Análises

O Brasil na vanguarda da sustentabilidade global

A Presidência brasileira propôs uma nova abordagem para a discussão da emergência climática e pautou a bioeconomia na esfera global

João Paulo Capobianco · André Aquino ·
21 de outubro de 2024

O ano de 2024 apresentou evidências alarmantes dos impactos que as mudanças climáticas trarão. O Brasil enfrentou uma enchente histórica na região Sul, que afetou diretamente 2,1 milhões de pessoas, e uma seca de proporções igualmente históricas nos biomas Amazônia e Pantanal, que isolou comunidades e cidades e provocou incêndios de enormes proporções. A situação não é diferente no cenário global, alertando a todos sobre os efeitos que temperaturas médias 1.5 °C acima de níveis pré-industriais podem trazer para a humanidade. A crise climática, somada às demais crises ambientais em curso (biodiversidade, desertificação, poluição), demanda ações ambiciosas e urgentes, que os países integrantes do G20 devem liderar.

A Presidência brasileira do G20 colocou o tema da sustentabilidade ambiental e climática no centro do debate. O Brasil conclamou as nações do G20, que representam mais de 80% da economia mundial e quase 80% das emissões globais de gases de efeito estufa (GEE), a liderarem os esforços de transição para uma economia sustentável e o combate das múltiplas crises ambientais em curso. Essa transição engloba esforços para a redução das emissões de GEE, o aumento da capacidade de adaptação e resiliência à emergência climática e a conservação, uso sustentável e restauração dos recursos naturais, como as florestas, oceanos e outros ecossistemas.

Alinhados com a prioridade do G20 de combate à fome, pobreza e desigualdade, as discussões da pauta ambiental e climática enfatizaram a inclusão social. Na gestão de resíduos sólidos, por exemplo, foram apresentadas nas discussões de plenária e diálogos as boas práticas de inclusão social e produtiva de catadores e catadoras que vêm sendo adotadas no Brasil. Em Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), foi destacado o papel central dos povos indígenas e comunidades tradicionais na proteção dos ecossistemas, serviço que precisa ser reconhecido e devidamente remunerado. No debate sobre oceanos, houve consenso de que as ações de proteção devem ser incluídas nos planos nacionais de clima e nas metas nacionalmente determinadas (NDCs) dos países, com a devida participação de populações costeiras, muitas vezes em situação de vulnerabilidade. Finalmente, o foco em financiamento para adaptação reforçou a urgência de reorientação das finanças climáticas para os países mais vulneráveis do Sul Global, reforçando o compromisso com a justiça climática.

O aumento do financiamento à transição para a economia verde também foi debatido, abordando propostas concretas de mecanismos inovadores para mobilizar recursos públicos e privados em escala. Entre eles, está o Fundo de Florestas Tropicais para Sempre, uma iniciativa para gerar financiamento previsível em grande volume oriundos principalmente de setor privado, incluindo de fundos de investimento, de pensão, entre outros, para a conservação das florestas tropicais por meio de pagamentos por resultados aos países tropicais que mantêm suas florestas. As “plataformas-país” para a coordenação e disponibilização de finanças de diversas fontes para a transição climática também foram discutidas.  O governo brasileiro acelerou o desenho de uma plataforma-país para mobilizar recursos domésticos e internacionais, privados e públicos para investimentos nos setores de natureza, indústrias verdes e transição energética.

A Presidência brasileira propôs uma nova abordagem para a discussão da emergência climática e pautou a bioeconomia na esfera global. A Força-Tarefa de Clima reuniu, de forma inédita, ministérios de Finanças, Meio Ambiente e Relações Exteriores e Bancos Centrais na identificação de políticas e mecanismos financeiros necessários para fazer frente à emergência climática. Foram discutidas propostas de reformas dos bancos multilaterais de desenvolvimento para que esses aumentem os fluxos financeiros destinados à transição climática e natureza. Discutiu-se, também, a revisão de regras do setor financeiro, como aquelas que regem bancos centrais e comerciais e seguradoras, a fim de garantir a inclusão de riscos climáticos e ambientais nas decisões desses agentes. No âmbito da Iniciativa Global de Bioeconomia, tema pautado pela primeira vez no G20, foi abordado o uso sustentável da biodiversidade, incluindo o manejo sustentável de florestas e oceanos, pesquisa e inovação, além do papel do conhecimento tradicional nos processos produtivos e manutenção dos serviços ecossistêmicos.

O Brasil estabeleceu uma ponte entre o G20 e a COP30 da Convenção de Clima (UNFCCC). A Presidência brasileira enfatizou: (i) a responsabilidade do G20 em aumentar o financiamento climático disponível – o que contribui para as novas metas quantificáveis coletivas esperadas para a COP29, no Azerbaijão; (ii) o aumento da ambição na ação climática – o que contribui para a revisão das NDCs, esperadas para a COP30 em Belém; e (iii) o papel da natureza na ação climática, em particular dos oceanos e florestas tanto para adaptação (como o papel central dos mangues em zonas costeiras) quanto para a mitigação (como o papel central das florestas em armazenar carbono). Reforçou, ainda, a urgência de mais financiamento para criar capacidade de adaptação às mudanças climáticas, chamando atenção para os efeitos já sentidos globalmente, com consequências humanitárias e materiais catastróficas, dada a baixa capacidade de resiliência dos países com níveis menores de desenvolvimento.

A pauta ambiental e climática foi tratada de maneira transversal na Presidência brasileira do G20. O tema clima foi debatido em mais de 12 grupos de trabalho (das Trilhas Financeira e Sherpa), desde a Aliança Global contra a Fome – que enfatizou a necessidade de fortalecimento da resiliência na agricultura para a produção de alimentos ou a proposta de cadeias de valores mais curtas para a redução de emissões – até os grupos técnicos sobre infraestrutura e o de prevenção de desastres –  que trataram das melhores práticas para construções resilientes. A Força-Tarefa Clima sintetizou e apresentou os trabalhos de todos esses grupos para fortalecer a coordenação e dar maior coerência ao debate.

Em conclusão, a Presidência brasileira do G20 permitiu avançar a agenda da transição climática e conservação e restauração da natureza de maneira global e nacional. O desafio é enorme e requer ações decisivas, ambiciosas e colaborativas entre as nações. Os esforços do Brasil devem ser continuados no G20 e em outros fóruns como a COP de clima. Como parte da Troika do G20, o Brasil dará apoio à Presidência da África do Sul em seus esforços de continuar as deliberações da presidência brasileira. O Brasil também continuará a levar os temas debatidos no G20 para o BRICS, presidido pelo Brasil em 2025, e para a COP30 da Convenção de Mudanças Climáticas (UNFCCC).

O tempo de agir de maneira ambiciosa é agora, e o Brasil continuará a usar sua liderança global para acelerar a transição climática, e a conservação e restauração da natureza de modo a garantir o bem-estar da humanidade, e a continuidade da economia global.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • André Aquino

    Diretor de Fomento Florestal do SFB e Coordenador Técnico do G20.

Leia também

Colunas
17 de julho de 2024

O Brasil poderá colocar definitivamente o oceano na agenda global do G20

O protagonismo brasileiro durante a presidência do G20, em meio à Década do Oceano da ONU, deve ser aproveitado até a última gota

Reportagens
5 de julho de 2024

Coordenadas por brasileira, academias de ciências do G20 recomendam ações em cinco áreas críticas

Organizações sugerem que as maiores economias adotem ações em inteligência artificial, bioeconomia, transição energética, desafios à saúde e justiça social

Notícias
19 de junho de 2024

Coletivos de jovens repudiam falta de participação em evento preparatório do G20, em Belém

Para ativistas, como resultado das falhas de organização oficial do evento, houve pouca representatividade de jovens em plenárias realizadas esta semana na capital paraense

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.