Análises

Subindo o Kilimanjaro atrás das últimas neves (parte 1)

Chegar à "ilha no céu" é uma caminhada de dificuldade média, pontilhada por fauna e flora exuberantes e geleiras em retrocesso.

Fabio Olmos ·
14 de agosto de 2013 · 11 anos atrás
Amanhecer e a primeira visão das neves não tão eternas do Kilimanjaro. Fotos: Fabio Olmos
Amanhecer e a primeira visão das neves não tão eternas do Kilimanjaro. Fotos: Fabio Olmos

Temos a sorte de viver em um planeta geologicamente ativo, com um núcleo metálico em rotação que produz um campo magnético, vulcões que emitem gases e cospem lava e placas tectônicas que fazem com que continentes passeiem por aí, batam uns nos outros e se quebrem. Se não fosse assim a Terra seria como Marte, um lugar muito menos exuberante quando se trata de formas de vida e com um clima pouco agradável.

Correntes ascendentes de lava superaquecida estão quebrando o continente africano, separando-o em placas tectônicas marcadas pela longa falha geológica do East Rift Valley, que vai da costa do Mar Vermelho até a Tanzânia. Dividir um continente é um processo dramático que inclui derrames de lava e a formação de vulcões e, no Brasil, a separação da África e da América (e a abertura do Atlântico, iniciada 160 milhões de anos atrás) deixou lembranças de vulcões há muito desaparecidos nas rochas que formam os maciços de Itatiaia e Poços de Caldas, e os derrames de basalto que cobrem boa parte do sul do país e, erodidos, deram origem à terra roxa que é a raiz de tantas fortunas.

Vulcão

O Kilimanjaro é um vulcão dormente e seu pico mais alto, o Kibo (o que significa algo como Uau! na língua local) ainda possui fumarolas no interior da cratera e pode voltar à atividade

Na África, o Rift é pontuado por vulcões ativos, dormentes e extintos e um deles é o Kilimanjaro, o colosso de 5.895 metros de altura que tem o pico mais alto do continente e é a maior montanha isolada do planeta, elevando-se 5.100 metros a partir das planícies circundantes. O Kilimanjaro é um vulcão dormente e seu pico mais alto, o Kibo (o que significa algo como Uau! na língua local) ainda possui fumarolas no interior da cratera e pode voltar à atividade, embora a última erupção tenha ocorrido entre 150 e 200 mil anos atrás, quando os primeiros Homo sapiens passeavam pelo leste africano. Os outros dois picos, Shira (3.962 m) e Mawenzi (5.149 m) estão extintos há muito e mostram o estrago causado pela erosão.
As estatísticas indicam que 25 mil pessoas sobem o Kilimanjaro a cada ano, e 66% conseguem chegar ao topo do Kibo, o ponto conhecido como Uhuru Peak. A altitude e outros problemas derrubam os demais e todos os anos um ou dois visitantes morrem, em geral de problemas cardíacos. No início deste ano um turista foi morto por um raio.

Ou seja, é uma caminhada popular e com alguma dificuldade, mas nada tão hardcore e perigoso como subir o K2 ou passear de bike no Parque Santo Antonio, aqui em São Paulo. E como há muitas coisas interessantes para ver no caminho, a montanha proporciona boa diversão (e exercício) para quem gosta de história natural.

O Kilimanjaro é tão grande que cria seu próprio clima. A montanha é uma “ilha no céu”, um enclave ecológico que difere dramaticamente das áreas circundantes, mais ou menos como os “brejos” florestados que pontuam a caatinga brasileira, mas em escala bem maior. O gradiente de habitats desde Moshi, a cidade de onde parte a maior parte das excursões ao Kibo, vai de savana dominada por acácias espinhentas com cara de caatinga passando por florestas super-úmidas com troncos cobertos de musgo, vegetação aberta que lembra nossos campos de altitude e, lá em cima, o deserto alpino. E, claro, as geleiras.

Preparando o equipamento antes de deixar Moshi. Foto: Fabio Olmos
Preparando o equipamento antes de deixar Moshi. Foto: Fabio Olmos

Kibo

Desde 1912 o Kibo perdeu mais de 80% da sua cobertura de gelo, um processo que está acelerando.

O Kilimanjaro é famoso pelo seu pico mais alto coroado de gelo e neve. No final da década de 1880, o Kibo era completamente coberto de gelo e as geleiras desciam pelas encostas oeste e sul, além de cobrir totalmente a cratera exceto pelo cone vulcânico no seu centro. Desde 1912 o Kibo perdeu mais de 80% da sua cobertura de gelo, um processo que está acelerando. De 1912 a 1953 a perda anual de gelo era de 0,1%, enquanto entre 1989 e 2007 foi de 2,5%. Da cobertura de gelo presente em 2000, 26% havia desaparecido em 2007.

A perda das geleiras no Kilimanjaro e em outras montanhas, como nos Andes é um dos muitos efeitos colaterais das mudanças climáticas que detonamos quando começamos a lançar CO2 e metano na atmosfera em escala industrial. As mesmas que mal-intencionados dizem não existir.

Existem aquelas viagens que você sempre quis fazer e por várias razões não consegue, acaba adiando e quando percebe já é tarde demais porque suas pernas não conseguem te levar lá. Pior, para alguns lugares e bichos pode ser tarde demais por que eles simplesmente não existem mais. Como aconteceu com Sete Quedas e tantas cachoeiras e rios vivos aniquilados pela “energia limpa” das hidrelétricas, e bichos como o Alaotra Grebe, o Baiji, o Po’ouli e, aparentemente, o Limpa-folha-do-nordeste.

Uma das coisas que atrai visitantes ao Kilimanjaro é este senso de urgência. É preciso ver seu cume com geleiras enquanto elas ainda estão lá, da mesma forma que é preciso ver os ursos-polares antes que as mudanças climáticas e a caça “tradicional” apoiada por ONGs “ambientalistas” acabe com eles.

Mudanças

(…) o Kilimanjaro perdeu mais 300 quilômetros quadrados (km2) de florestas de altitude desde 1880 e a elevação máxima de ocorrência de florestas fechadas desceu em 900 metros.

O clima mais seco diminuiu as precipitações no Kilimanjaro em cerca de 30% durante os últimos anos. Isso somado á piromania natural do ser humano resulta em uma maior frequência de incêndios. O resultado é que o Kilimanjaro perdeu mais 300 quilômetros quadrados (km2) de florestas de altitude desde 1880 e a elevação máxima de ocorrência de florestas fechadas desceu em 900 metros. Soma-se a isso, desde 1929, a perda de pelo menos 450 km2 de florestas nas áreas mais baixas – destinadas para a agricultura. A conclusão é que a montanha já perdeu metade de suas florestas.

A floresta montana úmida ao longo do primeiro dia de caminhada é rica em samambaiaçus e árvores como podocarpus. Foto: Fabio Olmos
A floresta montana úmida ao longo do primeiro dia de caminhada é rica em samambaiaçus e árvores como podocarpus. Foto: Fabio Olmos

Florestas montanas formam a superfície de condensação para a umidade presente nas nuvens e nevoeiros (precipitação que não é registrada nas estações meteorológicas), enquanto a perda de florestas na base de uma montanha eleva a temperatura e seca o ar, fazendo com que a zona de formação de nuvens se eleve. Some isso com mudanças climáticas em grande escala e o resultando é que o balanço hídrico de toda a região acaba alterado, embora a perda de florestas tenha participação limitada na retração das geleiras.

A expedição

Decidi combinar a visita à montanha com um tour de bird-watching e safári para otimizar a experiência e, seguindo a recomendação de um amigo birder, fechei meu pacote com a Kuro Expeditions, uma pequena empresa baseada em Arusha, onde desembarquei depois de uma longa viagem que me levou de São Paulo para Johannesburg e de lá para Dar Es Salaam, capital da Tanzânia, antes de tomar um voo local do qual se vê não apenas o Kibo, mas também outras crateras e vulcões espalhados pelo caminho.

Chegando lá fui recepcionado por Clint Schipper, dono da Kuro e um birder inveterado como eu. Ao longo do trajeto para o hotel já fomos falando de espécies para a lista da viagem. Após deixar minhas coisas no quarto (e acrescentar algumas aves à minha lista) encontrei Genes Shirima, o head-guide de minha excursão. Fui informado dos detalhes de minha aventura, fiz um rápido exame médico (subir a quase 6 mil metros pode te matar se você não estiver bem) e descobri que seria o único cliente no grupo. O que me deixou mais feliz, já que sou do tipo que gosta de degustar o caminho, não de marchar o mais rápido possível até o destino.

Na manhã seguinte Genes e parte da equipe me apanharam no hotel e rumamos para Moshi, a cidade no sopé do Kilimanjaro de onde parte a maior parte das excursões. Ali encontramos o restante da equipe e arrumamos a carga antes de partir para o Machame Gate do Parque Nacional Kilimanjaro. O trajeto corta um mosaico de árvores e áreas agrícolas (bananas e batatas parecem favoritas) que foi subtraído às florestas nativas, cultivadas pelo povo Chagga, um processo de ocupação que começou a pelo menos 2 mil anos.

O portão Mashame do Parque Nacional Kilimanjaro. A rota Mashame para o pico é considerada a mais cênica (mas também concorrida) e eu a escolhi pelas possibilidades de aves interessantes no caminho. Foto: Fabio Olmos
O portão Mashame do Parque Nacional Kilimanjaro. A rota Mashame para o pico é considerada a mais cênica (mas também concorrida) e eu a escolhi pelas possibilidades de aves interessantes no caminho. Foto: Fabio Olmos

Estudos recentes descobriram que os caquinhos de floresta que sobraram ali têm um alto índice de endemismo (uma das espécies “novas” descobertas na área é uma árvore de 40 metros de altura) e são muito diferentes das florestas montanha acima. Embora bem mais diversas que plantações comerciais próximas, as roças quase não deixaram florestas e são um daqueles casos de extinção em massa causada pelo rolo compressor da explosão demográfica humana.

A 1.800 metros, Machame é ponto de partida da mais popular rota até o cume, a cênica Machame Route. Escolhi esta rota pela combinação de bela paisagem, aclives não muito complicados (quando se tem dois joelhos avariados é bom pensar nisso) e possibilidades quanto à vida selvagem. Fornecida por Clint, uma lista de bichos interessantes e locais a serem avistados ajudou muito no meu planejamento.

O time que me levou até o topo do Kibo era formado, além de Genes, por Juma (o campmaster), Julius (o chef), Habib (o toillet master, já explico o que significa), James (o waiter), David, Umbu e Shedrake (os porters). Como dá para notar, levar um turista até o alto da montanha não é uma operação simples ou improvisada, e ocupa um número notável de pessoas. Não é à toa que o excursionismo movimenta uma parcela importante da economia.

Parque Nacional

A montanha é o coração de um parque nacional de 1.668 km2, originário de uma game reserve criada pelo governo colonial alemão em 1910. Em Machame, há um escritório do serviço de parques da Tanzania onde é feito o registro dos visitantes e das equipes, e são cumpridas outras formalidades burocráticas. Apenas guias treinados e autorizados podem conduzir turistas, mas há uma multidão de free-lancers fora dos portões esperando a oportunidade de um trabalho como porter (carregador) ou assistente. Enquanto esperava pela papelada ser resolvida aproveitei para observar os bichos ao redor e encontrei os meus primeiros Syke’s Monkeys, também chamados de Blue (muito caras-de-pau), White-necked Ravens, Mountain Greenbuls e outros passarinhos.

Devidamente autorizados, caímos na trilha. Neste trecho ela atravessa uma floresta úmida, com árvores altas com samambaias epífitas e muito musgo. Enquanto meu grupo acelerava rumo ao acampamento onde passaríamos a noite, Genes e eu caminhávamos a um passo tranquilo procurando coisas interessantes. De saída vi um Abbott’s Duiker, um antílope endêmico do Kili e outras montanhas da Tanzânia, como as Usambaras e o monte Meru. Uma tremenda sorte.

Também acompanhamos brevemente um grupo de andarilhos dinamarqueses que incluía uma menina que completaria seus 10 anos durante a caminhada, sua mãe e a avó, todas muito simpáticas e bem dispostas, e passamos por uma tropa de animados sul-africanos de meia-idade acompanhados por carregadores usando gorros de Papai Noel. Parques usados por visitantes que gostam de natureza são uma festa.

Geografia da fauna e flora

Mashame está no limite superior das florestas, mais acima as encostas são cobertas por vegetação de Heather. Foto: Fabio Olmos
Mashame está no limite superior das florestas, mais acima as encostas são cobertas por vegetação de Heather. Foto: Fabio Olmos

A encosta sul do Kilimanjaro é a mais úmida, sendo dominada por florestas exuberantes. Nas encostas norte e oeste a floresta é semidecídua e dominada por juníperos (Juniperus procera) e oliveiras silvestres (Olea africana). Como é de se esperar há um gradiente de vegetação conforme se sobe, definido tanto pela umidade como pelas temperaturas.

No roteiro que percorri a faixa acima das áreas cultivadas, entre 1.800 e 2.800 m é ocupada por uma floresta úmida (Ocotea ou Humid Forest Zone) com grandes árvores de Ocotea usambarensis (parente de nossas canelas e como elas vítimas da extração ilegal de madeira) recobertas de samambaias, orquídeas e musgos epífitos (lá não existem bromélias) e com muitos samambaiaçus (Cyathea manniana). Áreas perturbadas são ocupadas pela Macaranga kilimandscharica, uma espécie comum nas montanhas africanas.

Conforme subimos ainda mais há árvores de Podocarpus latifolius, parente africano dos pinhos-bravos de nossas florestas de araucária, e o caminho foi pontuado por encontros com turacos, sunbirds, greenbuls e outras especialidades aladas locais.

A partir de 2.400m começa a mudar de fisionomia e aparecem as Erica arborea e Philippia excelsa que dominam a Heather Zone mais acima. A primeira é favorecida pelo fogo, substituindo antigas florestas de Podocarpus quando os incêndios se tornam regulares, como aconteceu nas últimas décadas. Acreditava-se que único mamífero endêmico do Kilimanjaro, o mussaranho Myosorex zinki, fosse restrito a este habitat, mas, na verdade, ele ocorre até as florestas mais abaixo.

Falando em mamíferos, um total de 128 espécies ocorre na montanha propriamente dita. Uma curiosidade são os registros antigos de cães-caçadores (Lycaon pictus) e leopardos (Panthera pardus) encontrados mortos nas partes mais altas da montanha. A múmia de um leopardo encontrada em 1926 na borda da cratera do Kibo, a 5.640 metros, tornou-se famosa graças ao livro de Hemingway The Snows of the Kilimanjaro.

As florestas do Kilimanjaro abrigam um total de 1.223 espécies de plantas, algumas endêmicas e Genes é um especialista nelas. Ao longo do caminho ele me apresentou a especialidades como a Impatiens kilimanjari, a versão local da maria-sem-vergonha introduzida em boa parte da Mata Atlântica, a violeta Viola eminii (que homenageia uma das figuras mais complexas da África colonial), e os durões everlasting (sempre-vivas) Helichrysum. Um desses H. newii foi encontrado na cratera Reusch, a 5.760 metros, junto a uma fumarola vulcânica.

Chegamos no acampamento Machame, a 3.033 metros, às 17:30. A equipe já havia armado as barracas e preparado o pernoite, então deixei a mochila em minha barraca. Uma bacia com água quente, para lavar o rosto e as mãos e fazer uma higiene básica, me aguardava na porta e ao entrar encontrei o bed roll e o saco de dormir já em ordem. Mordomias…

Após o pit stop fui registrar minha chegada no escritório do serviço de parques e olhar os arredores. Algumas dezenas de barracas estavam espalhadas em pequenas clareiras abertas no erical, assim como algumas cabines de madeira com banheiros estilo buraco no chão. Os grupos com os quais cruzei no caminho já estavam instalados e confraternizando após o primeiro dia da aventura.

Logística

Antes de eu ir para minha barraca, novo check-up para avaliar se eu estava reagindo bem à mudança de altitude.

Machame está bem no limite superior da floresta, em meio ao habitat (ou zona de vida) conhecido como Heather, sujeito a muita neblina e dominado por arbustos e arvoretas das (surpresa) heathers Erica arborea e Philippia trimera, e outras espécies como a endêmica e espetacular Protea kilimandscharica, sempre cobertos por muitos líquens. Há muitas clareiras com capins, resultado tanto da transição para o ambiente alpino mais acima como das décadas de uso como área de camping e incêndios ocasionais. Ao contrário de alguns relatos que li encontrei muito pouco lixo espalhado (em geral papel higiênico enfiado sob alguma moita) e a impressão é que há uma tentativa séria de manter a limpeza do local.

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Isso inclui a obrigatoriedade dos grupos levarem um banheiro químico para uso dos clientes. Esse é instalado em uma tenda própria (a “sala de meditação”) e há um toillet master para transportar o kit-banheiro e cuidar da higiene do mesmo. Nos acampamentos, há locais específicos para descarte, evitando a criação dos campos minados tão comuns em alguns roteiros.

Uma rápida passarinhada antes do jantar produziu alguns bichos interessantes, incluindo meus primeiros Streaky Seedeaters, bem em frente às nossas barracas. É sempre bom ver uma espécie nova antes do jantar, que foi bem generoso e servido no interior da grande barraca que serve de cozinha, sala de jantar e dormitório para a equipe. Antes de eu ir para minha barraca, novo check-up para avaliar se eu estava reagindo bem à mudança de altitude.

Acordei bem cedo na manhã seguinte e arrumei minha mochila, saindo da barraca quando os primeiros passarinhos começaram a cantar às 6 horas. Fez uns 5-7°C no interior da barraca durante a noite, temperatura bem agradável para mim. O amanhecer mostrou um céu claro e a primeira visão do pico nevado do Kibo, rodeado por nuvens espetaculares.

Avistamentos

Aproveitei o tempo antes do café da manhã para explorar os arredores, encontrado bichos interessantes como o Eastern Double-collared Sunbird, Maroon Pigeon, Mountain White-eyes e um fantástico Tacazze Sunbird. É sempre bom começar o dia com uma espécie nova. O café da manhã foi servido em uma mesa ao ar livre e enquanto apreciava um chá quente (eu sou mais dechá do que café) meu primeiro Mountain Buzzard, ave de rapina restrita às montanhas do leste africano, planava sobre nós.

O objetivo do dia era caminhar até o próximo acampamento, Shira, localizado ladeira acima a 3.837 metros. Começamos a caminhar às 8h20, mais ou menos a mesma hora que os demais grupos. Isso causa um congestionamento no início, mas conforme disparam os carregadores (muito mais rápidos do que os seus clientes) rumo ao próximo acampamento a coisa vai ficando mais tranquila.

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Como sempre, fui parando para fotografar e observar os arredores, agora com uma paisagem bem diferente. Árvores se tornam cada vez mais raras conforme se sobe e a vegetação de Heather torna-se mais aberta, gradualmente dando lugar às Moorlands. Essas lembram nossos campos de altitude e campos rupestres, com um quê dos paramos dos Andes, dominados por tufos de capim e arbusto baixos. No caminho observei mais Mountain Buzzards e minhas primeiras Hunter’s Cisticolas, outro passarinho característico das montanhas. As cisticolas pareciam estar em toda parte, pares e grupos familiares cantando em coro no alto dos arbustos.

Logo encontramos os primeiros Four-striped Mice, ratinhos muito simpáticos e comuns nas Moorlands e minha primeira Lobelia deckenii, uma das especialidades desse habitat. É uma planta que lembra uma bromélia mas pertence a uma família completamente diferente, a mesma das campânulas e lobélias-vermelhas que crescem em nossos jardins. Trata-se de um bom exemplo de evolução convergente. Cada “planta” que vemos sobre o solo está conectada a outras por um rizoma e cresce durante décadas até florescer. Quando isso acontece a planta produz um espigão com centenas de flores que são polinizadas pelos Sunbirds, antes de produzir zilhões de sementes e morrer.

Shira

Pouco antes de chegar a Shira há alguns afloramentos de obsidiana, o vidro vulcânico que foi matéria prima das lâminas mais afiadas produzidas por artesões pré-históricos e Genes me mostrou onde os veios desse material afloram. Obsidiana é produto de lava rica em sílica solidifica-se rapidamente, sem que haja tempo de cristais se formarem. Ao esfriarem mais lentamente quilômetros abaixo da superfície, as mesmas lavas dão origem a granitos, cujos átomos tiveram tempo para passear e formar cristais.

O tempo mudou, como é comum nas montanhas, e chegamos em Shira às 13:10 em meio à neblina e chuvisco. Shira está em um platô junto ao cone vulcânico homônimo, já bem erodido, e a topografia e umidade permite que cresçam heathers ao redor. Novamente, a equipe já estava lá fazia tempo, com as barracas preparadas e o almoço a postos. Fui recebido com a tradicional bacia de água quente para me lavar e logo fui tomar meu chá e atacar uma porção de coxinhas de galinha enquanto a chuva caía.

Submersos na neblina não dava para apreciar a paisagem mas, depois de me registrar no escritório do serviço de parques, Habib me levou até a Shira Cave, uma pequena caverna vulcânica que abrigou alguns dos primeiros exploradores. Dali, saí para passarinhar, procurando especialmente o Rufous-chested Sparrowhawk que Clint disse frequentar a área. Não demorou muito e vi algo fora de lugar em meio às rochas próximas à entrada da caverna e, chegando mais perto, vi que era o tal gavião. Corri para a barraca, apanhei minha câmera e o rapinante camera-happy me esperou, o que rendeu algumas fotos aceitáveis apesar da neblina.

Quando voltei ao acampamento encontrei uma festa, com direito a balões, coro de parabéns a você e faixa comemorativa do aniversário de 10 anos da menina dinamarquesa com quem havíamos cruzado antes. Duvido que ela vá esquecer a experiência. Fica a dica para os amigos com filhos.

 

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Continua na segunda parte

 

Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas.

 

 

Leia também a série “Luzes da África”
Selous e Ruaha no sul da Tanzânia
Norte da Tanzânia: Serengeti, Ngorongoro
Os gorilas de Uganda e Ruanda
Luzes da África: visita à Uganda
Quênia: Amboseli, Kilimanjaro e Tsavo
Quênia: Belezas de Nakuru e de Maasai Mara
Namíbia, um deserto repleto de vida

 

 

 

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

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