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São Paulo, onde as árvores são consideradas lixo

A ação de “manutenção” de uma praça em São Paulo mostra que uma administração municipal que considera árvores como lixo começa mal.

Fabio Olmos ·
15 de janeiro de 2013 · 12 anos atrás
Erosão laminar e bueiros entupidos são um dos resultados da forma como as praças do Centro de São Paulo são “cuidadas”. Foto: Fábio Olmos.
Erosão laminar e bueiros entupidos são um dos resultados da forma como as praças do Centro de São Paulo são “cuidadas”. Foto: Fábio Olmos.

Todo urbanista moderno concorda que praças e outras áreas verdes e a arborização são essenciais para a qualidade de vida das cidades, colaborando para a mitigar a poluição do ar e a sonora, reduzindo a temperatura resultante das células de calor e, nesta época de chuvas, absorvendo água e estocando-a no subsolo, reduzindo o fluxo que alimenta enchentes.

É interessante ver como cidades ao redor do mundo, como Frankfurt, New York e Mendoza incorporaram a arborização e espaços verdes como instrumentos de manejo climático e de águas superficiais, o que não é nenhuma novidade já que babilônios e árabes faziam a mesma coisa milênios atrás.

Infelizmente a maior parte das cidades brasileiras não acordou para isso, com honoráveis exceções como Maringá e Curitiba, no Paraná. Tudo muito coerente com a cultura brasileira, onde as pessoas reclamam do calor mas preferem derrubar árvores por causa da “sujeira” que fazem na calçada.

São Paulo, maior cidade do país e onde a regra é que os interesses de empreiteiras, prestadoras de serviços e do mercado imobiliário suplantem o interesse do público, infelizmente é um exemplo negativo e o excelente blog de Ricardo Cardim, Árvores de São Paulo mostra como a imbecilidade e o barbarismo predominam por aqui.

Moro na região central da cidade, que está em um longo e problemático processo de revitalização. O domínio da Subprefeitura da Sé é uma das menos arborizadas da metrópole e onde as praças mostram como um pouco mais de cuidado (ou seria sensibilidade?) e conhecimento ajudariam.

A foto deste artigo mostra o que acontece no Largo do Paissandú (famoso pela Galeria do Rock e o Ponto Chic e seu mitológico bauru) a cada chuva mais intensa. Ou seja, quase diariamente durante a temporada das chuvas. O solo nu e compactado da praça não absorve a água, que escorre e causa erosão laminar, levando terra cujo destino é o bueiro e a drenagem que serve áreas sujeitas a enchentes como a Praça da Bandeira e o túnel do Anhangabaú.

O solo é nu e compactado porque não há cobertura vegetal, o que seria de se esperar em uma praça, resultado do plantio de espécies que não aguentam as condições do local, especialmente a seca, e o péssimo hábito das equipes de limpeza de pisotearem o lugar para retirar as folhas que acham ser lixo. O resultado, um terreiro de terra batido, também pode ser visto na Praça da República.

Tem sido assim há pelo menos uma década e os encarregados das áreas verdes da Sub Sé têm falhado miseravelmente em solucionar o problema. O simples ato de não pisotear os canteiros e deixar algum folhiço acumular, e com ele as minhocas e outras criaturas que tornam o solo permeável, já ajudaria bastante, mas as prestadores de serviços obrigam os garis a varrerem as folhas de forma obsessiva, ao invés de apenas recolherem o que é lixo de verdade. É evidente que não há orientação técnica.

Ajudaria mais se houvesse um mínimo de cuidado técnico no plantio das áreas nuas. Dois anos atrás, na véspera de uma Virada Cultural (em maio, já na véspera da estação seca) um certo Projeto Florir deu um banho de loja no Paissandu e outras praças. O resultado, depois de alguns meses, foram canteiros nus e áreas verdes comprometidas tanto pela péssima escolha de espécies (marias-sem-vergonha não crescem bem a sol pleno em lugares sujeitos a três meses de seca) como pelo período de plantio.

No caso do Paissandu, perguntei ao encarregado porquê não plantavam plantas de sombra na sombra e de sol no sol, e porquê iriam remover o denso tapete de amendoim-bravo que segura parte do declive do praça, impedindo a erosão, e plantar grama no lugar. A resposta foi que a “arquiteta” havia feito o projeto e este deveria ser obedecido. O resultado é o da foto.

Logicamente este estado de coisas acontecendo na minha porta não me deixa feliz, e tanto tentei contatos com a Sub Sé para tentar melhorar as coisas como cheguei a comprar plantas para ocupar trechos pelados. E fiz o mesmo com mudas de árvores nativas como ingás, figueiras-brancas e jatobás, produzidas a partir de sementes que recolhi em viagens ou deixadas pelos passarinhos que visitam meu alimentador.

O contato amistoso com as zeladoras urbanas que tentam cuidar do local, apesar dos moradores de rua, da omissão da Guarda Civil Municipal que deveria lhes dar apoio e do desinteresse dos responsáveis pelas áreas verdes, que levaram dois anos para trazer-lhes mais que meia dúzia de mudas, parecia ter assegurado que as árvores iriam crescer.

E repetir experiência anterior, feita na antes desnuda Praça do Correio por mim e outros moradores, onde graças ao cercamento, um plantio cuidadoso e à zeladoria urbana hoje cresce um bosque dominado por espécies que fornecem alimento às aves urbanas que deveria ser modelo para outras áreas verdes da região.

E eis que, na segunda semana da gestão Haddad, uma equipe da Sub Sé chega ao Paissandú, corta a grama e arranca todas as mudas de árvores, já com mais de 1 m, plantadas nos últimos dois anos, e as joga no lixo. No lugar foram plantados alguns clorofitos que certamente não darão sombra a ninguém, enquanto as áreas nuas onde eles poderiam ter sido plantados continuaram do mesmo jeito, a terra sem vida dura e seca sob a crosta compactada.

Ao perguntar o porquê do vandalismo, a resposta que tive é que deveria falar com a “engenheira”.

Uma gestão onde quem deveria cuidar das áreas verdes considera que árvores são lixo realmente começa mal.

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

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