Ainda sobre o tema da produção e do consumo, presente em meu artigo anterior em ((o))eco, vou me concentrar em um recorte bastante claro sobre como os governos (federal, estadual e até mesmo municipal), dividindo a conta com a sociedade (empresas e consumidores), podem impulsionar uma nova economia, cada vez mais verde ou sustentável. Para isso, olho de perto duas políticas públicas e sua forte correlação com a sustentabilidade da economia e da sociedade.
A primeira delas é a recente Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Aprovada em 2010 no Congresso Nacional após 19 anos de tramitação, foi um passo de importância histórica para que a problemática do consumo e descarte de embalagens ganhasse relevância nacional e fosse finalmente enfrentada, dada à magnitude de seus impactos econômico e sobre o saneamento ambiental.
A Lei Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), sem sombra de dúvida, ao responsabilizar municípios (coleta seletiva), estados (erradicação dos lixões e políticas de desoneração das cadeias do tratamento de resíduos) e governo federal (elaborar o Plano Nacional contemplando dez cadeias de resíduos e fazer a articulação para disponibilizar créditos para o financiamento da operação em escala nacional), torna esta iniciativa uma das que possuem maior envergadura para mudar cultura e comportamento e gerar uma economia associada ao tratamento de resíduos que pode ser exuberante em um país como o Brasil, de dimensões continentais.
O país tem potencial de um lado (escala) e, de outro, dificuldade por ter áreas remotas, municípios pobres e uma sociedade pouco consciente do seu papel decisivo na implementação desta política. Os resultados até o momento falam que cerca de 1.750 municípios de um total de 5.561 conseguiram cumprir a Lei que previa a erradicação dos lixões até 2014. O que vai acontecer com o restante e com o sucesso dessa empreitada depende da vontade política e da pressão da sociedade no futuro próximo. Olhar para os programas dos candidatos à Presidência da República e verificar o estatuto desta vontade política na implementação da Política Nacional de Resíduos Sólidos é, a meu ver, um dever cívico para quem se acha militante do desenvolvimento sustentável.
Impulso às compras públicas sustentáveis
“Segundo estudos do IPEA, entre 14 e 17% do PIB brasileiro são empregados em compras públicas: bens e serviços (…) , menos de 1% desse montante é utilizado atualmente em compras com critérios sustentáveis.”
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A segunda iniciativa diz respeito a “compras públicas” e “licitações sustentáveis”. O que vem a ser isso? Durante muito tempo, a concepção dominante foi de que – para se ter uma economia onde a produção e o consumo fossem cada vez mais sustentáveis – dever-se-ia conquistar “os consumidores”, entendendo por isto a massa de indivíduos que as sociedades complexas produziram, principalmente, no contexto das grandes cidades.
Hoje é conhecimento corrente que os governos e empresas também são consumidores, e a mudança no seu comportamento em relação ao que compram pode induzir mudanças aceleradas em um mercado cada vez mais competitivo. Os governos são grandes consumidores institucionais: compram água, energia, mobiliário, artigos de escritório, alimentos, produtos de limpeza em quantidade, além de todo tipo de equipamento. Iniciativas voluntárias neste sentido existem por parte do governo federal, que vem estimulando seus órgãos e autarquias a elaborarem planos de logística sustentável (PLS) e a aderirem à Agenda A3P (agenda ambiental na administração pública).
Mas, isso ainda é pouco diante do potencial revolucionário dessa iniciativa. Hoje, segundo estudos do IPEA, entre 14 e 17% do PIB brasileiro são empregados em compras públicas (bens e serviços). Também apurado pelo IPEA, menos de 1% desse montante é utilizado atualmente em compras com discricionariedade, isto é, critérios sustentáveis. Um portfólio ainda tímido e pouco expressivo diante das mudanças que poderiam operar no mercado. Não pregamos nada de abrupto, gerando crises setoriais e pressionando a desoneração. Falamos de mudanças de regra e de incentivos para comprar, produzir, consumir. Aí os relatórios de sustentabilidade fariam diferença, real, na relação de parceria com os governos, com a métrica do seu real impacto positivo para a sociedade e para os negócios.
Acredito que estas duas políticas aqui mencionadas, sem prejuízo de outras, deveriam ser a espinha dorsal de um verdadeiro plano de ação de produção e consumo sustentáveis no Brasil. Quando os governos e as empresas começam a operar mudanças desse tipo e deste porte, sinalizam para a sociedade que há um pedaço desta equação que é deles, e não somente dos indivíduos, muitas vezes impotentes e se sentindo confusos ao depararem-se com a magnitude dos problemas socioambientais que só se agravam, infelizmente.
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