Análises

Biocombustíveis e subsídios para sustentabilidade

Para não sucumbir à polêmica alimentos versus combustíveis, a indústria da cana precisa entender a importância de investir mais na preservação e no equilíbrio dos ecossistemas.

Eduardo Athayde ·
18 de junho de 2008 · 16 anos atrás

As declarações de Jeffrey Sacks, no Parlamento Europeu, pedindo a europeus e americanos para reavaliarem os programas de biocombustíveis, favorecem o Brasil, player privilegiado em um mundo carente de investimentos na área energética. As palavras do conselheiro especial do secretário-geral da ONU para as Metas do Milênio, que continuam ecoando, atingem o etanol de milho e iluminam, por exclusão, o biopotencial brasileiro.

Globalmente, lavouras de biocombustíveis estão sofrendo embargos pela voluptuosidade com que disputam recursos antes destinados à produção de alimentos. A história contemporânea revela um quadro preocupante, pouco observado no seu conjunto.

O consumo mundial de grãos destinados ao alimento animal cresceu, em média, 21 milhões de toneladas por ano, entre 1990 e 2005. Com a pressão das novas destilarias americanas de etanol de milho, o consumo de grãos cresceu em mais 54 milhões de toneladas em 2006 e mais 81 milhões de toneladas em 2007, pressionando mundialmente a demanda. Em finais de 2007, os preços dos ovos subiram 36% nos EUA, o pão 12% e o leite 29% a mais que no ano anterior. Na Itália, os preços da pizza subiram 21%.

Na última década, com a pressão do crescimento populacional global de 70 milhões de pessoas ao ano, o consumo de grãos vem excedendo a produção durante os últimos oito anos. Em 2008, os estoques internacionais de grãos despencaram para 55 dias de consumo global, nível jamais registrado. Neste cenário, a conversão de lavouras em combustível afeta a segurança alimentar global. Sacks ajuda a soar o alarme.

Enquanto a indústria energética tradicional protege-se, usando a força da sua economia, também sofre perdas com a fuga de capitais cativos que começam a migrar para novas rotas de interesse dos fundos de investimento, focados na sustentabilidade, reunidos nos Principles of Responsable Investments (PRI), da ONU, que já abrigam ativos da ordem de US$ 14 trilhões. Atentos, investidores dão ao “press flow” o mesmo peso do “cash flow”, empurrando os fundos para o primeiro lugar no pódio da liderança da economia global, espaço antes ocupado pelas corporações. Subsídios para biocombustíveis esbarram em marcos regulatórios como os Princípios do Equador, que estabelecem regras de sustentabilidade, subscritas pelos maiores bancos do mundo; e no PRI. Resta entender para onde irão as massas de recursos desses subsídios atacados.

No Brasil, onde abundam áreas agricultáveis, atraso tecnológico nas lavouras e exportação de matéria-prima sem valores agregados, também está o maior conjunto de biopotenciais do planeta. Exibindo solidez nas instituições, transparência nas eleições, integridade na sucessão das lideranças, efetividade do setor financeiro e inflação sob controle, o País dá sinais de estabilidade no momento em que a economia mundial, em distúrbio, acena com oportunidades. Aí estão macroingredientes do “investment grade” alcançado.

O etanol de cana, ao contrário de outros biocombustíveis, é elogiado por parte dos analistas internacionais e pela ONU. Será mais valorizado e conquistará mais espaço na opinião pública internacional e no mercado, se empenhar-se na sua ecorrotulagem, liderando projetos de zoneamento econômico-ecológico.

Gerando rendas crescentes e renováveis, abastecidas por uma complexa rede de ativos ambientais, a indústria da cana precisa entender a importância de investir mais na preservação e no equilíbrio dos ecossistemas, insumos para lucratividade, criando adicionalidades que agreguem novos atributos de sustentabilidade ao produto, produzindo mais transparência, matéria-prima para investidores.

O interesse despertado pelo grau de investimento poderá ser ainda mais elevado na medida em que políticas públicas e governanças privadas garantam a preservação, o uso sustentável do capital natural e melhor distribuição de renda. Biomas como Amazônia, Pantanal, Cerrado, Mata Atlântica, e outros, únicos no planeta, são lastros iluminados pela nova ecoeconomia. Seus ecossistemas e princípios ativos preservados são royalties, patrimônio imaterial a ser adicionado a produtos e serviços fazendo-os valer mais, sutileza já percebida por analistas internacionais de agências como Standard & Poor’s e Fitch, que, conferindo “investment grade”, atraem subsídios para a sustentabilidade.

Eduardo Athayde, administrador e pesquisador, é membro da rede internacional de articulistas do WWI-Worldwatch Institute e diretor do WWI no Brasil.

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