Mudanças climáticas têm sido uma constante na história do planeta, especialmente durante o último milhão de anos. Seus impactos sobre a biodiversidade dependem da intensidade da mudança e quão rápida ela será. Desta vez, estamos encarando um aumento importante (sim, 3ºC é MUITO) e rápido.
Aquecimentos ou resfriamentos fazem com que, grosso modo, as comunidades biológicas “mudem-se” para as zonas climáticas mais adequadas. Por exemplo, criaturas de climas frios tenderão a colonizar latitudes ou altitudes mais elevadas em busca de um clima mais adequado. Neste processo dinâmico surgirão misturas de organismos de diferentes ecossistemas que poderão formar comunidades biológicas sem similares atuais. O que ocorreu antes, como no período glacial.
O problema é se a mudança for mais rápida do que a capacidade das comunidades de plantas e animais colonizarem novas regiões antes de sua terra natal se tornar inabitável. Imagine o problema de populações de árvores que têm que ocupar novas áreas 500 km ao sul no prazo de uma ou duas décadas. Ou pode simplesmente não haver para onde ir, como comunidades que hoje vivem no topo de montanhas. Todas aquelas espécies dos campos de altitude da Mantiqueira desaparecerão se o clima permitir que as florestas cresçam no alto das montanhas.
Predomínio trash
Mas o grande problema é o fato de nós, humanos, temos retalhado todos os ecossistemas naturais do planeta. Essa fragmentação faz com que corredores contínuos ao longo dos quais o processo de fluxo de biotas possa ocorrer sejam poucos e limitados. Nossas atividades, por assim dizer, cortaram as rotas de fuga de comunidades biológicas inteiras.
Outro problema é que os oceanos estão se tornando mais ácidos (1/3 a mais em relação ao período pré-industrial) — péssimo para qualquer criatura com conchas de carbonato de cálcio, de corais a mariscos. E também mais quentes, o que aumenta as “zonas mortas” onde se produz mais metano que alimenta o efeito estufa. Já vimos este filme na mega-extinção do Permiano-Triássico, quando mais de 90% das formas de vida no planeta foram extintas.
Podemos esperar extinções em massa, com poucas espécies trash sendo beneficiadas e se espalhando. Sugerimos que aqueles que queiram mostrar aos seus filhos e netos aqueles bichos e plantas que são endemismos de regiões frias e úmidas como partes da Mata Atlântica comprem DVDs, porque ao vivo será difícil.
Os impactos serão mais complexos do que um modelo de esquentar-esfriar pode sugerir. Por exemplo, o aquecimento pode trazer as chuvas das monções para o interior do Saara. Também está causando o degelo dos glaciares andinos que alimentam os rios da Amazônia. Modelos sugerem que conforme o processo progride devemos ter enchentes mais severas, que darão lugar a secas porque as fontes, literalmente, secarão.
O aumento da temperatura também elevará a duração das estações secas na Amazônia, intensificando o stress hídrico e tornando-a mais suscetível ao fogo (que é cortesia nossa). A tendência é a floresta ser substituída por savanas, que reciclam muito menos água para a atmosfera, resultando em menos chuvas em regiões mais ao sul (que serão ainda mais suscetíveis ao fogo), exatamente onde está nosso cinturão agrícola. Apesar da justiça poética, a biodiversidade apanhada neste fogo cruzado não terá um destino brilhante.
Lotação esgotada
O trem desgovernando da mudança climática está em andamento e, como o sistema climático reage lentamente, qualquer ação que tomemos hoje levará décadas para ter efeito. Desastres naturais de hoje causados pelo aquecimento global são, literalmente, o pagamento pelos pecados de nossos pais e avós.
É possível minimizar o impacto se houver decisões corajosas por sistemas econômicos que resultem tanto em emissões de carbono cada vez menores e quantidades de carbono cada vez maiores seqüestradas e estocadas como biomassa (precisamos de MUITO MAIS florestas) ou em depósitos subterrâneos. Uma decisão corajosa seria eliminar os incentivos, tanto monetários como em infra-estrutura, que levam os brasileiros a queimarem suas florestas e cerrados para produzir grãos e carne a preço de banana, o que nos torna os 4º maiores emissores de carbono do planeta.
Os obstáculos para isso não são desprezíveis e um dos maiores, e menos lembrados, é o fato de que nossa população (6,2 bilhões) estourou a capacidade de suporte do planeta, já que não há como dar um padrão de vida “classe média” para todo mundo. Se não queremos ter que abraçar uma existência esquálida e superlotada, precisamos de menos gente. MUITO MENOS gente. Ou muito menos desperdício e muito mais sabedoria.
As decisões sobre como trataremos as questões econômicas e populacionais podem ser tomadas por nós ou pelo ecossistema planetário onde estamos inseridos. De um jeito ou de outro, a demanda populacional terá que se adaptar à oferta ambiental. Extinções em massa e mudanças climáticas são fatos da vida e o planeta dará os ombros e continuará, com a biosfera recuperando sua riqueza daqui a alguns milhões de anos.
Torcida por uma erupção
Há aqueles que estão felizes por verem os tempos difíceis que se aproximam como o cumprimento de suas profecias religiosas que anunciam um novo mundo. Que teremos um novo mundo não há dúvida, mas duvidamos que será o que esta turma espera. Mas não custa rezar para que quem tem o poder faça o certo.
Se isso não acontecer e a Nova Era começar a ficar cada vez mais parecida com o Permiano, você também pode rezar para que aconteça (e que você esteja entre os sobreviventes) uma grande erupção vulcânica que mitigue os efeitos do aquecimento global. Ou uma epidemia que resulte em uma redução significativa da população mundial. É bom lembrar que na última vez que isso aconteceu (a Peste Negra dos 1300-1400) houve menos emissões, as florestas aumentaram e o clima esfriou. E os sobreviventes (pelo menos no Ocidente) emergiram com uma nova mentalidade que levou ao fim do feudalismo, à Reforma, ao Renascimento e ao surgimento da sociedade moderna.
De um jeito ou de outro será um admirável mundo novo.
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