A restauração florestal, estratégia fundamental para mitigar as mudanças climáticas, proteger a biodiversidade e oferecer benefícios econômicos e sociais, ainda não é trabalhada nos estados da Amazônia Legal como uma oportunidade, mas majoritariamente como uma obrigação. Esta é a conclusão de uma análise feita pela Climate Policy Initiative (CPI/PUC-Rio) e pelo o projeto Amazônia 2030, ao qual ((o))eco teve acesso com exclusividade.
Atualmente, a estimativa é que o total degradado na Amazônia esteja em torno de 19 e 34 milhões de hectares. Ou seja, um território maior do que a Itália poderia ser passível de restauração no bioma.
Neste cenário – e considerando a necessidade global de proteger e revitalizar ecossistemas em todo o mundo, buscando reverter a degradação, como instou a ONU ao declarar esta a Década da Restauração – os governos estaduais desempenham um papel crucial na implementação de iniciativas de restauro.
Os governos dos estados são responsáveis por definir regras, direitos, obrigações, critérios, instrumentos e procedimentos necessários à sua implementação. Além disso, eles podem gerar demanda pela restauração ao estabelecer exigências legais para a recuperação obrigatória das áreas degradadas e ao oferecer incentivos para o restauro voluntário.
O que o trabalho do CPI/PUC-Rio e o projeto Amazônia 2030 encontrou foi que, apesar de contribuir para a agenda por meio da cobrança de restauração de passivos ambientais, os estados falham em governança e ainda não conectaram suas políticas de restauração com oportunidades de mercado, principalmente o de carbono.
“A restauração pode ser uma atividade econômica produtiva por si só. A partir de um determinado valor da tonelada de carbono, por exemplo, restaurar é mais lucrativo do que atividades agropecuárias tradicionais. Ele pode ser produtivo também pelos produtos da floresta, madeireiros e não madeireiros, pode ser produtivo pelos serviços ambientais. Mas a gente viu que, nesse sentido, os estados ainda não viraram a chave”, explica Cristina Leme Lopes, gerente sênior de pesquisa do CPI/PUC-Rio.
Segundo Lopes, os resultados encontrados não significam que os estados não almejam incentivar o restauro voluntário. As políticas existentes atualmente, no entanto, focam apenas no restauro obrigatório dos passivos de Áreas de Proteção Permanente (APPs) e Reservas Legais (RL).
“Ainda não existem mecanismos ou incentivos muito claros para as pessoas optarem, para elas poderem dizer: ao invés de ter pastagem, eu vou ganhar dinheiro com a floresta”, diz.
Falta de governança
O que os pesquisadores do CPI/PUC-Rio e Amazônia 2030 fizeram foi avaliar o papel das políticas públicas estaduais e sua capacidade de estabelecer as bases necessárias para a expansão da restauração florestal.
O trabalho não foi simples: eles se debruçaram nas normas existentes sobre o assunto nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima. Maranhão e Tocantins não foram incluídos na análise devido ao fato de o bioma cobrir menos da metade de seus territórios.
Além da predominância da restauração como algo obrigatório, o que eles encontraram foi que a maioria dos estados analisados aborda o tema em diferentes políticas, sem um alinhamento programático e institucional claro entre elas.
“A ausência da governança necessária para articular e coordenar os diferentes níveis de governo e os diversos agentes envolvidos na restauração — como produtores, restauradores, financiadores, ONGs e academia — dificulta a implementação integrada das políticas”, diz trecho do estudo.
Até o momento, somente o Pará possui um plano de recuperação da vegetação nativa que fala da agenda de forma abrangente e integrada. O Acre também está construindo seu próprio plano, mas os pesquisadores alertam que a efetividade dessas normas não é garantida.
“A eficácia desses planos dependerá da capacidade de o estado coordenar as múltiplas ações de restauração por meio de sinergias entre as políticas e de uma governança participativa dos diferentes atores”, continua o trabalho.
Recomendações
Apesar de o trabalho do CPI/PUC-Rio e Amazônia 2030 não ser um policy briefing, várias recomendações são feitas ao longo do texto. Além da importância de formular políticas específicas voltadas à restauração, como é o caso do Pará com seu Plano de Recuperação da Vegetação Nativa, os pesquisadores apontam outras ações que precisam ser tomadas para alavancar o restauro na Amazônia.
Uma delas é reduzir barreiras regulatórias que estão travando a atividade, como a simplificação das normas para silvicultura de espécies nativas, por exemplo.
Além disso, eles sugerem a criação de incentivos econômicos, como aqueles provenientes dos Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA), que hoje são majoritariamente voltados para áreas já conservadas, e não área de restauro.
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