Análises

Difícil momento para Abrolhos

O primeiro parque nacional marinho do país protege espécies de corais únicas em todo mundo. Agora, discute-se como explorar petróleo por ali. Veja fotos submarinas da biodiversidade ameaçada.  

Carlos Secchin ·
25 de novembro de 2009 · 15 anos atrás

O arquipélago dos Abrolhos está situado a 70km da costa sul da Bahia, sobre a maior extensão de nossa plataforma continental; ali, ela alcança 200 km. Próximo à borda da escarpa submarina, a profundidade não passa de 80 metros, o que, em termos de mergulho esportivo e comercial, é bastante razoável. Contudo, a parte mais interessante, que reúne o maior número de elementos da biodiversidade de ambientes de coral de todo o Atlântico Sul Ocidental, ocupa uma faixa de 25 metros, que vai do fundo até à superfície do mar. São as únicas e magníficas estruturas verticais coralíneas do mundo submarino que, finalmente, a 6 de abril de 1983, serviram de argumento definitivo para a criação – já tardia – do primeiro parque nacional marinho brasileiro.

É na região conhecida como Parcel dos Abrolhos, a pouco mais de uma milha a sudeste da ilha de Santa Bárbara – a maior entre as cinco ilhas do arquipélago –, que estão localizadas e concentradas as peculiares formações verticais que se assemelham a cogumelos gigantescos. Quando elas crescem próximas umas das outras, e o fazem com frequência, formam estreitas passagens, salões e amplas marquises, proporcionando um ambiente raro e rico em corais endêmicos. Esse fenômeno natural é descrito pelos trabalhos da geóloga marinha Zelinda Margarida Leão, da Universidade Federal da Bahia, como coalescência. Quando as colunas se expandem, formam uma única e grande estrutura vertical vazada por arcos, grutas e passagens, apoiada sobre o fundo por várias colunas recifais, servindo de abrigo para peixes e toda a sorte de organismos marinhos incrustantes se fixarem.

A transparência das águas da região dos Abrolhos varia de acordo com os ciclos da lua, com o vento e com as estações do ano. Espessa camada de carbonato de cálcio cobre o fundo e, facilmente, se deixa levantar, flutuando como uma nuvem fina de talco que pode prejudicar a qualidade da imagem e a visão do mergulhador, em especial quando reflete de volta a luz do flash do fotógrafo. Mesmo assim, os Abrolhos têm a reputação de ter o mais rico mergulho do Brasil, principalmente para as pessoas que buscam enriquecer seu conhecimento de biologia marinha, em detrimento de uma água azul oceânica; esta, muito clara, é pobre em sedimentos minerais e orgânicos que, por qualquer motivo, entram em suspensão. As desejadas águas roxas – ideais para a prática do mergulho – até podem nos surpreender nos Abrolhos, mas geralmente são raras e se mantêm afastadas durante grande parte do ano.

Tem sido um grande desafio aos fotógrafos reproduzir um chapeirão inteiro (nome dado na região às formações verticais que crescem do fundo à superfície). Para enquadrá-lo e iluminá-lo corretamente, seria necessário uma dezena de poderosas fontes de luz ou a ajuda de um computador para juntar as partes fotografadas separadamente.

Impactantes, também, são as imagens que guardo dos cardumes de bodião-bico-verde raspando com a sua arcada projetada a superfície das colônias esféricas dos corais, quebrando o silêncio do fundo em seu último refúgio na costa brasileira. Esse peixe da família Scarídea (Scarus trispinosus) é um dos responsáveis pelo impedimento de que algas indesejadas cresçam sobre o topo do recife e prejudiquem seu desenvolvimento.

Incluo também na minha lista de high lights a presença majestosa dos badejos-quadrado e das garoupas-santomé. Depois que o último mero (o maior dos Cerranídeos de nossas águas) foi morto no Parque pela caça submarina, ainda nos anos 80, esses peixes tornaram-se os substitutos à altura do maior predador dos recifes, que distinguia-se pelo tamanho, olhar astuto e distância segura que mantinha de um mergulhador. Pesqueiros de vários portos do país foram atraídos pela fama e pela possibilidade de encherem suas urnas com as garoupas e os badejos de Abrolhos, o que, infelizmente, tem provocado vertiginosa redução de seus estoques na área. Como a maturidade reprodutiva de um grande exemplar pode levar dezenas de anos, tendo por consequência a baixa reposição da espécie, esses peixes tornaram-se difíceis de ser visualizados pelos mergulhadores.

Das 21 espécies de corais de estrutura rígida conhecidas no Atlântico Sul Ocidental, 17 habitam os Abrolhos, sendo que 6 são endêmicas, ou seja, apenas encontradas aqui. Com a particularidade de estarem entre espécies remanescentes de uma fauna que viveu há milhares de anos e se extinguiu, atualmente só são encontradas vivas nos Abrolhos. Em abril de 2004, dezoito anos após lançar o primeiro livro já publicado sobre a região, recebi a grata notícia de que o exemplar de coral negro, da família Antipathidae (coral chicote), que eu havia coletado no sul da Bahia e próximo ao Parque a pedido do Museu Nacional do Rio de Janeiro – RJ, fora finalmente classificado com o nome científico de Cirripathes secchini.

As espécies de corais endêmicos fotografadas nos Abrolhos são:
Mussismilia braziliensis
Mussismilia híspida
Mussismilia hartii
Favia gravida
Favia leptophyla
Siderastrea stellata

Veja fotos feitas em Abrolhos (clique para ampliar)
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No inverno, seguindo uma rota milenar, as baleias jubarte (Megaptera novaeangliae) aparecem em companhia de seus filhotes. Permanecem nas águas do Parque até o começo da primavera, quando reiniciam a jornada de volta para as águas geladas do Continente Antártico.

Abrolhos é o único refúgio migratório dessa espécie de cetáceo, em todo o Oceano Atlântico. Considerada a mais acrobática espécie de baleia, e a terceira baleia maior do planeta, a jubarte nos maravilha com saltos e a exposição de sua enorme cauda. O canto (comunicação entre indivíduos) de sua espécie e a gentil condução que o filhote recebe no deslocamento sobre o dorso da mãe estão entre as avistagens mais emocionantes de mamíferos marinhos de porte. Valeram todos os contratempos que passei nos cinco anos de idas e vindas aos Abrolhos, só para, em poucos minutos, assistir a dedicação, a agilidade e o som de tão belas criaturas.

Quando cheguei aos Abrolhos pela primeira vez, em abril de 1980, logo ao entrar no ambiente submarino, minhas lentes foram atraídas para os cnidários: corais, gorgôneas, medusas etc. Registrei a ocorrência de famílias cujas espécies, até então, não tinham sido descritas pela ciência. O fato não tardou a chamar a atenção da comunidade científica, principalmente depois do artigo escrito pelo zoólogo Clovis Barreira e Castro, por mim ilustrado, ter sido publicado na revista Ciência Hoje – a mais conceituada do meio. A matéria foi tão bem recebida que despertou o interesse da administração do extinto IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal para efetivar o decreto da criação do Primeiro Parque Nacional Marinho Brasileiro.

Sem qualquer tipo de apoio ou ajuda, seis anos depois do primeiro desembarque no arquipélago baiano, meu esforço foi compensado pela publicação de um livro com patrocínio de empresa multinacional. Esse livro foi premiado e seu conteúdo é, ainda hoje, passados mais de vinte anos, referência para o Parque.

Devido à fragilidade dessas complexas e rígidas estruturas marinhas, que crescem convertendo luz em energia, fixando carbono e respondendo pelo crescimento dos arrecifes reconhecidamente ameaçados em todos os mares do mundo, dei ênfase à seleção do maior número de imagens que, durante mais de duas décadas de mergulho, compuseram um grande inventário.

Abrolhos, no momento, passa por uma fase delicada. Existe a possibilidade real de ter sua área de proteção reduzida. A saúde dos corais não é a mesma que a de vinte anos atrás e, mais grave ainda: existe uma pressão para que se abram novas áreas de perfuração de petróleo na zona de amortecimento do primeiro e mais importante parque nacional marinho brasileiro. Isso demonstra que o Brasil vai ao encontro de uma política energética totalmente contrária aos interesses mundiais na diminuição da queima de combustíveis fósseis, aumentando as taxas de aquecimento global e, pior, resultando na perda de um patrimônio biológico único nos mares do mundo.

  • Carlos Secchin

    Carlos Secchin é engenheiro e fotógrafo, Carioca, vive no Cerrado onde se dedica a conservar uma pequena porção deste rico bi...

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