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Urupema: benefícios de parque eólico não compensam má localização

Energia do vento tem muitas vantagens e existe há séculos, desde os velhos moinhos. Mas não a coloque na rota de migração do papagaio-charão.

3 de setembro de 2014 · 10 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

A revoada de um grupo de papagaios-charão em Urupema. Foto: Marc Dourojeanni
A revoada de um grupo de papagaios-charão em Urupema. Foto: Marc Dourojeanni

À procura de energia, reapareceram revigorados os velhos moinhos de vento. Esses mesmos contra os quais o insensato Fidalgo Dom Quixote de la Mancha lutou e que se considera marca registrada dos Países Baixos, embora tenham coberto as paisagens europeias por séculos. Não são os mesmos moinhos e sua finalidade não é exatamente a mesma, mas, quem sabe se os velhos moinhos europeus não originaram preocupações ambientais já que, apenas no século XIX, se construíram uns nove mil tão somente na Holanda.

Como já ocorreu com a energia hidráulica que por muito tempo foi considerada a panaceia ambiental pelo seu caráter renovável, a energia eólica assim como a solar são hoje as meninas dos olhos do ambientalismo e, por certo, dos chamados negócios verdes. Mas, como também ocorreu com a energia hidráulica que na atualidade é vista com muito receio, o tempo vai demonstrando que, ademais de problemas técnicos para os quais existe solução, a energia eólica tem problemas ambientais que, parece, também têm solução. O que não provoca dúvidas é que a energia eólica é ambientalmente muito menos impactante que a geração de energia térmica e hidráulica e, sob alguns aspectos, a nuclear.

Já existem milhares de estudos e pesquisas sobre os impactos ambientais da geração de energia eólica. Os resultados são até agora animadores e, embora nenhum problema seja grave demais, os seus impactos devem ser levados em conta. Estes incluem impactos sobre: (i) a fauna, especialmente aves e morcegos, (ii) as paisagens ou impactos estéticos, (iii) o uso da terra, (iv) os ciclos biológicos de plantas e animais, (v) o microclima, (v) a saúde pública e (vii) a segurança.

Moinho de vento tradicional em Almería, Sul da Espanha. Foto: Marc Dourojeanni
Moinho de vento tradicional em Almería, Sul da Espanha. Foto: Marc Dourojeanni

O risco mais evidente e documentado da exploração da energia eólica está relacionado à sua interferência com o voo de aves e de morcegos. A mortalidade é maior nos parques eólicos situados sobre terra firme do que nas instalações marítimas. As espécies de aves e de morcegos mais afetadas são as que procuram alimentos nos mesmos parques eólicos, ou as aves migratórias, quando essas instalações estão localizadas nas suas rotas de migração. Muitas aves de rapina sofrem, pois se alimentam de pássaros e roedores que vivem sob as turbinas eólicas (aerogeradores). O dano é ainda maior quando os parques eólicos estão perto de locais de pouso ou repouso das aves migratórias, pois nesses casos as aves voam em grupos compactos e a baixa altitude. Espécies raras ou ameaçadas estão entre as afetadas.

Existem medidas para reduzir esses acidentes. A primeira e mais óbvia é evitar explorar parques eólicos nas rotas de migração de aves, que são bastante bem conhecidas ou dos seus “dormitórios”. No caso de aves ou morcegos insetívoros que se alimentam voando ao amanhecer ou ao entardecer nas plantações situadas sob as hélices, o dano pode ser evitado detendo nesses lapsos o funcionamento das turbinas. Nesses intervalos, a perda de geração de energia não costuma ser grande, pois são horários de baixa velocidade do vento. Quando os parques eólicos estão em rotas de migração de aves às vezes se instalam radares que detectam os bandos com tempo suficiente para desligar as turbinas antes da passagem das aves. Mas, como dito, o melhor é evitar instalar parques nessas rotas.

Risco para o papagaio-charão

Papagaio-charão voltando aos seus locais de refugio no anoitecer de Urupema. Foto: Marc Dourojeanni
Papagaio-charão voltando aos seus locais de refugio no anoitecer de Urupema. Foto: Marc Dourojeanni

“há políticos locais que preferem o parque eólico, apesar dele ser incompatível com a passagem destas aves.”

Existe, por exemplo, muita preocupação com a interferência que poderia ter a instalação de um campo de modernas turbinas eólicas na região de Urupema, serra catarinense, onde seguramente interfeririam com a migração anual do papagaio-charão (Amazona pretrei) que se concentra precisamente nesse lugar. Trata-se de um dos maiores espetáculos mundiais de vida silvestre, que se fosse mais difundido e melhor conhecido faria de Urupema um foco internacional de atenção turística. Além do local mais frio do país, Urupema é uma região dotada de grande beleza natural. Além do fenômeno da concentração do papagaio-charão, essa região também possui uma população importante do papagaio de peito roxo (Amazona vinacea) igualmente ameaçado de extinção. No entanto, há políticos locais que preferem o campo eólico, apesar dele ser incompatível com a passagem destas aves. Os parques eólicos ora desejados podem estar em qualquer outro local da mesma serra, onde já existem muitos outros.

Danos à paisagem e ocupação de terra

Campo eólico sobre laranjeiras no sul da Espanha. O impacto visual é muito forte. Foto: Marc Dourojeanni
Campo eólico sobre laranjeiras no sul da Espanha. O impacto visual é muito forte. Foto: Marc Dourojeanni

“é importante que a localização das turbinas seja sempre bem estudada, evitando instalá-las em locais que afetam paisagens naturais ou históricas protegidas.”

Não se pode negar o enorme impacto visual dos parques eólicos sobre a paisagem e pode ser visto à grande distância. Há gente que gosta de vê-los e outros não se incomodam com sua presença. Mas, a maioria não os suporta e os considera uma agressão intolerável ao entorno. Por isso é importante que a sua localização seja sempre bem estudada, evitando instalá-los em locais que afetam paisagens naturais ou históricas protegidas. Em qualquer caso, a sua instalação deve passar pela aprovação prévia da população local mediante consulta pública.

A geração de energia eólica ocupa áreas extensas. Estima-se que requeira entre 12 e 50 hectares em terra, e até mais no mar, para gerar um megawatt de energia. Isso depende, claro, do vento disponível, dos modelos de turbinas e da sua eficiência. Mas, as atividades econômicas podem continuar sob elas, o que facilita encontrar espaço para instalá-las. Com frequência, esquece-se que a energia gerada nos parques eólicos, assim como a hídrica, deve ser transportada até o local de consumo, e a rota mais curta pode interferir seriamente em Unidades de Conservação ou outras terras que devem ser preservadas. Este é outro tema a considerar quando se estuda a exploração de campos eólicos, pois desviar de áreas protegidas pode elevar muito os custos do transporte e atravessá-las pode ser ainda pior.

Alterações no Microclima

“Constatou-se também que plantas e animais são afetados pela interferência das turbinas na continuidade da luz”

Estudos demonstraram que as turbinas eólicas modernas interferem no microclima e há chance de afetar plantações no entorno. O efeito é capaz até ser positivo, pois de noite podem aumentar a temperatura e de dia reduzi-la, porém mudam a humidade relativa. Constatou-se também que plantas e animais são afetados pela interferência das turbinas na continuidade da luz, cujas consequências não estão bem definidas. O som de baixa frequência e suas vibrações geram um impacto em animais e pessoas ainda em debate, porque não parecem afetar por igual a todos e nem em todos os casos. Fala-se inclusive de uma “síndrome de turbinas eólicas”, que inclui dor de cabeça e insônia entre seus efeitos. Por fim, cabe mencionar que, embora sem justificativa, muita gente acredita que as turbinas eólicas são um perigo para os moradores próximos. É óbvio ser desejável que os parques eólicos fiquem longe de populações humanas residentes.

A soma de todos os impactos ambientais negativos do uso da energia eólica não supera nem fica sequer perto das suas vantagens ambientais. Ganha de longe em qualquer comparação com a energia hídrica, a qual requer barragens e lagos artificiais que ocupam largas extensões de terra fértil e deterioram drasticamente a vida aquática, dentre outros riscos e do custo mais alto. A energia eólica também é obviamente menos impactante do que a geração de energia térmica, nuclear ou derivada de biomassa que implica destruir e contaminar ecossistemas naturais. Ela só é ambientalmente comparável à geração de energia solar ou a geotérmica. Ou seja, é necessário aprender a conviver com os campos eólicos, tal como foi feito na Europa durante séculos, com os velhos moinhos de vento.

Não obstante, como toda atividade econômica, a expansão do uso da energia eólica deve respeitar limites. Devem-se continuar as pesquisas em busca de alternativas de geração ainda menos impactantes do que as atuais, embora elas sejam toleráveis. Por enquanto, seus promotores devem ser muito cuidadosos com a localização dos parques eólicos que vão explorar, para evitar danos injustificáveis como seria o caso da migração do papagaio-charão. A intenção de instalar um grande empreendimento de energia eólica em Urupema será um teste importante para as boas relações entre a energia eólica e o ambiente no Brasil.

 

 

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Comentários 1

  1. Nêmora diz:

    Oi Marc,
    Já havia lido a sua matéria na ocasião, mas agora relendo gostaria de parabenizá-lo pela propriedade como abordou este tema tão preocupante para a fauna silvestre. Estamos passando pela mesma situação agora em Palmas no Paraná onde está previsto a instalação de aerogeradores muito próximo ao Refúgio de vida Silvestre Campos de Palmas (que incoerência). Nesta região simplesmente registramos a quarta parte da população de Amazona vinacea para o Brasil.
    Um abraço
    Nêmora Pauletti Prestes