Análises

Estaria revogado o artigo 2º do Código Florestal?

Respeitando o desprendimento e objetividade do Prof. Dr. Paulo Bessa, mas discordando das conclusões de seu trabalho, inclino-me na manutenção da afirmação: o art. 2º do Código Florestal está sim revogado.

Luis Carlos Silva de Moraes ·
14 de outubro de 2009 · 15 anos atrás

Estaria revogado o artigo 2º do Código Florestal?  A resposta está num debate qualificado e diplomático como o do Prof. Dr. Paulo Bessa.

CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA:

Art. 41 – Deixar de esclarecer o paciente sobre as determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença.

Art. 59 – Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta ao mesmo possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, a comunicação ser feita ao seu responsável legal.

Art. 70 – Negar ao paciente acesso ao seu prontuário médico, ficha clínica ou similar, bem como deixar de dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionar riscos para o paciente ou para terceiros.

Tomei como elogio a matéria do Prof. Dr. Paulo Bessa.  Até que enfim alguém entendeu!  Tenho certeza que isso somente ocorreu por característica infungível e rara nos tempos atuais:  o desprendimento de permitir entender o pensamento alheio.  Na área ambiental, não é raro sermos interrompidos antes da metade da exposição do raciocínio, na maioria das vezes com colocações que não adicionam, mas sim atacam o autor e não a obra.

O Prof. Dr. Paulo Bessa foi o primeiro que se posiciona sobre o texto, sem preconceitos e de forma elogiável abriu divergência.  Encerrou sua resenha com um dos pontos básicos de nossa posição:  a denúncia tecnicamente elaborada.  Atuamos da mesma que um médico para com seu paciente, no seguinte dilema:  apresento o diagnóstico completo de câncer, exponho suas possibilidades e eventual prazo de vida ou, sendo a morte certa e com impacto psicológico profundo, receito “aspirina” e deixo o óbito ocorrer sem intervenção?

Não expor diagnóstico, tratamento e prognóstico trará, no médio e longo prazo, o descrédito da própria profissão médica.  Idem aqui.

O respeito e consideração ao Prof. Dr. Paulo Bessa nos leva a analisar o texto de sua autoria.  Debateu idéias, divergindo no conteúdo, convergindo na civilidade e diplomacia.

Mantenho, smj, a opinião contida em nosso trabalho pelos motivos abaixo, capitulados e concisos em contraponto ao texto analisado.

1.    A cronologia da análise do Prof. Dr. Paulo Bessa

O artigo parece analisar o que se pode denominar como a “2ª fase” de coerção do dispositivo do art. 18 da Lei nº 6938/81 (com redação pela Lei nº 7.804/89).  Trabalha as exigências legais para a implementação das reservas e/ou estações ecológicas.  Mesmo se anuísse à idéia apresentada, nada influenciaria na “1ª fase” de coerção do art. 18 da Lei nº 6938/81.

Explica-se:  o primeiro efeito do dispositivo mencionado foi a troca de regime jurídico:  de APP para Estações e/ou Reservas Ecológicas.  O art. 18 da Lei nº 6.938/81 estabelece uma dicotomia a ser implementada dali em diante, ou seja, a OPÇÃO por estabelecimento, num determinado território, por uma das duas modalidades presentes no art. 18 da Lei nº 6.938/81.

Parece que a divergência se dá na concepção dos efeitos do art. 18 da Lei nº 6938/81.  A análise do artigo em resposta o vê como ato singular, quando o mais acertado é identificar um novo regime jurídico implantado por essa norma, cujo primeiro ato é a cisão com o anterior: a revogação do art. 2º da Lei nº 4771/65.  A partir daí o novo foi se instalando paulatinamente.  Apenas como “lembrança”, o Conama reconhece esse novo regime jurídico pela Resolução nº 04/85, não mais mencionado o art. 2º do Código Florestal.  Confira-se:

Art. 1º – São consideradas Reservas Ecológicas as formações florísticas e as áreas de florestas de preservação permanente mencionadas no Artigo 18 da Lei nº 6.938/81, bem como as que estabelecidas pelo Poder Público de acordo com o que preceitua o Artigo lº do Decreto nº 89.336/84.

Dando a lei opção para a Administração, os efeitos parte da ação do ente público, ou seja, não se vislumbra no art. 18 da Lei nº 6.938/81 efeitos imediatos, quiçá concretos, o que inviabiliza, smj, a identidade de objeto mediato com a ADI-MC 2484.

Por óbvio, se há opção, ela deve ser exercida e somente a partir daí será exigível, ou seja, é com a implementação da “2ª fase” de coerção que estariam estabelecidas as Estações ou Reservas Ecológicas, o que se viu triplamente posto em prática (Dec. 89.336/84, Res. Conama 04/65 e Lei nº 6.902/81).

O regime jurídico foi alterado e não um simples ato, nunca uma “mera barretada” com dito no artigo em análise.  Se não houve execução da opção, isso não desfaz o caráter derrogatório da norma que, ao alterar o regime jurídico, termina com o anterior e instaura o novo.  Agora, se ao Poder Executivo, para o qual foi dado o poder de implementá-lo nada faz, não realizando a opção e respectiva execução legal, então o caso não é de inconstitucionalidade mas sim de omissão.

Não se pode confundir essa omissão com a inconstitucionalidade defendida em contraponto.

Quanto à incompatibilidade das Estações Ecológicas com o direito privado, tal argumento também deve receber ressalvas;  primeiro por não analisar a redação do art. 18 da Lei nº 6.938/81, o qual concede a opção de modalidade de apossamento a ser implantado pelo Poder Público.  Se tal regra fosse absoluta, metade da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação também seria inconstitucional, pois admite limitações ambientais em propriedade privada:  as Unidades de Conservação de Uso Sustentável.  É apenas com a homologação do plano de manejo que se terá o nível de intervenção na propriedade privada e somente então é que se pode questionar o verdadeiro efeito da lei.  Contra fato não há argumento!

O STF e o STJ possuem decisões onde, reconhecendo o interesse público de uma maior proibição, conduz a hipótese pelo prisma da “desapropriação indireta” ou pela “indenização por apossamento administrativo”, sendo que nesta última hipótese o imóvel continua na propriedade privada, cabendo compensação no percentual indicado à restrição de exploração do imóvel, ou seja, reconhece-se o ato, por melhor se adequar ao interesse público, mantendo-se o novo regime jurídico de restrições administrativas, com a compensação proporcional ao particular.

Duas coisas hão de ser consideradas numa conclusão do tópico:

a)o art. 18 da Lei nº 6.938/81 desencadeou dois efeitos jurídicos (a troca de regime jurídico e o posterior direito de opção do Poder Público para especificar qual desejaria utilizar dentro das hipóteses legais);  a primeira fase de coerção, com a simples ordem de troca de regime jurídico e que não se comentou, é juridicamente hábil para a derrogação do regime anterior;  a implementação do novo regime, parte do seu reconhecimento, indissociável e nessa cronologia; e
b)existem vários instrumentos jurídicos de intervenção na propriedade privada sem que isso signifique violação ao Direito, não se podendo aceitar de forma cartesiana e singular a divisão proposta no trabalho examinado.

2.    A identificação geográfica existe.  A biológica e pedológica também são hábeis à individualização que se destinam.

O Prof. Dr. Paulo Bessa faz a seguinte afirmação em seu artigo:
“Milita, ainda, em desfavor da concepção de Moraes o fato de que as florestas e demais formas de vegetação tratadas pelo artigo 2° do Código Florestal foram consideradas de preservação permanente em razão de um contexto geográfico e não em razão de peculiaridades ambientais relevantes, como é o caso das Estações Ecológicas contempladas pelo artigo 1º da Lei nº 6.902/81 que são “áreas representativas de ecossistemas brasileiros” que nem sempre correspondem às características do artigo 2º do Código Florestal.” (grifos nossos).

A primeira colocação sobre o tema é que o art. 18 cria opção, não se aplicando exclusivamente ao caso as Estações Ecológicas, pois a mesma área poderia ser escolhida para integrar as Reservas Ecológicas.  Existissem peculiaridades ambientais relevantes, uma das opções seria a Estação Ecológica.

Exemplo:  a vereda de cerrado, área peculiar dentro daquele bioma, só se estabelece nas áreas contíguas aos cursos d’água e que são áreas representativas e indissociáveis do ecossistema que a envolve.  Portanto, quando da criação das APPs em 1.965 já se poderiam observar situações em que as peculiaridades ambientais eram relevantes.  Outro exemplo seria a vegetação de mangue;  idem com a de restinga.  A Lei da Mata Atlântica deixa bem clara essa situação, incluindo vegetação que só se manifesta nas áreas contíguas aos cursos d’água, para qual há proteção diferenciada, mesmo que se trate de propriedade privada.  Pelo argumento em análise, essa lei também seria de “efeitos concretos” invalidando essa legislação inovadora.  O que vale para João deve valer para José…

Desdobrando:  o argumento da delimitação geográfica antropológica não é verdade absoluta.  Contém várias exceções reforçando ainda mais a noção de opção contida no art. 18 da Lei nº 6938/81.  Talvez caiba ainda um questionamento:  são dissociáveis os elementos da geografia das suas peculiaridades ambientais?  Acreditamos que não.  Prova disso está na Lei nº 9433/97, art. 3º, incisos II, III e V, onde há ordem expressa para a gestão integrada de recursos hídricos e florestais.

Conclusão

O paciente possui câncer.  Como profissional da área comunicou-se e esclareceu-se a enfermidade.  Faria tantas fossem as situações similares.  Não omito fatos porque não são simpáticos.

Respeitando o desprendimento e objetividade do Prof. Dr. Paulo Bessa, mas discordando das conclusões de seu trabalho, inclino-me na manutenção da afirmação inicial: o art. 2º do Código Florestal está sim revogado.

Mas acima de tudo, mantenho as colocações sempre no campo das idéias.

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