Olho pelo retrovisor do tempo e me vejo colhendo mangas no quintal de Seu Tidico. Um velho amigo de meu pai. Nosso vizinho do lado, cujos quintais eram separados por um muro de taipa, construído, com muita certeza, por escravos do tempo que essa crueldade ainda existia por estas bandas. Lá havia de tudo, muitas mangueiras com variedades diversas, além de jabuticabas, laranjas, abacates, muitos mamoeiros; sem falar na sua horta onde plantava quase tudo.
Por entre essas árvores o vento corria solto, sem encontrar anteparos de concreto armado e vidros blindex, nem haviam entrado na moda os aparelhos de ar-condicionado, por absoluta não necessidade.
Nesse tempo, Cuiabá era conhecida nacionalmente como Cidade Verde. Em cada quintal havia, pelo menos, uma árvore que absorvia o calor, ainda tépido pela incapacidade de o El Niño influenciar a temperatura da nossa Cidade Verde, pois era abafado pelo frescor do clima de então. Se o calor ultrapassasse o limite do conforto, era fácil de se resolver – abriam-se as janelas e a brisa penetrava mansamente casa à dentro. É bom lembrar que El Niño sempre existiu, não foi uma ”invenção” da ciência. Seu efeito só passou a nos incomodar porque o ser humano providenciou isso ao destruir gradativamente a natureza, causando o desequilíbrio homeostático. E as consequências desse desequilíbrio passaram a se manifestar cada vez com maior intensidade.
Esse tempo de equilíbrio se foi… Foi desconstruído pela incompreensão humana que acredita em um “progresso” onde o significado é desmatamento, destruição da natureza, edifícios que arranham o céu, milhões de automóveis a buzinar em engarrafamentos cotidianos, chaminés lançando fumaças aos quatro ventos, quando esses ventos teimosos aparecem por aqui.
E o calor se fez! Uma nova criação do mundo emerge do turbilhão de idiossincrasias humanas, consubstanciadas no pensamento egoístico de ‘eu posso’, aquilo que Byung-Chul Han chamou de Sociedade do Desempenho, que produz depressivos e fracassados, pois somos incapazes de pensar que esse “progresso” com aspas demonstra o insucesso de nosso desempenho como seres humanos. Estamos destruindo o Nosso Lar Terra, para construir o quê em seu lugar? Há os que vendem a ideia de destruir o nosso Planeta para edificar uma novo mundo em Marte, o que se torna a prova mais acabada de nosso fracasso como seres humanos.
Atualmente, somos dominados pela técnica, além de escravizados pelo narcisismo e exibicionismo, que proliferam nas redes sociais, segundo esse filósofo sul-coreano, em entrevista ao jornal espanhol El País – “a obsessão por si mesmo faz com que os outros desapareçam e o mundo seja um reflexo de nossa pessoa”.
Disso resulta em “minha verdade”, que passou a fazer parte do pensamento vigente em muitos setores de nossa sociedade, especialmente no mundo da política, criando uma separação preocupante em nosso País. Duas faces que não se percebem, uma tal direita e uma indecifrável esquerda, cujos interesses antagônicos tendem a criar muralhas entre dois mundos, que na verdade necessita ser único, para o bem das gerações vindouras.
Até mesmo, o que deveria necessariamente ser da responsabilidade/compromisso de todos os setores desta sociedade dividida, a manutenção da vida natural para o bem de nossos descendentes, cuja destruição permanece quase imparável em função desse pensamento dicotômico, demonstrativo de nossa incapacidade, mesmo, de perceber o outro além de mim. Mesmo se esse outro seja meu filho, meu neto e/ou um membro de minha genealogia.
Eis o novo mundo do calor, das tormentas climáticas que transformou a Cidade Verde em um forno de siderúrgica do qual todos participam igualmente, mesmo os dotados de elevado poder econômico e que são obrigados colocar a cara na rua, mesmo que por um instante. Eis o bem-comum aristotélico que, finalmente, passou a fazer parte do dia a dia cuiabano.
Enquanto “esse” mundo pega fogo, o que está sendo feito para, pelo menos, minimizar, mitigar, diminuir esse ‘inferno’ cuiabrasiano ? NADA! Observam e culpam o El Niño pelo fenômeno de responsabilidade humana. Dessa forma, vendem-se mais aparelhos de ar refrigerado, para refrescar os edifícios de concreto armado, aço e vidro fumê, além de outras invencionices que geram muito dinheiro para poucos.
Há solução para isso tudo? A resposta mais evidente está sendo oferecida pelo Quênia que decretou um feriado nacional para encorajar o plantio de 100 milhões de árvores para combater as mudanças climáticas. Por estas bandas, quando se verifica que a temperatura média anual de Goiânia, considerada a cidade mais arborizada do Brasil, é de 23 graus centigrados, enquanto a de Cuiabá é 32 graus. Isso explica o nosso calor? Se não explica de todo, justifica em grande monta o abrasador clima cuiabano, Também pudera! Por aqui, quando tem início uma obra pública ou privada, a primeira providência é retirar toda e qualquer vegetação da área a ser construída, sem reposição posterior, geralmente alguns arbustos à guisa de paisagismo. Assim, de árvore em árvore a ex Cidade Verde tornou-se o que é hoje, o epicentro da emanação de calor.
Resta, então, sugerir às autoridades responsáveis um grande programa de arborização em todas as rua onde isso seja possível. Seria a forma mais ética, justa, necessária e possível de minorar o sofrimento do povo cuiabano ao, como Goiânia, tornar o ar mais respirável, o clima mais suportável, além de economizar energia elétrica pela diminuição do consumo de eletricidade.
Caso esses órgãos responsáveis não tomarem providencia, resta ao povo tomar para si a arborização das ruas, quintais e outros espaços onde existe a possibilidade de se fincar uma árvore.
Quais espécies plantar? A Universidade Federal de Mato Grosso tem conhecimento de sobra para orientar quais espécies devem ser plantadas para evitar afloração de raízes, rompimento de fiação elétrica e outros dissabores causados por árvores por demais altas e com copas muito grande. Além de embelezar o cenário onde só se percebem edifícios e automóveis passando sem cessar.
Por fim, lanço uma campanha: PLANTE UMA ÁRVORE E NÃO RECLAME DO CALOR!
As opiniões e informações publicadas nas sessões de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
Leia também
Sem respirar e sem água: impactos da seca histórica no Amazonas
Intensificado pela seca histórica causada pelo el niño e pelo crime ambiental, fumaça castiga os pulmões dos amazonenses desde agosto →
O aquecimento global está acelerando?
Caos climático de 2023 expõe racha na comunidade científica; há quem diga que só vamos cair no abismo, há quem diga que estamos indo para lá mais rápido →
Carta aos humanos
Cada ação que sofro todo dia, é um dia a menos em minha vida e, além de mim, cada vida que abrigo e alimento, também é vulnerada em sua integridade depois de cada ação →
Todos sabem e muitos sentem o problema do calor no dia a dia mais severamente…há inúmeros projetos que podem ser implementados como o mencionado plantio de árvores e a proteção as áreas verdes além de construções e tecnologia apropriadas …falta interesse do poder público em alavancar o processo e um melhor planejamento urbano de Cuiabá que leve em conta o calor extremo
O Mercado imobiliário transformou Cuiabá em um verdadeiro forno, só asfalto e desmatamento. E Chapada dos Guimarães está seguindo no mesmo caminho. Crescimento desgovernado desmatando tudo é acabando com nascentes. 🙁
O ser humano ta se destruindo a si próprio. A ganância pelo dinheiro e poder irá levá-lo a extinção assim como os dinossauros foram.