Análises

Conservação da Floresta com Araucária – urgência reforçada

Na lista vermelha, a araucária passou a ser considerada espécie criticamente ameaçada. Ela só existe no Sul do país, onde não resta mais do que 0,4% da mata original.

Clóvis Borges ·
4 de maio de 2006 · 18 anos atrás

A lista vermelha de 2006 das espécies ameaçadas no planeta, lançada em 4 de maio pela União Mundial para a Natureza -UICN, aumenta o patamar de risco da espécie Araucaria angustifolia, ou pinheiro-do-Paraná. Antes ela era qualificada como vulnerável, agora como criticamente ameaçada. Isto significa que, de dois anos para cá, o pinheiro-do-Paraná ficou mais próximo do final de uma longa curva de destruição iniciada faz mais de um século. Só no Paraná, dos oito milhões de hectares de uma massa praticamente contínua de densa floresta nativa, restam atualmente menos de 0,4% distribuídos aleatoriamente em pequenas áreas ilhadas por atividades antrópicas. Rio Grande do Sul e Santa Catarina não apresentam quadros muito diferentes, sendo a região Sul a detentora de praticamente 99% da área de distribuição original deste bioma.

A indicação de um agravamento em sua condição de conservação, vinda de uma instância de irrefutável gabarito científico como a UICN, corrobora com uma constatação que vem sendo sistematicamente divulgada por conservacionistas brasileiros: o bioma Floresta com Araucária, e não apenas sua espécie mais famosa e simbólica, está perigosamente ameaçado de um irremediável processo de degradação. Numa visão técnica mais rigorosa, o que temos no cenário atual são apenas resquícios do que um dia foi uma exuberante floresta, composta por milhares de espécies animais e vegetais. Com pinheiros gigantescos de até 50 metros de altura e diâmetro que vários homens juntos não conseguiam abraçar. Juntamente com as majestosas araucárias, muitas outras árvores de porte se consorciavam, como imbúias, canelas, perobas, dentre uma enorme variedade de espécies. Campos Naturais de raríssima beleza estavam presentes em uma parcela das áreas de distribuição da Floresta com Araucária, enriquecendo ainda mais a diversidade biológica desta região. Uma fauna diversa habitava estas áreas naturais, onde a riqueza de espécies era garantida pela intensa variedade de ambientes, pois essas florestas nativas apresentavam formações distintas, dependendo de sua localização geográfica.

Independentemente de demagogias baratas que ainda aparecem aos sobressaltos, alegando radicalismo por parte dos que procuram defender o que ainda resta deste bioma, não há como se refutar constatações que estão por todos os lados. É necessário admitir: venceram os madeireiros! Venceram os grandes agricultores e pecuaristas! Venceram os que tomaram por desafio arrasar a paisagem natural do Sul do Brasil, se possível sem deixar rastros. A Floresta com Araucária e os Campos Naturais são hoje apenas pequenas manchas descaracterizadas em meio à paisagem dominante da agricultura, da pecuária, das plantações de árvores exóticas e das concentrações urbanas e industriais.

É isto que diz a UICN em sua mais nova lista de espécies moribundas do planeta. E, então? Já não é o suficiente para que a sociedade reaja e, indignada, pressione aqueles que insistem em ocultar-se na própria incompetência ou avidez? Não é de se esperar que este cenário se transforme numa oportunidade única para se testar o caráter e a fibra ética de nosso povo? O que estamos fazendo frente à perda da biodiversidade, da perda do acesso a serviços ambientais como os mananciais de água, a proteção dos solos, o combate natural a pragas, e tantas outras contribuições atestadas como gratuitas e que temos explorado sem trégua da natureza? Para quem ainda não percebeu mais claramente, sempre que o tema é a conservação da natureza, é da nossa própria existência que estamos tratando.

Na realidade, poucos de nós estão envolvidos com o desafio de não deixar desaparecer este bioma. Ao contrário, o que ainda se observa em todos os cantos é a truculência e usual falta de vergonha de políticos carreiristas, somados a visão míope de setores da economia interessados em agendas contrárias à conservação e, infelizmente, de uma boa parte de nossa sociedade pouco engajada e sem estímulo suficiente para protestar e lutar por uma causa cheia de representatividade e importância – a Floresta com Araucária e os demais biomas brasileiros. Além de uma conceituação deficiente do próprio sentido da conservação da natureza, devemos admitir que comunicamos pouco e mal o que vem acontecendo com a natureza no nosso País, sendo esta uma das razões da impunidade e da falta de maior envolvimento da sociedade. Felizmente, aos poucos, mudanças vêm sendo sentidas na direção oposta ao ranço conservador de quem entende a natureza como um recurso e não como um patrimônio.

Estamos prestes a consolidar a criação da última Unidade de Conservação projetada pelo Ministério do Meio Ambiente nos estados do Paraná e Santa Catarina. São sete áreas protegidas pelo Governo Federal criadas depois de mais de três anos de estudos que procuraram delimitar, da melhor forma possível, o desenho de algumas das últimas áreas existentes em toda a distribuição do bioma, com características suficientes para se tornarem reservas naturais.

Seis já foram criadas, e nem o Paraná, nem Santa Catarina, tiveram sua economia estagnada, como alardeavam boa parte de nossos políticos e representantes de classe da agricultura e da indústria. Não ocorreram desempregos em massa e não houve nenhum outro cataclismo projetado por alarmistas de aluguel.

Estas áreas recém criadas, além de uma incontestável vitória do povo brasileiro frente a uma visão ultrapassada de desenvolvimento a qualquer custo, representam também a esperança de que iniciativas assim poderão, de alguma maneira, permitir a reconstituição de parte das áreas naturais de Florestas com Araucária, uma demanda ainda muito longe de ser alcançada em sua plenitude.

Muito ainda precisa ser feito. Áreas privadas remanescentes bem conservadas precisam ser imediatamente reconhecidas pelo poder público como de interesse estratégico para a conservação da biodiversidade no Sul do Brasil e seus proprietários estimulados financeiramente a protegerem as mesmas. Várias modalidades desta natureza são conhecidas, faltando apenas que a agenda da conservação das Florestas com Araucária passe a fazer parte das prioridades do poder público e de empresas, a exemplo do esforço realizado pelo Ministério do Meio Ambiente, recentemente.

Ações pioneiras capitaneadas pela iniciativa privada, como a adoção de áreas de Floresta com Araucária, a partir de suporte financeiro a proprietários que assumam compromissos de conservação, precisam ser implementados em escala suficiente para que a perda sucessiva das últimas áreas pare de ocorrer. E já que santo de casa não faz milagre, uma boa forma de convencimento para governantes que ainda não perceberam que estão na contra mão da história, é dar uma olhadela na lista da UICN, onde a Araucária ou pinheiro-do-Paraná se junta a mais de 16 mil outras espécies em risco no planeta. Vamos reagir frente aos fatos que estão à nossa frente? Ou perdemos, enfim, nossa capacidade de reação na busca da própria sobrevivência? Políticos de encomenda à parte, ainda há muita gente do bem por aí com vergonha na cara e orgulho de ser protagonista no apoio à perpetuação do bioma Floresta com Araucária.

  • Clóvis Borges

    Diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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