Foi com imensa perplexidade e tristeza que recebemos a notícia do falecimento do Gustavo Fonseca, expoente da conservação da biodiversidade em nível global. Perdemos um profissional excepcional, que dedicou a sua vida a criar oportunidades para todas as pessoas, sendo elas próximas ou não a ele.
O que pode ser dito sobre a grande carreira profissional do Gustavo em poucas linhas?
É impossível fazer isso mas, aqui, destacamos algumas de suas muitas contribuições.
Gustavo era biólogo formado pela Universidade de Brasília, com mestrado e doutorado na Universidade da Flórida, sob a orientação do Dr. John Robinson. Quando retornou ao Brasil, colocou em prática seus conhecimentos e graças à sua privilegiada mente, já tinha a visão do que seria o início de uma importante fase da Conservação Biológica no Brasil. Como professor contratado pela Universidade Federal de Minas Gerais, atraído pelos professores Célio Valle e Ney Carnevalli, foi o mentor da criação do Curso de Pós-graduação em Ecologia, Conservação e Manejo de Vida Silvestre. O curso contou com o importante apoio do U.S. Fish and Wildlife Service, que bancou várias dissertações e teses dos alunos. Ajudou a formar muitos mestres e doutores que hoje atuam em universidades, instituições públicas e organizações não governamentais no Brasil e no exterior. Ajudou a criar a Fundação Biodiversitas que iniciou suas atividades graças a uma doação obtida por ele junto à Fundação MacArthur.
Diante da necessidade de avançar além do limites da academia para fortalecer a conservação no país, em pouco tempo passou a atuar na ONG Conservation International. Inicialmente como Presidente para o Brasil, e logo em seguida foi galgado para o nível internacional. Ajudou, juntamente com Peter Seligman, a Conservation International a obter uma excepcional doação da Fundação Betty e Gordon Moore e criou o Centro para a Ciência Aplicada à Biodiversidade (CABS). Sob a sua coordenação, contratou os melhores cientistas em biologia para a conservação, que ajudaram a criar importantes iniciativas, como o Programa de Inventários Rápidos – RAP. Junto com Russel Mittermeier e Norman Myers, participou da criação do conceito de hotspots de conservação da biodiversidade, uma abordagem mundialmente utilizada para a definição de prioridades de conservação. Nesse período, publicou dezenas de artigos nas mais prestigiadas revistas internacionais, como Science e Nature.
Devido a uma exigência burocrática do Brasil, teve de deixar a Conservation International. Mas, o destino lhe ofereceu uma importante posição no Global Environment Fund (GEF), onde passou a definir as políticas de aplicação dos recursos destinados à conservação da biodiversidade em vários países no mundo.
Foi agraciado com vários prêmios ao longo da carreira, em particular a Ordem da Arca de Ouro, concedida pelo governo da Holanda em reconhecimento à sua atuação em prol da conservação da biodiversidade.
Gustavo deixa uma lacuna difícil de ser preenchida na conservação global da biodiversidade, porque ele combinava um grande conhecimento sobre o tema, tinha uma mente sagaz e uma incrível visão geral dos problemas, sempre propondo uma estratégia lógica para as soluções. Mesmo aqueles que tinham diferentes abordagens para a conservação da biodiversidade reconhecem a enorme contribuição do Gustavo para a formação de profissionais, fortalecimento de instituições e aperfeiçoamento de políticas de conservação.
Fique em paz Gustavo, e obrigado por ter passado por nossas vidas e pelas contribuições seminais para o desenvolvimento da Conservação no Brasil e toda uma geração de novos profissionais.
*Texto endossado pela Coalizão Ciência e Sociedade.
As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.
Leia também
O legado de Thomas Lovejoy para a ecologia brasileira
Falecido em dezembro, Lovejoy concebeu o que viria a ser o mais duradouro experimento ecológico realizado até hoje em florestas tropicais →
Pantanal sob a ótica de Theo Allofs
Theo Allofs presenteia-nos com fantásticas imagens de animais e da cultura do Pantanal, num olhar apurado de estrangeiro que soube como poucos garimpar as belezas do nosso país. →
Pés pelas mãos
O mercado de carbono, visto como uma boa oportunidade no combate às mudanças climáticas, pode ser um incentivo a mais para o desmatamento. Quem diz isso é um artigo acadêmico publicado na revista eletrônica PloS Biology e liderado pelo brasileiro Gustavo Fonseca. Reportagem da Folha de São Paulo conta que o mercado é uma boa →