Neste sábado, 18 de julho, enquanto milhões de brasileiros passarão mais um dia sem sair de casa, tentando contribuir como dá para o fim da pandemia de Covid-19, os ministros da Economia e presidentes de bancos centrais do G20 estarão reunidos em uma teleconferência para discutir o futuro desses cidadãos e, de uma certa maneira, de todos os habitantes do planeta.
A reunião entre representantes das 20 maiores economias do mundo tem como objetivo permitir a coordenação de respostas à crise econômica gerada pelo espalhamento do coronavírus. Os pacotes de estímulo financeiro das nações do grupo devem movimentar trilhões de dólares nos próximos anos e ajudar a moldar o cenário global em tempos tão preocupantes, de recessão e ampliação das desigualdades.
O sentido mais profundo da reunião, porém, será o de fazer caírem as máscaras dos membros dos governos. Pelos discursos – e também pelas ações subsequentes – de cada ministro e presidente de Banco Central, será possível separar claramente os governos em três grupos: o dos que estão preocupados, de fato, com o bem-estar de seus cidadãos, o daqueles que querem declaradamente voltar o mais rápido possível a um mundo que não ia bem e, sobretudo, o dos hipócritas, aqueles que dizem esperar uma nova fase de desenvolvimento, mas atuam para que essa novidade não chegue.
Depois que as máscaras caírem, no baile diplomático do G20, o que nós, da 350.org e de centenas de outras organizações ambientais em todo mundo, esperamos ver surgir é um compromisso firme dos Estados com uma Recuperação Justa frente à pandemia.
As campanhas, petições e ações criativas colocadas em prática pelas ONGs climáticas, nas últimas semanas, dão uma boa ideia do que significa Recuperação Justa. Trata-se de um amplo conjunto de medidas que ajudem as sociedades a resolver, simultaneamente, as crises econômica, social e ambiental. A lógica norteadora desse conceito é simples: não adianta usar o dinheiro público para sair do atoleiro econômico e entalar, na sequência, nos buracos ainda mais profundos das mudanças climáticas e da inequidade.
O que fazer com US$150 bilhões?
Está bem, com exceção dos políticos negacionistas do clima (conhece algum?), que representante de Estado terá a coragem de dizer em uma reunião como a do G20 que é contra uma Recuperação Justa? Bem, de fato, quase nenhum. É nesse ponto que começamos a identificar os hipócritas. Diversos países já anunciaram planos de “Green Recovery”, muitos dos quais passam pela redução ou eliminação de combustíveis fósseis. Porém, o G20 tem tomado uma direção oposta à dos discursos oficiais.
Um dado divulgado nesta semana pelo International Institute for Sustainable Development (IISD) mostra que, apenas desde o início da pandemia, os governos dos 20 países de maior economia já comprometeram mais de US$ 150 bilhões em apoio aos setores de petróleo, gás e carvão. Não é assombroso que, em um mundo pós-Acordo de Paris, Estados sigam financiando as energias que nos trouxeram até a crise atual? Agora, imagine o que seria possível fazer pelo desenvolvimento e pelo clima com esses mais de R$ 800 bilhões.
A hipocrisia presente em escolhas como essa não deixa dúvidas de que precisamos pressionar os governos e enfatizar os caminhos alternativos, para que as máscaras sumam de vez. Chega de os nossos governantes bancarem indústrias poluidoras, enquanto destinam uma fatia minguada do orçamento a um punhado de “ações verdes”!
É hora de os Estados impulsionarem para valer as energias renováveis e socialmente benéficas, por meio de estímulo ao crédito para esse setor. As políticas de aumento de eficiência na distribuição e no consumo de energia também precisam ganhar tração. Nos transportes, a expansão dos sistemas coletivos mostra-se urgente, como revelam as grandes cidades brasileiras, sufocadas pela fumaça e pelos congestionamentos.
Para além de transformações produtivas, Recuperação Justa significa investir diretamente em melhoria da qualidade de vida das comunidades mais vulneráveis. A pandemia mostrou ao Brasil o valor do Sistema Único de Saúde (SUS) e da garantia de condições financeiras mínimas de sobrevivência. Nossas políticas públicas nessas áreas precisam de refinamento e consistência. Também ficou claríssima a urgência da expansão do saneamento básico, uma tarefa que não será resolvida sem vontade política e injeção estatal, por mais que alguns pensem que a participação privada no setor seja uma bala de prata.
São muitos os exemplos do que os governos podem fazer para permitir a geração de empregos limpos e, ao mesmo tempo, descarbonizar a economia e reduzir injustiças sociais. Temos poucos anos para corrigir a rota global, se quisermos evitar os piores cenários do clima, e não podemos mais deixar espaço para os egoístas descarados e nem para os altruístas hipócritas.
A pressão sobre o clube das maiores economias e sobre cada governo individualmente só vai aumentar. O G20 precisa saber que o baile global só tem graça se a música e o salão de dança forem acessíveis para todos. E se as máscaras sumirem de vez.
Convidamos você a pressionar o G20. Junte-se a essa campanha!
G20: Merkel quer discutir desmatamento da Amazônia com Bolsonaro
Leia também
Limpar o planeta com dinheiro sujo tem seus limites
O problema está em imaginar ser possível financiar um projeto sustentável de longo prazo a partir de pagamentos gerados por infração ambiental →
América Latina merece uma Recuperação Justa
Fortemente afetados pela Covid-19, os países da região merecem uma retomada que os coloque no caminho da economia de baixo carbono e de sociedades mais igualitárias →
G20: Merkel quer discutir desmatamento da Amazônia com Bolsonaro
Chanceler alemã afirmou nesta quarta-feira (26) que vê com “grande preocupação” as ações do presidente brasileiro. UE e Mercosul discutem um acordo de livre comércio →