Em 1984, depois de um apartamento assaltado e de ver um filho e a babá escaparem ilesos de um tiroteio entre ladrões e policiais, a família decidiu sair do Rio. Escolhemos Teresópolis, na Região Serrana, cerca de 100 km do Rio, 900 e poucos metros acima do mar, montanhas, árvores, cidade pacata, sem violência, sem medo, conhecida como a Cidade das Flores.
Compramos uma casa aconchegante, num vale com lindas montanhas, e aqui ensinamos nossos filhos a amar e cuidar dos animais, das árvores, plantas. Lembro-me do prazer de sentar-me à varanda para admirar as montanhas coloridas de ipês amarelos e quaresmeiras roxas…
A cidade oferecia tudo o que precisávamos, povo tranqüilo, trânsito livre, todos se conheciam, podíamos ligar para o ponto de táxi e chamar o “Seu” Manoel para buscar as crianças no colégio, não tínhamos medo! Somente um detalhe já incomodava naquela época: o rio Paquequer, que corta a cidade, estava abandonado, víamos resto de obras, móveis velhos, papéis, tudo dentro dele. E quando a chuva caía pra valer, o centro da cidade alagava porque o rio transbordava e os bueiros estavam entupidos.
Vinte e dois anos se passaram…
As montanhas não mostram mais aquelas árvores floridas. Não podem, porque as árvores desapareceram e deram lugar aos casebres. Para onde se olha, vê-se uma favela. O que mais chama a atenção é ver o grande número de antenas parabólicas espetadas nos casebres. Sim, porque a eletricidade está presente! As favelas costumam ter um vereador protetor de olho nos votos. Agora, saneamento básico não precisa, com certeza consideram-no um detalhe bobo… E as rádios comunitárias estão presentes, acordando a “comunidade” e todos os vizinhos com pagodes e raps às 8 da manhã de sábado e domingo, e a loucura vai até o dia acabar e “tamos conversados”… Outro grande problema é o número assombroso de templos evangélicos de diversas seitas. A maioria usa alto-falantes muitos decibéis acima do permitido, afinal, o lema é doutrinar todos os vizinhos, aleluia! Quando não somos acordados às 8:30h do domingo por um grupo de obreiras que querem nos trazer a palavra de Jesus…
Com as favelas se multiplicando, começaram os focos de violência. Hoje, temos assaltos, drogas e todas as mazelas do Rio, ainda em grau pequeno, mas que já preocupa a população. A Cidade das Flores se perdeu no tempo, restam as velhas buganvíleas que teimam em florescer nos canteiros da avenida principal, alguns belos jardins particulares, a ARANDA, um orquidário que nos orgulha, e o Parque Nacional da Serra dos Órgãos, que é um oásis no estado, mesmo não recebendo um tratamento adequado. As ruas estão em péssimo estado, com um agravante: deve ser a cidade com maior número de quebra-molas no estado! Sem falar naquelas tachas retangulares altas que acabam com os pneus… Quebra-molas e templos evangélicos tomam conta de Teresópolis!
Nossos governantes são como os outros que vemos todo dia nos jornais e telejornais. Grandes empresas e indústrias que tentam vir para o município encontram tanta dificuldade que acabam se instalando nos municípios vizinhos. Temos um centro universitário pertencente a uma Fundação e que luta com unhas e dentes para impedir que um concorrente se instale na cidade, mesmo que para trazer cursos que ele não oferece. Resultado, os jovens que queiram outras faculdades têm de ir para o Rio, com passagens, alimentação e moradia pesando no orçamento das famílias. E, depois de formados, continuam lá, porque aqui não há perspectivas profissionais.
Teresópolis está se tornando uma cidade de velhos ou de famílias com filhos pequenos, mesmo assim, é comum pelo menos um dos responsáveis trabalhar no Rio, viajando ida e volta diariamente. Bom mesmo é passar um fim de semana ou férias aqui, porque a pessoa curte o ar ainda puro e não tem tempo de conviver com as mazelas da cidade.
Teresópolis ainda tem cura, basta ter vontade de investir no seu potencial turístico, cuidar do Parque Nacional e suas trilhas que recebem tantos turistas nacionais e estrangeiros, voltar a fazer os festivais de antigamente, proteger as montanhas que ainda estão saudáveis, zelar pelos decibéis suportáveis, enfim, aproveitar o que a Natureza deu à cidade e administrar o que o Homem faz.
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