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Espinossauro, o dinossauro gigantesco que sabia nadar

Nova descoberta da cauda do espinossauro indica que ele seria adaptado para locomoção na água, sendo o primeiro dinossauro aquático conhecido pela ciência

Duda Menegassi ·
11 de junho de 2020 · 4 anos atrás
Dois espinossauros caçam um pré-histórico peixe-serra. Ilustração: Jason Treat, equipe National Geographic e Mesa Schumacher. Arte: Davide Bonadonna

Esqueçam o Tiranossauro Rex (Tyrannosaurus rex), o maior dinossauro conhecido pela ciência é o Espinossauro (Spinosaurus aegyptiacus) que ultrapassava os 15 metros de comprimento. A espécie, entretanto, não é impressionante apenas pelo seu tamanho, mas sim pelos seus mistérios. Uma nova pista surgiu no Marrocos, nas mãos do paleontólogo alemão Nizar Ibrahim, que encontrou o fóssil da cauda deste gigante e se surpreendeu com o que foi descrito como uma “estrutura propulsora aquática” que funcionaria para melhor locomoção na água. Ou seja, o maior dinossauro do mundo sabia nadar e seria o primeiro dinossauro aquático de que se tem conhecimento.

A descoberta foi descrita em artigo publicado na Nature no final de abril e revoluciona o que se sabia sobre a anatomia e habitat do espinossauro. “Os novos fósseis demonstram que [o espinossauro] era um ‘monstro do rio’, perseguindo peixes gigantes em um imenso sistema fluvial. Tinha uma ecologia e estilo de vida muito diferentes dos outros dinossauros predadores”, contou ao ((o))eco por e-mail o paleontólogo que liderou a descoberta, Nizar Ibrahim.

O espinossauro viveu entre 95 e 100 milhões atrás, no período conhecido como Cretáceo. Nessa época, os mares já eram habitados por répteis como os ictiossauros e os plesiossauros, que pertencem a um grupo diferente dos dinossauros que habitavam a terra firme, ao qual pertence o espinossauro. Esse é o primeiro dinossauro conhecido pela ciência que poderia habitar, ainda que parcialmente, o meio aquático.

A discussão que alguns espinossaurídeos seriam semiaquáticos já existe há alguns anos entre os paleontólogos, mas o conceito era desafiado por questões anatômicas, biomecânicas e taxonômicas que permaneciam desconhecidas. A cauda descoberta traz nova luz sobre como esse gigante conseguia se locomover dentro d’água.

Longos espinhos de ossos saem da vértebra da cauda do espinossauro. Foto: Paolo Verzone/National Geographic

“Este dinossauro [Spinosaurus aegyptiacus] tem uma cauda com uma forma inesperada e única que consiste em espinhos neurais extremamente altos e divisas alongadas, que formam um órgão grande e flexível, semelhante a uma barbatana, capaz de extensa excursão lateral. Usando um dispositivo de batida robótica para medir forças ondulatórias em modelos físicos de diferentes formas de cauda, ​mostramos que a forma de cauda do Spinosaurus produz maior empuxo e eficiência na água do que as formas de cauda de dinossauros terrestres e que essas medidas de desempenho são mais comparáveis ​​àquelas de vertebrados aquáticos existentes que usam caudas verticalmente expandidas para gerar propulsão para a frente enquanto nadam. Esses resultados são consistentes com o conjunto de adaptações para um estilo de vida aquático e dieta piscívora [composta por peixes] que foram documentadas anteriormente para o espinossauro”, descreve Ibrahim no artigo.

A história evolutiva do espinossauro e seu lugar na árvore genealógica dos grupo de animais ainda permanece misteriosa. “Sabemos que anteriormente os membros da família dos espinossauros já tinham mandíbulas longas e delgadas – o que é ótimo para capturar presas escorregadias, como os peixes lá –, contudo, pelo que podemos dizer, eles não tinham os recursos mais avançados que vemos no Espinossauro. Os descendentes do Espinossauro se tornaram dinossauros “parecidos com as baleias”? Não sabemos. Talvez futuras descobertas na África possam lançar luz sobre essa parte da história do Espinossauro”, completa o paleontólogo, que é um dos exploradores da National Geographic.

O primeiro fóssil de espinossauro foi descoberto em 1912, no Egito, pelo paleontólogo bávaro Ernst Stromer. O esqueleto surpreendeu a comunidade científica ao se revelar o maior dinossauro conhecido e por apresentar um espinho neural enorme.

A surpreendente e misteriosa espinha vertebral do espinossauro. Foto: Ryan Somma/Wikimedia

“O espinho neural, ou vertebral, existe em todos os vertebrados e normalmente são baixos e têm a função de sustentar uma musculatura para gente se mover. No espinossauro, esse espinho neural é gigantesco, 100 vezes maior que o de outros dinossauros. Só isso já é uma grande polêmica sobre a biologia desse animal, porque a gente não sabe ao certo qual a função disso”, explica a paleontóloga brasileira Lucy Gomes de Souza, do Museu da Amazônia. A teoria mais aceita é de que esse espinho formaria uma vela nas costas do animal, uma espécie de membrana espinhosa, formada principalmente por pele. “Essa vela seria altamente vascularizada e seria basicamente pele, composta por tecidos mais finos e não musculares. Isso poderia ser a ver com a capacidade de termorregulação do animal ou poderia funcionar como uma ferramenta de exibição para reprodução, tipo o rabo do pavão”, conta a paleontóloga.

Os estudos sobre o animal e sua forma tão peculiar foram forçadamente interrompidos quando o fóssil – até então o único encontrado – virou pó em 1944, vítima colateral de um bombardeio durante a 2ª Guerra Mundial. Por décadas, nenhum outro fóssil completo de espinossauro foi encontrado, apenas ossos isolados, o que fez com que permanecessem os mistérios e as especulações sobre a anatomia deste animal pré-histórico.

Apenas em 2013 foi encontrado um novo esqueleto completo atribuído ao espinossauro e que trouxe mais um elemento surpreendente, a ideia de que ele seria quadrúpede, e não bípede, como se afirmava antes. A descoberta, entretanto, não é uníssono na comunidade de paleontologia e ainda é muito questionada. “Além das adaptações na cintura, nas pernas e braços que indicariam que ele é um animal quadrúpede, começou-se a aventar a possibilidade de que ele seria um animal aquático. E uma análise de isótopos, encontrados principalmente nos dentes, indicou uma dieta composta de seres aquáticos. Ou seja, sendo aquático ou não, ele se alimentava de animais aquáticos. E tudo isso foi reforçando a ideia de que ele seria semiaquático, como um jacaré”, conta Lucy.

Um estudo desenvolvido por brasileiros e publicado em 2018 no periódico Cretaceous Research reforça a relação da família dos espinossaurídeos (Spinosauridae) com os ambientes aquáticos. Na pesquisa é feita uma análise paleohistológicas dos ossos de uma espécie de espinossaurídeo encontrada no Brasil que apresenta uma alta compactação óssea, ou seja, são mais densos e menos aerados. Isso seria mais um indício de uma composição óssea mais adequada ao ambiente aquático do que terrestre.

Espinossauro (fora d’água) e crocodiliano. Arte: Thais Hepal

“Essa densidade óssea muito alta vai contra a tendência evolutiva do grupo, que é ter ossos mais finos e pneumáticos, ou seja, com câmaras de ar, como aves. E o espinossauro seria o oposto, mais denso, que seria um indicativo positivo para capacidade anfíbia ou completamente aquática do animal”, conta a paleontóloga. “Mas tudo isso ainda está sendo muito discutido e a comunidade segue muito dividida entre os que concordam e os que discordam dessa teoria”.

“O que é mais incrível nesse animal além de toda essa história confusa e misteriosa dele, é que ele seria talvez o primeiro dinossauro aquático e uma grande exceção dentro da linhagem”, conclui.

Apesar de ser talvez o primeiro dinossauro aquático, o espinossauro não reinava – ou melhor, nadava – soberano nos mares. Nas águas do Cretáceo habitavam outros gigantes, como o Sarcosuchus hartti, um crocodilo que media mais de 10 metros de comprimento e que ocorria inclusive em território “brasileiro” – muito antes de se desenhar o que chamamos hoje de Brasil. O Sarcosuchus existiu há cerca de 100 e 120 milhões de anos, na mesma época em que os dinossauros e muito provavelmente conviveu com o espinossauro. A espécie teria ampla distribuição, com fósseis encontrados na África, Europa, e Américas do Norte e do Sul, inclusive no Brasil.

“Os crocodilianos e os dinossauros estão dentro de um grande grupo chamado ‘arcossauros’. Eles tiveram sim um ancestral em comum, mas seria mais ou menos comparar a nossa ancestralidade com a de um cachorro. A gente tem um ancestral comum em algum momento da nossa evolução, mas é muito distante. Os pterossauros, por exemplo, compartilham um ancestral comum com os dinossauros muito mais recente do que o que é compartilhado com os crocodilianos”, contextualiza Lucy, que escreveu artigos tanto sobre o Sarcosuchus quanto sobre o purussauro, um crocodilo brasileiro mais “contemporâneo”, que teria existido há pelo menos 10 milhões de anos. “O purussauro, apesar de ser grande, ter estimativas de até 13 metros pro tamanho total dele, ele foi um animal que se originou muito depois da extinção dos dinossauros”, acrescenta.

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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