O garimpo ilegal de ouro, a extração ilegal de madeira e a grilagem de terras hoje estão sendo financiados pelo crime organizado na Amazônia brasileira. Esses investimentos se expandiram rapidamente desde que a governança federal decaiu sob o presidente Michel Temer (1916-18) e entrou em colapso com o desmantelamento de agências ambientais e outras agências de governança pelo presidente Jair Bolsonaro (desde 2019). Acompanhando o colapso da governança na Amazônia, os investimentos federais em ciência e tecnologia desmoronaram, justamente quando a região precisa de alternativas para manter a floresta em pé, beneficiando os 30 milhões de brasileiros que vivem aqui hoje.
A reorganização do desenvolvimento amazônico em direção a uma bioeconomia que possa contribuir para a manutenção da floresta exigirá imensos investimentos em ciência, tecnologia e inovação. Desde que o ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, Ricardo Salles, fechou o Fundo Amazônia e o ministro da Economia, Paulo Guedes, rebaixou Ciência e Tecnologia (C&T) no orçamento nacional, os investimentos em ideias e pessoas para a agenda da bioeconomia diminuíram dramaticamente. A Amazônia brasileira contribui com quase 10% para o Produto Interno Bruto, mas, mesmo antes de Bolsonaro, a Amazônia recebia apenas 5% dos investimentos federais em C&T, e estes foram cortados significativamente desde 2019. As Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) estaduais que financiam C&T na Amazônia não podem compensar esses cortes.
A escala dos investimentos criminosos é impressionante. Em novembro de 2021, garimpeiros ilegais organizaram uma exibição de investimentos no baixo rio Madeira, com mais de 300 balsas de mineração alinhadas em fileiras atravessando o rio. A Polícia Federal estimou o valor dessas balsas em R$ 100 milhões (US$ 20 milhões), três vezes o orçamento para novas projetos de P&D do CNPq. Em janeiro de 2022, as águas transparentes do rio Tapajós ficaram turvas pelas fortes chuvas que lavaram resíduos de garimpo ilegal de afluentes ao longo de suas margens. O garimpo ilegal na bacia do Tapajós expandiu mais de 100% somente no último ano. Imediatamente depois, o presidente do Brasil publicou um decreto para legalizar a mineração de ouro “artesanal” na Amazônia, inclusive em unidades de conservação federais e terras indígenas, e seus colegas do Centrão no Congresso Nacional votaram urgência para o PL 191/2020 que abrirá as terras indígenas para mineração e outras formas de exploração por pessoas e empresas não indígenas.
O valor dos equipamentos e instalações (investimentos criminosos organizados) dos garimpeiros ilegais, madeireiros e grileiros destruídos pela Polícia Federal em 2019-2020 é impressionante. O crime organizado pode ser agora o ator dominante no financiamento do “desenvolvimento” na Amazônia. Se a sociedade brasileira e a comunidade internacional esperam incluir a Floresta Amazônica como parte da resposta da sociedade global às mudanças climáticas, é preciso pressionar o governo agora e mudar o cenário político. Algumas táticas de pressão são listadas por Levis e colaboradores.
Bibliografia
Waisbich, L.T. et al. 2022. O ecossistema do crime ambiental na Amazônia: Uma análise das economias ilícitas da floresta. Artigo Estratégico 54. Instituto Igarapé: Rio de Janeiro. 37 p. https://bit.ly/3tAWvVG.
FBSP. 2021. Cartografias das violências na região amazônica – Síntese dos dados e resultados preliminares. Fórum Brasileiro de Segurança Pública: São Paulo. 18 p. https://bit.ly/3tAXoO2.
Vale, M.M. et al. 2021. The COVID-19 pandemic as an opportunity to weaken environmental protection in Brazil. Biological Conservation, 255: art. 108994. doi: 10.1016/j.biocon.2021.108994.
De Negri, F. 2021. Políticas públicas para Ciência e Tecnologia no Brasil: cenário e evolução recente. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea): Brasília. 20 p. https://bit.ly/3Nj3YRd.
Kowaltowski, A.J. 2021. Brazil’s scientists face 90% budget cut. Nature, 598: 566. doi: 10.1038/d41586-021-02882-z.
Nobre, C.A. et al. 2016. Land-use and climate change risks in the Amazon and the need of a novel sustainable development paradigm. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 113: 10759-10768. doi: 10.1073/pnas.1605516113.
Becker, B. & C. Stenner. 2008. Um futuro para a Amazônia. São Paulo: Oficina de Textos. 150 p.
BNDES. 2020. Fundo Amazônia: Relatório de atividades, 2019. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social: Rio de Janeiro. https://bit.ly/3tEiSd7.
Escobar, H. 2021. Orçamento federal para 2022 mantém ciência brasileira em situação de penúria, in Jornal da USP, Universidade de São Paulo: São Paulo. https://jornal.usp.br/?p=478550.
Brasil. 2022. Decreto no. 10.966. Diário Oficial da União, Edição 31, Seção 1, p. 4: Brasília. https://bit.ly/3wwV9NK.
Ferrante, L. & Fearnside, P.M. 2020. Brazil threatens indigenous lands. Science, 368: 481-482. doi: 10.1126/science.abb6327
IPCC. 2022. Summary for Policymakers. Climate Change 2022: Impacts, Adaptation, and Vulnerability. Contribution of Working Group II to the Sixth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Cambridge, Reino Unido: Cambridge University Press. 35 p. https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/.
Levis, C. et al. 2020. Help restore Brazil’s governance of globally important ecosystem services. Nature Ecology & Evolution, 4: 172-173. doi: 10.1038/s41559-019-1093-x.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
Leia também
Desmatamento zero para quem? Brasil não é claro em proposta apresentada na COP29
Representantes do governo brasileiro reforçam em Baku a promessa de Lula de acabar com desmatamento, sem dizer se a supressão legal entra na conta →
Entrando no Clima#32 – Brasil estreia na COP espalhando dúvidas no ar
No episódio 32 do podcast, a correspondente de ((o))eco na COP do Clima traz mais informações sobre a estreia da delegação brasileira em Baku →
Apenas 12,8% das áreas protegidas marinhas do Brasil são realmente efetivas
Pesquisa internacional analisa a qualidade na conservação marinha global, visando a meta mundial de proteger 30% dos oceanos até 2030 →