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Pra gelar sem culpa

A primeira geladeira ecológica chega ao consumidor brasileiro com 12 anos de atraso em relação à Europa. Ela até era produzida aqui, mas só para exportação.

Lorenzo Aldé ·
20 de outubro de 2004 · 20 anos atrás

Você gostaria de ter uma geladeira que não prejudicasse o meio ambiente? Se a sua resposta foi “eu já tenho”, você está como a maioria dos consumidores brasileiros. Ou seja: enganado. Até o início de outubro, não havia nenhuma geladeira nacional inofensiva à camada de ozônio. Ou havia, mas eram todas exportadas.

Nosso desconhecimento sobre os efeitos danosos da geladeira que temos em casa foi constatado em pesquisa encomendada pela Bosch. A empresa acaba de lançar o primeiro refrigerador “ecológico” a ser vendido no Brasil.

Mas não se trata exatamente de uma novidade. A tecnologia é simples e foi desenvolvida há 12 anos na Alemanha. No início da década de 90, quando o CFC (clorofluorcarbono) ficou conhecido como grande vilão ambiental, as empresas começaram a abolir esse gás de seus produtos, especialmente geladeiras. A princípio, o CFC usado nos compressores das geladeiras foi substituído pelo HFC (hidrofluorcarbono), supostamente um gás menos prejudicial à atmosfera. Mas a comunidade científica européia não demorou a rejeitar a solução emergencial.

Os danos ambientais continuavam praticamente os mesmos. Foi quando o Greenpeace descobriu a pequena empresa alemã Foron, que produzia compressores à base de isobutano, um gás natural semelhante ao gás de cozinha que conhecemos. A ONG uniu-se à empresa para aprimorar a tecnologia. O invento não foi patenteado, para permitir que outras empresas o copiassem. Rapidamente, a Europa deixava para trás tanto o CFC quanto o HFC. A novidade, batizada de “greenfreeze”, surgiu em 1992. Em poucos anos estava presente em todos os refrigeradores do continente.

Mas não atravessou o Atlântico. Por aqui, uma vez abolido o CFC, os consumidores acreditaram que suas geladeiras não causavam dano algum. Como acreditam até hoje, segundo a pesquisa da Bosch. Na época, algumas empresas anunciaram suas linhas “sem CFC” como ecologicamente corretas, e o assunto morreu. Pelo menos para o público. Atendendo à crescente demanda externa por geladeiras não poluentes, empresas brasileiras passaram a produzir modelos greenfreeze apenas para exportação.

A própria Bosch, que anunciou no dia 7 de outubro o lançamento de seu Refrigerador Glassline KSV 43, o primeiro com gás isobutano, levou 12 anos para decidir trazer ao Brasil o que considera bom para os europeus. Ela foi a primeira grande empresa a vender geladeiras ecológicas na Europa ao comprar a Foron, inventora do greenfreeze.

Não são necessários grandes investimentos para substituir a geladeira convencional pela ecológica. Basta um compressor adaptado ao gás isobutano, e ele é fabricado no Brasil. Tanto que a nova geladeira custa o mesmo que a convencional, R$ 1.599 para ser preciso. Até o fim de 2004 todos os modelos da Bosch serão “ecológicos”, e até o fim 2005, todos os modelos da Continental, marca popular da mesma empresa, também.

Outra boa nova para o clima mundial foi anunciada em junho pelas gigantes Coca-Cola, McDonalds e Unilever (fabricante de sorvetes). As empresas se comprometeram a substituir todos os seus refrigeradores por modelos não agressivos à camada de ozônio. Desta vez, o Brasil não precisou esperar tanto. As trocas já começaram a ser feitas, com geladeiras importadas. Pode ser um sinal da globalização do compromisso ambiental. Ou apenas bom senso. Afinal, a camada de ozônio não tem nacionalidade. Gás que sobe cá, bate lá. Ou seja, o ozônio não tem dono.

  • Lorenzo Aldé

    Jornalista, escritor, editor e educador, atua especialmente no terceiro setor, nas áreas de educação, comunicação, arte e cultura.

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