Análises

O loteamento das florestas públicas do Brasil

De Tasso Rezende de Azevedo Diretor do Programa Nacional de Florestas Ministério do Meio Ambiente PL 4776/2005: Em defesa das florestas públicas do Brasil Consideramos essencial manter o debate sobre o Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas (PL 4776/2005) e ainda mais quando o que está em discussão é a garantia de que as florestas públicas brasileiras permaneçam florestas e públicas como trata o PL 4776 ora em apreciação pelo Senado Federal. Essa é a iniciativa de maior alcance para reverter a lógica de loteamento e apropriação indevida a que se submeteram as florestas públicas do Brasil desde que Cabral aportou por estas terras. De fato chegamos ao absurdo de simples protocolos de pretensão de posse serem tratados como títulos de terra, alimentando os mecanismos de grilagem e pilhagem do patrimônio público. Em recente artigo, publicado em O ECO em 02.10.05, a Sra. Sulema Mendes de Budin faz críticas e afirmações sobre o PL 4776 que não correspondem aos fatos. Por esta razão, usamos este espaço para, democraticamente, como temos feito desde o início desse processo, esclarecer e repor os fatos para o melhor entendimento do Projeto de Lei, respeitando a opinião da autora sobre o tema. Sobre o Conteúdo do Projeto de Lei Em primeiro lugar, é preciso esclarecer de que, exatamente, trata o PL de Gestão de Florestas Públicas. Manter as florestas públicas como florestas e públicas - O Projeto mencionado reconhece explicitamente as florestas públicas como patrimônio que deve permanecer sobre domínio do Estado Brasileiro e estabelece como primeiro objetivo de sua gestão a conservação destas florestas. Em resumo, o PL propõe três possibilidades de uso sustentável das florestas públicas: a criação de unidades de conservação, a destinação para manejos comunitários (através de assentamentos florestais, reservas extrativistas, PDS, quilombolas entre outros) e, uma vez esgotadas as demandas das duas primeiras, a destinação para concessões florestais. Os contratos de concessão tratam do manejo da floresta e não permitem qualquer direito de posse ou título. Portanto, aprovada a Lei de Gestão de Florestas Públicas, fica proibida a privatização das florestas públicas ou sua conversão para outros tipos de uso do solo. Prioridade para as Comunidades Locais - O mecanismo de concessão florestal poderá ser aplicado em uma determinada região somente após ser feita a destinação para Unidades de Conservação e Manejo Comunitário. Além disso, as áreas devem estar incluídas no Plano Anual de Outorga e no Cadastro Nacional de Florestas Públicas. Os editais de licitação devem passar por consulta pública e os vencedores das licitações serão definidos através de critérios que incluem melhor preço, menor impacto ambiental, maior benefício socioeconômico e maior agregação de valor local. Portanto, as concessões são a última alternativa e serão baseadas em processos impessoais que garantam os contratos àqueles que promovam os maiores benefícios ambientais, sociais e econômicos. Transparência e Controle Social - A lei prevê vários mecanismos de controle social, incluindo as consultas e audiências pública relacionadas ao Plano Anual de Outorga, os Editais de Licitação e os conselhos de gestão de florestas públicas com participação paritária da sociedade civil e governos. O PL obriga que toda documentação sobre as concessões, incluindo relatórios ambientais e de fiscalização, editais, contratos, entre outros, sejam disponibilizados na internet. O Plano Anual de Outorga deverá prever explicitamente o planejamento das atividades de monitoramento e fiscalização. Além da fiscalização realizada pelo IBAMA e pelo Serviço Florestal Brasileiro, serão obrigatórias auditorias independentes pelo menos a cada três anos. Trata-se, portanto, de um processo transparente e com forte controle social. A concessão é onerosa - O Projeto de Lei prevê o pagamento pelo uso dos recursos florestais nas concessões. Os recursos arrecadados serão investidos em atividades de gestão, fiscalização e monitoramento das florestas públicas (através do IBAMA e do SFB ou dos respectivos órgãos estaduais, no caso de florestas públicas estaduais) e no fomento ao desenvolvimento florestal sustentável através do Fundo Nacional de Desenvolvimento Florestal. Portanto, estão previstos recursos adicionais e específicos para a implementação da política de gestão de florestas públicas e seu monitoramento. Execução em etapas - O Projeto de Lei prevê ainda a implantação em etapas das concessões previstas no sistema de gestão de florestas públicas. Com várias salvaguardas previstas no projeto, não mais que 13 milhões de hectares de florestas públicas poderão ser concedidos nos 10 primeiros anos de implementação do projeto. Isso representa menos de 3% da área da Amazônia, repito, apenas 3% da Amazônia. Além disso, está previsto que no quinto ano de implementação da lei deverá ser realizada uma avaliação dos seus impactos sociais, econômicos e ambientais. Portanto, a Lei não é uma panacéia para resolver todos os problemas florestais. Sobre o questionamento jurídico No seu artigo a Sra. Sulema Budin afirma que “O texto do PL, ao definir a concessão florestal e a unidade de manejo (art. 3º, VII e VIII), criou uma inovação nos conceitos de posse e propriedade, sem a menor base jurídica, que vai servir para muita discussão judicial, e interpretações que beneficiarão os transgressores”. Esta afirmação não é correta. De fato há uma definição legal já utilizada há décadas no direito pátrio, segundo o qual o acessório é destacado do principal do qual deriva por determinação legal. Assim, por força da lei, as florestas existem em si mesmas, independentemente do regime jurídico que rege o solo. Tal determinação já está em vigor por força do disposto no art. 1o do Código Florestal, que, contudo, não surtiu seus efeitos, uma vez que o Código não estabeleceu regimes de uso diversos para solo e recursos florestais, tal como estabelecerá a nova lei, caso entre em vigor. O permissivo constitucional para tal construção legal está previsto para a disciplina do meio ambiente no art. 225, § 1o, III e VII da Constituição, na menção ao dever do Poder Público de proteger a fauna e a flora e definir, em todas as unidades da federação, os espaços territoriais a serem especialmente protegidos, na forma da lei, sobressaindo claramente a definição autônoma de seus componentes, que também devam ser especialmente protegidos. Sobre o processo de debate do PL A afirmação da Sra. Sulema Mendes de que o projeto foi aprovado na Câmara “na surdina sem que houvesse uma única discussão ampla e séria com a sociedade civil” não corresponde aos fatos. O Projeto de Lei de Gestão de Florestas Públicas foi elaborado através de um amplo processo que começou em dezembro de 2003. Primeiro, um primeiro grupo de trabalho envolvendo 90 participantes representando governo federal, governos estaduais, ONGs, movimentos sociais, setor privado e instituições de ensino e pesquisa estiveram reunidos em 4 oportunidades, em reuniões de 2 dias, para estruturar o projeto de lei. Segundo, foram realizados estudos aprofundados dos sistemas de gestão de florestas públicas de dezenas de países. Além disso, foi revisada a experiência brasileira com regulação de diversos setores como petróleo, energia, transportes, mineração, água e comunicações. Para sustentar esta discussão foi realizado um Seminário Internacional sobre gestão de florestas públicas em fevereiro de 2004 em Belém, contando com 250 participantes. Terceiro, foram elaboradas 4 versões estruturais do projeto de lei, as quais tiveram mais de 20 revisões e passaram por um extenso processo de consulta que envolveu mais de 1.200 pessoas e instituições. Duas dezenas de reuniões setoriais de consulta envolvendo ONGs, movimentos sociais, setor privado e governos estaduais foram realizadas em 10 estados. Mais de 700 emendas foram recebidas e analisadas pela equipe do Ministério do Meio Ambiente. Quarto, o projeto de lei foi analisado pela Comissão Coordenadora do Programa Nacional de Florestas (1) (CONAFLOR) em três oportunidades, inclusive uma reunião extraordinária convocada especificamente para discussão do Projeto de Lei. Finalmente o PL foi enviado ao Congresso Nacional em Fevereiro de 2005. Na Câmara dos Deputados foi realizado um Seminário sobre Gestão de Florestas Públicas com a presença de governadores, ministros e dezenas de deputados e senadores. Além disso foram realizadas doze audiências públicas, sendo seis nos estados da Amazônia (AM, PA, RR, AC, RO e MT) e outras seis temáticas na Câmara com pesquisadores, juristas, governo federal, governos estaduais, ongs e movimentos sociais, empresários e trabalhadores. O PL recebeu 303 emendas e o substitutivo do relator Dep. Beto Albuquerque, o qual incorporou 140 emendas, foi aprovado por unanimidade em sessão realizada no dia 1o de junho, sendo aprovado no Plenário da Câmara no dia 06 de julho de 2005. No Senado Federal o projeto tramita desde 10 de julho, onde foi tema de mais duas audiências públicas, recebeu outras 23 emendas e foi debatido e aprovado nas Comissões de Meio Ambiente e de Assuntos Econômicos, devendo ser votada na Comissão de Constituição e Justiça nesta quarta-feira (05.10.2005). Durante todos os debates, as sessões foram abertas, públicas e contaram com acompanhamento de perto dos diversos grupos de interesse da sociedade civil. Sobre o debate na mídia Em outro trecho, a Dra. Sulema Mendes afirma que “A questão não mereceu atenção da grande imprensa. Nem uma nota de rodapé de página interna dos jornais e revistas, nem meio segundo de noticiário das emissoras de televisão”. Ao contrário do que afirma a Dra. Sulema, o PL foi objeto de extensas matérias, entrevistas e editorias nos principais jornais de circulação nacional, incluindo O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil, Correio Brasiliense, Gazeta Mercantil e Valor Econômico, além dos diversos jornais regionais como A Crítica, de Manaus (AM), O Liberal (PA), Página 20 (AC), entre outros. As principais revistas do Brasil também publicaram matérias sobre o Projeto de Lei, incluindo Carta Capital, Época, Istoé, Veja, Exame, Istoé Dinheiro e Bonifácio. Houve cobertura também na TV e no Rádio o assunto tem sido divulgado e debatido no Jornal Nacional, Jornal da Record, Jornal da Globo, Jornal do SBT, Debate Nacional (TV Cultura), CBN, Band News, Globo News, Rádio Eldorado e dezenas de canais de televisão e de rádio regionais e locais. Articulistas importantes como Washington Novaes, Élio Gaspari, Miriam Leitão e Franklin Martins debateram o assunto em suas colunas. Além disso, o próprio OECO tem coberto o assunto de forma sistemática desde o início dos debates. Vale lembrar que as reportagens, matérias e editoriais expressam uma diversidade grande de opiniões que é da natureza do debate. Indo às ruas Por fim, a Dra. Sulema convoca os brasileiros para sair às ruas para dizer “Não ao loteamento das nossas florestas, patrimônio e legado que temos a obrigação de defender para as gerações futuras”. Estamos de acordo, até porque acabar, é exatamente o propósito do PL 4776/2005, acabar com o loteamento, a grilagem e a destruição da florestas do Brasil. O PL vai permitir que as florestas sejam conservadas como florestas e continuem públicas. Por fim, define regras e instrumentos que permitam ao poder público, com a participação e sob o monitoramento da sociedade civil, conservar o patrimônio e legado que temos a obrigação de defender para as sociedades futuras. (1) A Conaflor foi estabelecida pelo Decreto Presidencial 4.864/2003, com objetivo de propor e avaliar diretrizes para o Programa Nacional de Florestas. Ela é composta por 37 membros, representando o Governo Federal, Governos Estaduais, setor privado, ONGs, movimentos sociais, trabalhadores, pesquisadores, cientistas, estudantes e profissionais florestais.

Redação ((o))eco ·
4 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

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