Análises

A deliberada destruição da natureza do Paraná

O caos da gestão sobre o patrimônio natural paranaense não ocorre por acaso. Representa uma vontade de setores econômicos e políticos que se sobrepõem a uma agenda de interesse público

Clóvis Borges ·
4 de fevereiro de 2016 · 7 anos atrás
Foto: Valerio Pillar
Floresta de Araucárias, Paraná. No rastro da negligência e a falta de compromisso com a conservação da natureza que assola o estado. Foto: Valerio Pillar/Wikipedia

Há cinco anos, a gestão do governo estadual apontou sinais de interesse pela conservação da natureza através do lançamento de um pretensioso programa batizado de Bioclima, com destaque à proteção de remanescentes naturais privados no planalto paranaense – por meio do Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) – e de um tratamento especial à região costeira do Paraná, onde se encontra o maior remanescente contínuo de Floresta Atlântica do Brasil.

Somavam-se a esses compromissos o fortalecimento na estrutura e no contingente dos órgãos ambientais, uma vez que o complexo da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (SEMA) não efetua contratações há mais de 20 anos.

Apesar das promessas, de lá para cá, praticamente nada do que havia de compromisso foi cumprido. Ao contrário, a gestão presente aderiu às agendas impostas por setores da economia com uma visão retrógrada em relação à conservação, a exemplo do apoio incondicional a todas as mudanças do Código Florestal Brasileiro, consumado na forma de lei em 2012.

Recentemente, o Governo do Estado referendou de novo sua posição unilateral ao apoiar a Lei Florestal Estadual e sua regulamentação e deu suporte a versões estruturadas sem qualquer reparo às perdas estabelecidas no âmbito federal, sem permitir nenhuma discussão com a sociedade.

Também dificultou a continuidade de uma parceria histórica entre o Instituto Ambiental do Paraná (IAP) e o Batalhão de Polícia Ambiental (BPAmb) para dar suporte às ações de controle e fiscalização da pesca, caça, desmatamento e extrativismo ilegais. Para justificar sua decisão, o governo afirmou que fiscalizar não era uma “prática adequada” e que a “confiança na população”, a partir de ações educativas, representava uma alternativa mais coerente nos dias de hoje.

Até hoje, nenhum modelo de pagamento por serviços ambientais foi colocado em prática pelo poder público estadual. Não houve novas contratações no complexo SEMA e as estruturas dos órgãos ambientais continuaram insuficientes para o atendimento mínimo de suas demandas. A aposta na estrutura frágil e sem uma coordenação unificada, para permitir a celeridade dos processos de licenciamento, mostrou-se evidente e reiterada.

“Não satisfeito com o desmonte implantado na gestão ambiental, o governo promoveu a emissão de centenas de licenças de desmatamento, por meio do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), com clara conotação de ilegalidade e que hoje são matéria de investigação criminal.”

Não satisfeito com o desmonte implantado na gestão ambiental, o governo promoveu a emissão de centenas de licenças de desmatamento, por meio do Instituto Ambiental do Paraná (IAP), com clara conotação de ilegalidade e que hoje são matéria de investigação criminal. A prática abriu espaço para a continuidade da destruição das últimas áreas naturais do interior do Paraná, em especial as Florestas com Araucária, já reduzidas a uma condição resquicial.

Por fim, praticamente todas as expectativas de implantação de grandes empreendimentos parecem ter benção prévia da gestão pública estadual, ignorando a necessidade de estudos prévios mais aprofundados e de um discernimento responsável entre o que é possível ser executado ou não, com base nos impactos ambientais que possam ocorrer, com ênfase à região costeira.

Uma política de licenciamento a qualquer custo que impõe ao Ministério Público e à sociedade civil organizada a necessária posição de isenção e de contraponto, já não existente nos órgãos que deveriam ter esta responsabilidade.

O caos da gestão sobre o patrimônio natural paranaense não ocorre por acaso. Ou apenas pela condução incompetente da gestão estadual. Representa uma vontade de setores econômicos e políticos que se sobrepõem a uma agenda de interesse público.

Denunciar esse cenário negativo é uma das maneiras de motivar a opinião pública e até os próprios representantes do poder executivo, principais responsáveis por esta situação, sobre a urgência de uma mudança de postura. O governo não cumpre, até aqui, suas obrigações mínimas no âmbito da conservação do patrimônio natural paranaense.

Precisamos reagir à altura da magnitude dos impactos ocasionados com a perda da biodiversidade e suas consequências cada vez mais amplas para toda a sociedade. O povo do Paraná já sofreu o suficiente com a negligência e a falta de compromisso com a conservação da natureza.

 

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  • Clóvis Borges

    Diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS)

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