta de agir.

Mas, no caso específico das garças africanas em Fernando de Noronha, tudo foi feito com todos os cuidados, desde todas as autorizações normativas até consultas a órgãos como o Ministério Público e a ANAC, além da participação efetiva de biólogos de várias instituições, bem como a forma da eliminação, absolutamente sofisticada e sem o sofrimento dos animais. Claro está que tudo se deve a um problema corriqueiramente percebido como mais grave: a segurança dos passageiros das aeronaves que lá aterrissam. Se não fosse o perigo para os vôos comerciais, duvido que algo fosse feito contra as invasoras. Mas, tudo bem. Assim mesmo merecem parabéns e aplausos.

Interessante foi a resposta de pessoas que lá vivem, com enorme pena dos animais. Mas uma delas, com a melhor das intenções dizendo: “não entendo o parque nacional é para proteger as espécies silvestres, do local. Como podem matá-las?”, chama muito a atenção. Parece que essa senhora verdadeiramente preocupada com o parque nacional, o que é muito raro, está suplicando para conhecer melhor o problema. Ela merece toda a explicação e esclarecimento possíveis, pois ela não teve, nas escolas que freqüentou como de resto todos os demais alunos, aulas de verdadeira educação ambiental. No caso, só gostar de bichos silvestres não os salva dos perigos que correm, quando não existe um manejo baseado na técnica e na ciência.

A eliminação das garças africanas em Fernando de Noronha abre um caminho até então não traçado nas unidades de conservação da natureza no Brasil: a necessidade de bem manejar a flora e a fauna nativas em unidades de conservação da natureza, ou áreas protegidas. E bem manejar também significa remover ou eliminar os búfalos da Reserva Biológica de Guaporé em Rondônia, os teiús do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha, as cabras e os ratos de áreas insulares protegidas por lei, os javalis nas áreas protegidas do Pantanal Mato-grossense; conter a superpopulação de indivíduos, mesmo se nativos, matar pinus que teimam em rebrotar nas unidades de conservação do sul do país, ou dos bambus que estão competindo de tal forma com a mata atlântica, no Parque Estadual de Intervales, em São Paulo, que podem determinar seu fim, se medidas rápidas não forem tomadas e assim por diante.

Na maioria dos Parques Nacionais bem manejados no mundo eliminar espécies exóticas ou invasoras é uma atividade comum. Explicar para aqueles que não são especialistas no assunto que, às vezes, é necessário matar para se ter um bom manejo, ou para se proteger a biodiversidade natural, só depende de educação, para que aqueles que querem ajudar o façam com conhecimento de causa.

Desafortunadamente a ignorância permite que até algumas Organizações Não Governamentais protestem veementemente, mesmo quando a morte e o abate são executados com todos os cuidados possíveis, sem causar sofrimentos às vítimas, como é o caso da eliminação das garças em Fernando de Noronha.

Perder-se o potencial de contar com a grande maioria do povo brasileiro que quer participar de atividades, posturas ou medidas para ajudar a salvar o que há de natural no planeta é um enorme desperdício e uma frustração para aqueles que podem e querem educar nossos conterrâneos. Falta educação ambiental, talvez a mais premente de todas.

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