Análises

Energia eólica e os desafios socioambientais

A expansão da geração de energia a partir dos ventos tem sido feito no país sem levar em conta os custos sociais e ambientais desta atividade.

Heitor Scalambrini Costa ·
12 de janeiro de 2016 · 9 anos atrás
Parque de Energia Eólica em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Foto: Alberto Coutinho/Secom-BA.
Parque de Energia Eólica em Brotas de Macaúbas, na Bahia. Foto: Alberto Coutinho/Secom-BA.

A partir de 2007, ano a ano, o crescimento da geração eólica no país chama a atenção.  Se há nove anos a potencia instalada era de 667 MW, em 2015 chegou a 8.120 MW, ou seja, um aumento de 12 vezes. Verifica-se também que vários municípios brasileiros sofreram mudanças radicais com alterações bruscas em suas paisagens e no modo de vida de suas populações. Essas mudanças representam o início de um novo ciclo de exploração econômica, o chamado “negócio dos ventos”.

Várias são as razões que tem atraído estes empreendimentos a nosso país. Além da crise econômica mundial de 2008 que provocou uma capacidade ociosa na Europa, e assim equipamentos chegaram até nós com preço vantajosos; sem dúvida a “qualidade dos ventos”, em particular na região Nordeste é outro grande atrativo. E é neste território, onde hoje se concentra 75% de toda potência eólica instalada no país.

Determinados Estados criaram políticas próprias de incentivo à energia eólica, com isenções fiscais e tributárias, concessão de subsídios, flexibilização da legislação ambiental (p. ex. Pernambuco aboliu os estudos ambientais EIA/RIMA). Associados aos financiamentos de longo prazo do BNDES (e mais recentemente da Caixa Econômica Federal), e ao preço irrisório da terra, estas tem sido as razões principais para atrair os empreendedores. É o resultado da combinação destes fatores que possibilita que a energia eólica ofereça preços imbatíveis nos leilões realizados pela Aneel, tornando-se assim à segunda fonte energética mais barata. Esta situação esconde o fato dos custos ambientais e sociais decorrentes da implantação dos complexos eólicos serem altos, embora não sejam contabilizados nos “custos” da geração, pois não são pagos pelos empreendedores, e, sim, por toda a sociedade.

Ao mesmo tempo em que esta atividade econômica teve uma rápida expansão, gerou impactos, conflitos e injustiças socioambientais. São visíveis os impactos provocados por esta fonte renovável, chamada por muitos de energia limpa. Define-se por energia limpa aquela que não libera, durante seu processo de produção, resíduos ou gases poluentes geradores do efeito estufa e do aquecimento global. Ou ainda, que apresenta um impacto menor sobre o ambiente do que as fontes convencionais, como aquelas geradas pelos combustíveis.

Todavia nas “definições” de energia limpa não são levadas em conta as questões sociais e mesmo ambientais causados pela produção industrial da eletricidade eólica que necessita de grandes áreas e um volume considerável de água, devido ao alto consumo de concreto para a construção das bases de sustentação das turbinas. Impactos sobre o uso de terras é quantificado pela área ocupada. Em geral, as turbinas eólicas ocupam 6 a 8 ha/MW, a um custo médio de R$ 4,5 milhões/MW. Sem duvida,pode se argumentar que estas áreas sejam compartilhadas,como ocorrem em outras partes do planeta, ou seja, utilizadas concomitantemente para outros propósitos, como agricultura, criação de pequenos animais (…). Mas isto não vem acontecendo.

(…) modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si causador de problemas ao meio ambiente e as pessoas

Logo, o modelo adotado de implantação dessa atividade econômica no Brasil é em si causador de problemas ao meio ambiente e as pessoas. Os parques eólicos têm deixado profundos rastros de destruição na vida das comunidades atingidas (exemplos não faltam).  Não somente com a instalação dos aerogeradores, mas desde a obtenção do terreno (pela compra ou arrendamento), sua preparação (desmatamento, terraplanagem, compactação, abertura de estradas de acesso dos equipamentos) e a construção das linhas de transmissão. Destrói territórios, desconstitui atividades produtivas e desestrutura modos de vida de subsistência.

Tem agravado a situação a velocidade em que os parques eólicos estão sendo instalados, sem o devido acompanhamento e fiscalização, sem que requisitos socioambientais sejam atendidos e cumpridos.

Na questão da terra necessária para produzir energia em larga escala, os empreendedores vão comprando ou arrendando as terras da população local. São na verdade desapropriações feitas pela iniciativa privada como parte de estratégias agressivas para implantação dos complexos eólicos, que acabam inviabilizando a sobrevivências de outras atividades econômicas locais, como a pesca artesanal, a cata de mariscos, a agricultura familiar, a criação de animais,  (…). Assim comunidades inteiras são afetadas na sua relação com o território e muito pouco, ou quase nada recebem em troca.

Várias situações marcaram e ainda marcam a presença de empresas eólicas. O discurso do ambientalmente correto esconde práticas socialmente injustas das empresas do grandes e poderosas empresas, evidenciadas cada vez mais com o passar do tempo. Para implantação dos parques e complexos, as empresas utilizam de diferentes expedientes como a celebração de contratos draconianos com proprietários e posseiros, a compra de grandes extensões de terras, a apropriação indevida de áreas com características de terras devolutas e de uso coletivo.

Os contratos celebrados põem em dúvida os princípios de lisura e transparência pelo lado das empresas. Os trabalhadores se sentem pressionados a assinarem os contratos sendo proibidos de analisarem o conteúdo de maneira independente, sempre induzidos por algum funcionário das empresas.

Quem continua a viver nessas regiões quase sempre enfrenta a impossibilidade de continuar a produção local, de manter seu modo de subsistência. A atividade eólica, tanto costeira ou interiorizada acaba com as condições de sobrevivência no lugar e em seu entorno, gerando poucos empregos de qualidade para os moradores da região, e deixando lucros pequenos. Tudo isso depois da euforia da etapa de instalação dos equipamentos, com as obras civis, que acabam atraindo por tempo determinado, trabalhadores locais e de outras regiões. Depois das obras concluídas vem à rebordosa, com as demissões. Assim tem acontecido. Cria-se a ilusão de prosperidade com o apoio da propaganda enganosa. O discurso da geração de renda e emprego faz parte da estratégia.

Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras e ribeirinhos.

Com relação à agressão ambiental têm sido atingidas áreas costeiras com a destruição de manguezais, restingas, remoção de dunas, provocando efeitos devastadores para pescadores, marisqueiras e ribeirinhos. Tais situações têm sido constatadas no Ceará e Rio Grande do Norte.

Em estados como Bahia, Piauí e Pernambuco a exploração desta atividade ocorre no interior, em áreas montanhosas, de grande altitude, no ecossistema Caatinga e Mata Atlântica (ou o que sobrou dela). E também nos brejos de altitude, existente em Pernambuco e na Paraíba, verdadeiras ilhas de vegetação úmida em meio ao ecossistema seco da Caatinga, onde a vegetação existente são resquícios da Mata Atlântica primária, proliferando mananciais de água que formam os riachos abastecedores de bacias hidrográficas. Portanto são áreas onde se deveriam incentivar a conservação, preservação e a recuperação destes ecossistemas naturais, dos seus mananciais  e cursos de água.

Todavia, o movimento das administrações municipais, estaduais e federal caminha em sentido contrário ao de proteger estes santuários da vida. Além da omissão e conivência incentivam e promovem o desmatamento de áreas de proteção permanente em nome do “desenvolvimento econômico”, da geração de emprego e renda, justificando a destruição ambiental e a vida das populações nativas em nome do interesse público (?).

A produção de energia elétrica a partir dos ventos hoje é uma atividade econômica, cujo modelo de exploração implantado causa inúmeros problemas afetando diretamente a qualidade de vida das pessoas. Contribuindo mais e mais para ampliar um fenômeno que já atinge uma parte importante do território nordestino: a desertificação.A produção de energia eólica é necessária, desde que preserve as funções e os serviços dos complexos sistemas naturais que combatem as consequências previstas pelo aquecimento global. Mas também se preserve as populações locais e seus modos de vida.

Afinal a quem serve este modelo de implantação em que o estado cooptado se omite e não fiscaliza? O que se constata são aspectos negativos que poderiam ser evitados, desde que houvesse o interesse e uma maior preocupação dos governantes quanto aos métodos e procedimentos, uma avaliação mais rigorosa dos licenciamentos que levasse em conta a análise de alternativas locacionais e tecnológicas, assim minimizando os impactos desta fonte energética.

Logo, não se pode considerar, levando em conta como estão sendo implantados os atuais projetos eólicos, nem que sejam socialmente responsáveis e nem que sejam ambientalmente sustentáveis. Longe disso.

*Heitor Scalambrini Costa é Professor da Universidade Federal de Pernambuco.

 

 

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Comentários 8

  1. heitor diz:

    Obrigado pelos comentários.
    Alguns esclarecimentos:
    – Passei minha vida acadêmica defendendo as fontes renováveis de energia. Sempre defendi que nosso pais não só desenvolvesse a tecnologia, mas que a usasse.
    – O problema não esta na tecnologia,mas no modelo de implantação.
    – Qualquer pessoa, família, comunidade tem o direito de ser informada, de ser ouvida, de ter sua opinião levada em conta diante de projetos que vem com a chancela de trazer o "desenvolvimento". Afinal o tal de desenvolvimento é para quem?
    – Convido os comentaristas a visitarem estes projetos e conversarem com as pessoas, ouvirem o que elas tem a dizer.
    – Não existe energia limpa. Devemos escolher aquela cuja tecnologia, cujo modelo de implantação menos impacta. Muitas vezes a escolha do local, a forma distribuida de geração e mesmo a tecnologia contribui para diminuir o impacto causado.


    1. Gisele diz:

      Por isso sou PRO-NUCLEAR!


    2. João Pinheiro diz:

      Nobre Professor Scalambrini. O senhor se posiciona assim: Passei minha vida acadêmica defendendo as fontes renováveis de energia. Sempre defendi que nosso pais não só desenvolvesse a tecnologia, mas que a usasse. O problema não esta na tecnologia, mas no “modelo de implantação”.
      Louvável atividade que ocupou todo o seu tempo. “Melhor seria se tivesse ocupado um pouco deste tempo defendendo o” modelo de implantação” que o Senhor acusa de ser o responsável por todos estes erros.


    3. REGIS diz:

      Caro Professor Heitor, suas observações além de valiosas são extremamente pertinentes e traduzem o olhar de quem pesquisa e conhece a realidade dada na implantação e manutenção desse modelo de produção de energia que também defendemos mas, que é preciso avaliar as questões sociais e ambientais envolvidas. Aqui em minha região, litoral do Piauí experimentamos a interferência provocada no modo de vida das comunidades tradicionais que sobreviveram historicamente da pesca artesanal em lagoas, da coleta de murici e outras frutas nativas que agora estão ameaçadas de extinção e parte delas já foi eliminada na construção de vias e das bases das torres. Existe uma tese de que os pássaros e morcegos que seriam os responsáveis pela polinização e transporte das sementes para o replantio natural estão sendo afugentados pelo barulho das hélices. todas essas teses e hipóteses devem ser discutidas e avaliadas. Peço aos comentarista que se informem melhor das "prováveis" consequências sociais e ambientais não só para estes nativos mas, que vai repercutir nas cidades, no aumento dos bolsões de pobreza, na mudança de cultura dentre outros efeitos socialmente nocivos de qualquer projeto que não avalie os impactos e tenha compromisso com a redistribuição da riqueza produzida. Enquanto isso, nas comunidades tradicionais afetadas a pedra do crack chega fácil e a migração para cidade é inevitável. Quem pode, aumenta a altura dos muros e acrescenta cerca elétrica. FICA A REFLEXÃO.


  2. FR diz:

    O Professor está reclamando da "receita" enquanto, na verdade, o problema são os "cozinheiros". Tampouco oferece alternativa de geração elétrica que, na sua visão, seja "ambientalmente sustentável". Assim é fácil ser "colunista"!


  3. Renato diz:

    Se desse para curtir três vezes o teu comentário, eu curtiria, George.


  4. Frederico G M diz:

    Professor Heitor,
    ser contra as eólicas é manter a situaçõa atual, com cada vez mais termoéletricas, grandes hidrelétricas e nuclear.
    As eólicas são de baixo impacto sócio ambiental, portanto, se sua opinião pegar vai ser dificil termos crescimento sustentavel neste Brasil.
    Oi voce acha que produzir energia com impacto ZERO seja possivel?
    Radicalismo piegas só ajuda a destruir o meio ambiente, muita calma professor.


  5. George diz:

    Caro Heitor:

    Quando "o estado cooptado se omite e não fiscaliza", tanto dá se o projeto é eólico, solar, hidrelétrico, ou nuclear. Todos demandam espaço. Todos resultam nos males que você enumera.

    É só olhar para Belo Monte para ver "agressão ambiental", "impactos, conflitos e injustiças socioambientais", "ilusão de prosperidade", e todas as outras mazelas que você cita em seu artigo, numa escala infinitamente maior do que qualquer projeto eólico.

    Se no Nordeste as áreas para projetos eólicos são desapropriadas injustamente, se nelas não se da espaço para agricultura ou reservas naturais como em outros países, se o resultado acaba sendo lucro para poucos e exclusão para muitos, a culpa não é do projeto eólico. É do sistema político e social do Nordeste brasileiro, onde qualquer projeto do governo acaba tendo essas características, e para o povo sobra a faixa entre o arame farpado e o asfalto. Se lá pusessem uma hidréletrica ou usina nuclear, seria ainda pior.