*Publicado originalmente no blog Vida das Aves
Nova Iorque – Estou em frente à fachada do palácio monumental do American Museum of Natural History (Museu Americano de História Natural) e observo as colunas romanas que sustentam a construção do hall de entrada na Avenida Central Park West, no coração da ilha mais famosa do mundo: Manhattan. Lá dentro, os 190 mil metros quadrados guardam as maiores preciosidades do planeta, inclusive a maior coleção de aves com cerca de um milhão de exemplares. Como isso foi feito?
Para o estudioso de História Natural, o primeiro nome que vem à cabeça é o de Lionel Walter Rothschild (1868-1937) que, nascido em Londres, era o primogênito do riquíssimo banqueiro e político Nathan Rothschild, descendente de uma dinastia estabelecida desde 1760 na Europa, principalmente Áustria, Alemanha e Inglaterra. No século XIX a família Rothschild tinha certamente a maior fortuna privada do mundo.
Já aos sete anos de idade Walter declarou à família que iria fundar um museu de zoologia. Ao completar 21 anos foi forçado a trabalhar nos negócios da família, o que não o agradava, e aos 40 anos de idade, fundou seu próprio museu em Tring, um vilarejo cerca de 50 km a noroeste de Londres, em uma grande propriedade rural onde morava a família.
Em 1915, Lord Rothschild (sim, Walter herdou o título britânico ‘Barão Rothschild’ de seu pai) era o mais importante colecionador de material zoológico da sua época. Ele contratava pessoas para explorar todos os cantos do mundo com o objetivo de coletar a maior diversidade possível de animais e também financiava expedições científicas a locais remotos da Terra como Galápagos, Austrália, Nova Zelândia, Havaí e o arquipélago Malaio. Para organizar seu acervo, Rothschild contratou Ernst Hartert (1859-1933) que viria a ser um dos mais prolíficos ornitólogos de sua época publicando artigos na revista Novitates Zoologicae (fundada, financiada e editada pelo próprio Rothschild).
No seu esplendor, a coleção de Lionel incluía 300.000 peles de aves, 200.000 ovos de aves, 30.000 besouros e 2,25 milhões de borboletas, assim como milhares de espécimes de mamíferos, répteis e peixes. Era a maior coleção zoológica já acumulada por uma única pessoa. Na realidade Rothschild foi uma figura central no desenvolvimento da ornitologia. Muitos pesquisadores importantes se beneficiaram estudando as aves da Coleção Rothschild, entre eles Erwin Stresemann, Philip L. Sclater, Charles (Carl) E. Hellmayr e Ernst Mayr, para citar apenas alguns.
Mas Walter Rothschild, como muitos milionários, passou por um problema clássico: ele estava sendo chantageado por uma rica ex-amante, ela também uma influente aristocrata da época, cujo nome jamais foi revelado. É bom lembrar que Walter Rothschild também era político, além de membro do Parlamento. Segundo consta, ela acabou por forçá-lo, em 1931, a vender a maior parte de sua coleção ornitológica ao American Museum of Natural History por 225.000 dólares – cerca de um dólar por espécime –, hoje o equivalente a quase 3 milhões de dólares.
O American Museum of Natural History foi fundado em 1869 por pessoas de peso na cena americana como Theodore Roosevelt (1831-1878), negociante, filantropo e pai do 26º presidente e naturalista de mesmo nome, Theodore Roosevelt, que participou da expedição Rondon-Roosevelt no Brasil nos anos 1913-15; Robert L. Stuart (1806-1882), dono de uma gigante refinaria de açúcar de Nova Iorque); Andrew Haswell Green (1820-1903), urbanista responsável pela criação do Central Park; Morris Ketchum Jesup (1830-1908) banqueiro; e John Pierpont Morgan (1837-1913), banqueiro, criador da General Electric e outras instituições financeiras ativas até hoje. Todos eram homens ricos, poderosos e cuja ética protestante os impelia à filantropia. O resultado é que, hoje, este museu detém uma das maiores coleções do mundo, com mais de 32 milhões de espécimes de plantas, animais, fósseis, minerais, artefatos culturais humanos, e recebe cerca de cinco milhões de turistas por ano. É visita obrigatória a quem vai à Nova Iorque.
Leonard C. Sanford (1868-1950) era um ornitólogo amador que pertencia ao grupo de diretores do American Museum of Natural History nas décadas de 1920 e 1930. Além de coletor de espécimes raros, Sanford procurava (e conseguia) patrocínio para que pesquisadores associados ao museu pudessem empreender expedições de coleta aos locais mais longínquos do planeta. Na época, ele persuadiu Harry Payne Whitney (1872-1930, descendente de uma poderosa família) a bancar a Whitney South Sea Expedition (Expedição Whitney ao Mar do Sul), uma expedição de coleta que visitou várias ilhas do Oceano Pacífico e angariou mais de 40 mil espécimes para a coleção. Esta é a famosa expedição em que Ernst Mayr participou como líder.
Em 1930, Lord Rothschild anunciou a venda da sua gigantesca coleção de aves e Sanford convenceu a senhora Gertrude Vanderbilt, viúva de Harry P. Whitney (ela também descendente de uma família rica e poderosa) a comprar a coleção. O negócio foi fechado em Nova Iorque em outubro de 1931. Era o início de uma nova era para a ornitologia. A maior coleção de aves do mundo estava agora na América e, logo em seguida, a Segunda Guerra Mundial iria adormecer os pesquisadores e os próprios museus europeus por mais de uma década.
Cinco anos depois da venda, Lord Rothschild estava morto. A perda de sua mãe em 1935 deve ter sido um segundo revés cruel na sua vida. Ele amava sua coleção e sua mãe, e ambos se foram. Walter morreu em 1937, aos 69 anos. Antes de morrer, sua irmã persuadiu-o a doar o que restava de sua coleção (o que não era pouco) ao British Museum of Natural History (Museu Britânico de História Natural). Hoje, essa coleção continua na antiga residência de Tring e ainda é um museu imperdível.
Continuo fixo olhando para aquelas colunas romanas. Atrás de qualquer fachada existe uma história. Uma amante ressentida, um lorde inglês e um punhado de dólares de pessoas visionárias são o que sustentam essas colunas. É hora de entrar no museu: toda novela tem seu enredo.
PS. Agradeço ao amigo Fernando Straube pelas valiosas informações incluídas no texto.
*Publicado originalmente no blog Vida das Aves. |
Saiba mais
Leia o livro de Tim Birkhead, Ten Thousand Birds, publicado em 2014 pela Princeton University Press.
Existem vários livros sobre a vida do Barão de Rothschild. Um obituário bastante completo e disponível, pode ser lido neste link
Leia também
http://www.oeco.org.br/colunas/colunistas-convidados/vida-das-aves-alfred-russel-wallace-o-velho-marinheiro-e-a-extincao-de-especies/
Leia também
Beija-flores déspotas, paineiras e baobás
No tráfego, o autor especula sobre porque beija-flores-tesoura brigam ou convivem em paz na busca pelo néctar das flores das paineiras. →
A madrugada traz melancolia aos beija-flores
Para sobreviver ao frio, a técnica é mergulhar em profundo torpor, com funções motoras e psicomotoras inibidas economiza-se 60% de energia. →
Entrando no Clima#39 – Lobistas da carne marcam presença na COP29
Diplomatas brasileiros se empenham em destravar as negociações e a presença de lobistas da indústria da carne nos últimos dias da COP 29. →
Belo texto! Parabéns! Que diferença com os nossos multimilionários. Sem mais.
Excelente!
Parabéns pela análise interessante da construção de uma riqueza que sobrepassa um valor monetário.
Excelente!
Parabéns pela análise interessante da construção de uma riqueza que sobrepassa um valor monetário.
Belíssimo texto Marcos! Fiquei com vontade de conhecer o museu em Tring!