É preciso admitir, há muito radicalismo no comportamento dos que lutam pela conservação da biodiversidade em nosso país. Estão certos aqueles que acusam os conservacionistas de querer mais do que nossa cultura e nossa visão atuais são capazes de assimilar. O foco sulista desta busca intransigente é direcionado hoje à criação de um punhado de Unidades de Conservação que ajudarão a proteger a combalida Floresta com Araucária. Pensando bem, com menos de 1% de remanescentes, não há qualquer alternativa de conduta que não seja uma confrontação ao modelo de uso de nosso território.
Caso contrário, que outro papel os cada vez mais numerosos cidadãos conscientes da importância da conservação da natureza poderiam cumprir? Continuar a ver a destruição acontecendo até a última área natural dar espaço ao “desenvolvimento”? Aceitar a continuidade dos discursos vazios que falam de conservação, mantendo criminosamente procedimentos que destróem e aniquilam nosso patrimônio natural?
Não estamos evoluindo para uma situação mais confortável na área da conservação da biodiversidade, como algumas fontes exortam. Pelo contrário, perdemos a cada dia, mais áreas, com muitas variantes sem fundamento que procuram explicar novas práticas de “uso sustentável dos recursos naturais”. A manipulação de informação vem sendo, por muitos anos, habilmente conduzida para que uma densa neblina se mantenha presente, enquanto a paisagem muda, empobrece e desaparece. Governos e empresas têm sido os principais precursores nestes procedimentos ao longo das últimas décadas.
Apesar deste cenário geral de tendências negativas e contrariando a história de passividade frente a questões ambientais do cidadão brasileiro, vivemos uma polêmica que ganhou as ruas e as páginas dos noticiários – a criação de algumas Unidades de Conservação no Paraná e Santa Catarina. O que há de novo em nossa sociedade para que tanta discussão esteja sendo gerada sobre um tema até há pouco tempo considerado secundário? A conservação de áreas naturais é demanda assimilada como prejuízo, como perda de oportunidade, na linguagem desenvolvimentista mais convencional. Por que então tantas pessoas reagem e defendem-na como uma prioridade fora de precedentes e que não mais permite o uso de manobras nem de demagogias para ser protelada?
Certamente, trata-se de um fenômeno de mudança. Até os políticos mais céticos e comprometidos com o desenvolvimento a qualquer custo, já se aperceberam disto. E se esforçam para manter sua posição histórica e convencional, agora temperada com palavras cheias de cuidados especiais. Não querem atingir o público interessado na conservação destas áreas, como se sempre tivessem defendido a natureza.
O olho no voto sempre fará parte do contexto político. E é um fator importante para que mudanças ocorram. Será que estamos vivendo uma fase de acomodação conceitual dos políticos, na qual a conservação da biodiversidade passa a ser uma exigência dos eleitores e não uma demanda dispensável? Parece que sim, uma vez que nas declarações em defesa da paralisação e maior discussão do processo de criação das áreas, há uma expressão que se repete insistentemente: “Antes de tudo, quero declarar que não sou contra as Unidades de Conservação!”. Sincero ou não, este posicionamento é praticamente uma unanimidade entre os que estão se sentindo contrariados.
O número cada vez maior de cidadãos que defendem a criação das Unidades de Conservação de Floresta com Araucária está refletido na figura da academia, de empresários, profissionais liberais, técnicos, operários – a maioria da população paranaense, segundo o Instituto Brasileiro de Opinião Pública (IBOPE), apóia medidas para a conservação do bioma Floresta com Araucária e a criação de áreas protegidas. São pessoas que estão acostumadas a receber notícias de destruição e de impunidade sob disfarces que enganam cada vez menos.
Observa-se que, apesar da retórica ainda ser o astro principal deste teatro, a mesma já não conta com a passividade da população. Quem enganou os paranaenses por muitos anos, primeiro com discursos de desenvolvimento a qualquer custo e, mais tarde, com a invenção de “modelos sustentáveis” para a exploração de nossas áreas naturais, não têm mais espaço para se esconder atrás de suas inverdades e escândalos.
O radicalismo apresentado por aqueles que defendem a natureza se expressa no desgosto da sociedade frente ao velho discurso daqueles que ainda acreditam que estão administrando feudos. E onde a cultura de conservação não se faz presente.
Na realidade, conservacionistas não suportam mais ouvir que o Estado do Paraná vem sendo bem conservado, com tantos indicadores que provam o contrário. Não aceitam mais o catastrofismo dos que lutam contra a proteção de áreas naturais, alegando prejuízos econômicos. Revoltam-se com a propaganda inverídica que sistematicamente confunde plantações de monoculturas com esforços de preservação. Insultam-se quando medidas de conservação são tomadas sem o devido critério técnico e acabam se tornando apenas uma fachada sem qualquer conteúdo. As esperanças se enfraquecem com a constância das notícias de desmatamentos no Paraná, sem medidas adequadas para contê-los.
Existe, no entanto, uma ávida motivação, quando algo de mais digno e consistente surge no horizonte. A criação destas Unidades de Conservação, mesmo muito aquém do que ainda é necessário evoluir, reflete exatamente isto: uma demonstração de coragem e enfrentamento a um sistema suicida de uso da natureza, que prejudicou muito os paranaenses de hoje e criou mazelas de proporções gigantescas aos paranaenses que estão por vir.
Se o apoio incondicional à criação destas Unidades de Conservação representa um radicalismo, muitos paranaenses estão assumindo esta posição sem nenhuma cerimônia. As novas áreas são um requisito mínimo para o resgate de uma dívida dos paranaenses com sua terra. Posições precisam ser marcantes se a causa que defendemos representa a diferença entre a esperança de menos negligência e egoísmo e um futuro sem identidade, nem cores, nem diversidade de paisagens e espécies.
As discussões ainda persistem, mas os paranaenses já disseram para onde caminharemos: nosso território merece ser tratado com mais dignidade e razão. As Unidades de Conservação, em breve, serão uma feliz realidade!
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