Análises

Conservador das Araucárias: implementar o Código Florestal através da restauração de ecossistemas

O Brasil tem diante de si um desafio histórico e também uma oportunidade: agir sobre sua dívida ambiental e se tornar líder global em restauração de ecossistemas

Miriam Prochnow · Wigold B. Schaffer ·
23 de outubro de 2025

A efetiva implementação do Código Florestal (Lei 12.651/2012) é um caminho  sólido para que o Brasil se torne um líder global em restauração de ecossistemas e no enfrentamento da emergência climática. Não se trata apenas de cumprir uma lei, mas de garantir o futuro de milhões de brasileiros. Hoje, segundo o Observatório do Código Florestal, há 21 milhões de hectares de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e Reservas Legais que precisam ser restaurados, enquanto a meta brasileira na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC) do Brasil no Acordo de Paris é de 12 milhões de hectares. Nosso dever de casa é muito maior que a meta estabelecida.

Isso exige firmeza em comando e controle para a implementação da legislação, mas também demanda apoio concreto para que o Código Florestal seja colocado em prática. Não basta apenas cobrar dos produtores rurais é preciso oferecer crédito, incentivos e financiamento que transformem a restauração em realidade. Se queremos reduzir as emissões, adaptar o país aos efeitos das mudanças climáticas e proteger nossas riquezas naturais, não há outro caminho senão cumprir e fortalecer o Código Florestal através de parcerias e ações envolvendo os atores do território, o planejamento da paisagem e os desafios globais que precisam ser enfrentados.

Código Florestal e adaptação climática

O Código Florestal não ajuda apenas na mitigação das mudanças climáticas; ele é também uma ferramenta estratégica para a adaptação de cidades e territórios aos impactos já em curso. A preservação e a restauração de APPs e Reservas Legais  protegem mananciais hídricos, estabilizam solos e mantêm a biodiversidade, elementos essenciais para a resiliência.

Tragédias advindas de enchentes e deslizamentos não são apenas resultado de fenômenos climáticos extremos, mas também consequência direta da forma como o território é ocupado. O Código Florestal, muitas vezes visto apenas como lei ambiental, é também uma lei de proteção à vida, estabelecendo parâmetros claros para evitar que pessoas se instalem em áreas de risco, como margens de rios, encostas íngremes e topos de morros. Não se trata apenas de conservar árvores ou paisagens, mas de garantir a segurança de comunidades inteiras.

Quando ignoramos esses limites, o preço é alto. Em 2011, a Região Serrana do Rio de Janeiro viveu uma das maiores tragédias socioambientais do país. Estudos mostraram que 92% dos deslizamentos ocorreram em locais alterados pela ação humana, enquanto apenas 8% atingiram áreas de vegetação nativa conservada. Situação semelhante havia ocorrido no Vale do Itajaí (SC), em 2008: 85% das áreas de deslizamento tinham interferência humana. Os números não deixam dúvida: quanto mais desrespeitamos a natureza, mais vulneráveis nos tornamos.

As APPs existem para proteger tanto o ambiente quanto as pessoas. Ao manter a vegetação nas margens dos rios, evitamos erosões, preservamos a qualidade da água e damos espaço para que os rios extravasem sem devastar comunidades. Ao respeitar as encostas e topos de morro, reduzimos o risco de deslizamentos que, infelizmente, ainda ceifam vidas todos os anos no Brasil.

Áreas com vegetação funcionam como amortecedores naturais contra eventos climáticos extremos, como enchentes, secas prolongadas e deslizamentos de terra. A vegetação nativa melhora a infiltração da água no solo, regula o microclima local e reduz a erosão, protegendo tanto a produção agrícola quanto as comunidades que dependem desses recursos. Além disso, o Código Florestal incentiva práticas que conectam conservação ambiental à gestão de riscos climáticos, como a restauração de matas ciliares, formação de corredores ecológicos e aumento da cobertura florestal dentro das propriedades. Aplicar e implementar o Código Florestal de forma efetiva significa mitigar emissões e, ao mesmo tempo, aumentar a resiliência de pessoas, adaptando cidades e ecossistemas.

Iniciativa Conservador das Araucárias tem meta de restaurar 7 mil hectares de Mata Atlântica. Foto: Arquivo Apremavi

O exemplo do Conservador das Araucárias

O Brasil é uma potência em Soluções Baseadas na Natureza (SBNs), com muitos exemplos mostrando que as metas de restauração são alcançáveis, possíveis e benéficas para as pessoas e todas as formas de vida. O Conservador das Araucárias,  executado pela Apremavi em parceria com a Tetra Pak, é prova disso, aliando restauração com espécies nativas e captura de carbono. O projeto ajuda propriedades rurais a se adequarem à legislação ambiental e fortalece a conservação da água, do solo e da biodiversidade. E vai além: contribui para a melhoria da qualidade de vida das pessoas que vivem no território. Sua meta é ambiciosa e inspiradora: restaurar 7.000 hectares de Mata Atlântica até 2030.

Os critérios do projeto deixam claro que restaurar é uma oportunidade de transformar as propriedades rurais. Participam apenas propriedades comprometidas com o Código Florestal, registradas no Cadastro Ambiental Rural (CAR), sem histórico recente de desmatamento e que estejam dispostas a ampliar sua cobertura florestal. Isso mostra que restaurar é, ao mesmo tempo, responsabilidade e escolha estratégica.

Acreditando que é possível, em outubro de 2025, o projeto já conta com mais de 30 proprietários rurais como parceiros. São 3.132,05 hectares em processo de restauração e conservação em sete municípios de Santa Catarina, onde foram plantadas 320.000 mudas de árvores nativas nas áreas onde se faz a restauração com plantio de mudas. O projeto também utiliza como metodologias a semeadura de sementes de árvores nativas, o enriquecimento de florestas secundárias e a condução da regeneração natural de espécies nativas.

Além do impacto na paisagem onde a restauração acontece, a Apremavi criou o Portal Ambiental, plataforma online que utiliza imagens de satélite, drones e sensoriamento remoto para o planejamento das ações em campo, monitoramento das áreas e transparência das atividades.

Restauração com muvuca de sementes no Conservador das Araucárias. Foto: Arquivo Apremavi

No Portal é possível acessar todas as informações relevantes sobre os projetos: espécies e quantidades de mudas plantadas, mapas e limites das áreas, metodologias de restauração e registros fotográficos. O acesso é garantido em diferentes níveis para proprietários, financiadores e público em geral, respeitando a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Além de monitorar, a ferramenta promove transparência pública e apoia a implementação do Código Florestal, utilizando como base os dados do Cadastro Ambiental Rural (CAR/SICAR). Assim, o Portal ajuda a identificar áreas a restaurar, acompanhar o andamento dos projetos e apoiar a regularização ambiental das propriedades. 

Até outubro de 2025 estavam cadastradas no Portal 1.354 propriedades. Esse número é atualizado a cada dia com novos cadastros sendo realizados. As propriedades cadastradas estão localizadas em 79 municípios, sendo 53 de Santa Catarina, 25 do Paraná e 1 de São Paulo. Nas propriedades cadastradas, há 1.402,04 hectares em restauração e 9.035,02 hectares de áreas conservadas.

Cada hectare restaurado significa mais água limpa, solo fértil, biodiversidade protegida e aumento da resiliência frente às secas, enchentes e eventos climáticos extremos que já afetam a vida de todos nós.

O Brasil pode e deve ser líder mundial em restauração. Mas isso só será possível se entendermos que cumprir o Código Florestal não é burocracia: é sobrevivência, futuro e esperança. E que iniciativas como o Conservador das Araucárias são faróis que mostram o caminho para a implementação. Está em nossas mãos transformar metas em realidade. Restaurar não é apenas reparar o passado: é construir o futuro que queremos e precisamos.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Miriam Prochnow

    Ambientalista e ativista climática, com enfoque no acompanhamento e proposição de políticas públicas, sustentabilidade e educação ambiental. Co-fundadora da Associação de Preservação do Meio Ambiente e da vida (Apremavi)

  • Wigold B. Schaffer

    Formado em Administração de Empresas, é um dos fundadores da Apremavi, em 1987, onde atualmente integra o conselho consultivo e coordena projetos ambientais.

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