O acordo de Kumming-Montreal estabelecido em 2022 por 196 países, visando reverter e cessar a perda da biodiversidade até 2030, buscando permitir que o mundo viva em harmonia com a natureza, não apresenta uma correspondência positiva com a evolução das negociações subsequentes, incluindo a recente COP-16, em Cali, na Colômbia. O cenário não se difere com o que pode ser observado com as Conferências do Clima, embora mais consistentes em termos de magnitude de ações: seguem sendo insuficientes para permitir a redução de emissões demandada para frear os avanços relacionados com o aquecimento global.
Um dos desafios presentes, que conta com significativa força, é a aproximação dessas iniciativas, Clima e Biodiversidade, uma vez que são agendas muito convergentes e que não deveriam estar, como até hoje ocorre, dissociadas. Os efeitos das mudanças climáticas atuam de forma crítica no que se refere à aceleração da perda da biodiversidade. Enquanto, de outra parte, a continuidade no avanço da degradação de áreas naturais em todo o planeta representa um fator de extrema relevância no incremento das emissões e nos efeitos dramáticos das alterações climáticas. Essa aproximação, no entanto, ainda permeia apenas um posicionamento de parte dos atores envolvidos.
A razão da obstrução das negociações ocorrida ao final da COP-16 teve como ponto fundamental a falta de um entendimento no que se refere ao compromisso de aportes de recursos dos países desenvolvidos para a efetivação dos planos nacionais para o enfrentamento da perda da biodiversidade. A crônica falta de investimentos para garantir a conservação de áreas naturais não é uma novidade, ao mesmo tempo em que a existência de indicadores qualificados para que essas ações pretendidas tenham sucesso parecem ainda não estar suficientemente alinhadas, pelo menos, no que tange a argumentação dos potenciais financiadores envolvidos.
O dilema da falta de definição de um real enfrentamento de questões de âmbito planetário, como Clima e Biodiversidade, fica ainda mais exacerbado em função do pouco tempo ainda disponível, e que começa a escassear rapidamente. Os eventos extremos e a flagrante falta de resiliência da maioria das regiões do mundo para absorver o “novo normal” que está sendo incorporado em nosso dia a dia, pressiona para uma tomada de posições que, agora, precisam ter como premissa um avanço muito mais acelerado e nas proporções que, efetivamente, gerem uma mudança de cenário.
Embora as negociações durante essas conferências sejam extremamente complexas e envolvam interesses, muitas vezes, incompatíveis, está evidente que o empenho do conjunto dos países envolvidos nesse desafio é ainda insuficiente para a geração de uma agenda virtuosa que priorize um objetivo maior do que as demandas próprias e, em geral, imediatistas.
É evidente que um amparo financeiro robusto para países considerados “em desenvolvimento” é um ponto fundamental para o encadeamento de ações mais determinadas para proteger os 30% de áreas naturais e sua biodiversidade em todo o planeta. No entanto, nem os países ricos nem os países demandadores de recursos, em boa parte, têm dado uma demonstração mais efetiva de que estão realmente determinados a gerar alterações em seus modelos de desenvolvimento.
Nessas conferências, enquanto as negociações oficiais ocorrem de forma isolada, um infindável conjunto de iniciativas ocorre no que se denomina de “eventos paralelos”, ou seja, não oficiais, presentes em todas as COPs. Não foi diferente do que se observou em Cali nos últimos dias. Um dos pontos bastante relevantes foi a presença de corporações privadas, estimadas em 3 mil, nesta edição da conferência. O dobro do que foi observado na COP-15, em Montreal. Também foi bastante intensa a agenda relacionada com as comunidades indígenas e tradicionais, amplamente representadas e exercendo um papel de pressão importante, embora não necessariamente efetivo, sobre os representantes dos diferentes países nas negociações oficiais.
É interessante observar que muitas das corporações presentes na COP-16 seguem a cartilha do passado, insistindo em apresentar e discutir suas agendas convencionais de gestão ambiental corporativa. Seguem confundindo o que representam suas obrigações básicas e necessárias para diminuir seus impactos ambientais com a agenda da conservação. Portanto, não apresentam nenhuma aderência a ações adicionais e qualificadas voltadas efetivamente à conservação da biodiversidade. É compreensível a coordenação da COP flexibilizar a aprovação de conteúdos para permitir a presença de mais corporações, uma expectativa nunca alcançada nas conferências iniciais de biodiversidade. No entanto, as continuadas retóricas sem consistência geram uma sensação de atraso e descompromisso que já deveriam estar superadas.
Como exceção, muitas corporações já deram um passo à frente e demonstram um entendimento mais maduro e consistente em relação ao que representa a missão dessas conferências: incorporar o valor da natureza aos negócios deve ser uma agenda a ser amplamente difundida entre as atividades econômicas, em todo o mundo. Do mais simples e pequeno negócio, até as grandes corporações multinacionais, é de crucial importância permitir um entendimento de que todos usam a natureza para fazer realizar suas atividades econômicas. Esse entendimento representa um avanço fundamental para garantir investimentos privados, adicionais e voluntários, na agenda diretamente relacionada à conservação da biodiversidade.
Foram muito valiosas as várias contribuições ocorridas durante a COP-16 nesta direção, ressaltando-se, como iniciativa brasileira, mas já com posicionamento global, a presença do Life Institute, e de um conjunto de corporações já aderentes a aplicação de metodologia, que incorpora a conservação da biodiversidade à gestão ambiental corporativa, na proporção do impacto não mitigável de cada atividade econômica.
A adesão de empresas à Certificação LIFE e a possibilidade de áreas naturais conservadas serem provedoras de Créditos de Biodiversidade abrem uma condição extremamente importante para integrar os negócios, de forma mensurável e qualificada, à agenda dos governos, na luta pela conservação.
De outra parte, mostra-se bastante presente nas COPs a discussão sobre a garantia de manutenção em condições adequadas de comunidades indígenas a tradicionais nos territórios que ocupam. É amplamente reconhecida a importância desses grandes espaços territoriais como um dos suportes para garantir a manutenção da biodiversidade, juntamente com as diferentes categorias de Unidades de Conservação, distintas em cada país, numa conjunção de mosaicos em que o uso de territórios permita uma efetiva proteção das espécies nos diversos biomas de todo o planeta.
Neste particular, assim como ocorre em outras atividades que se posicionam como positivas em relação à conservação da biodiversidade, é preciso que existam indicadores cada vez mais refinados em relação à efetiva constatação de que os resultados esperados estão sendo obtidos. Menos aparente na COP-16, talvez pela supremacia da presença de empresas de representantes das mais variadas comunidades indígenas e tradicionais, estão os representantes da ciência, responsáveis pela definição de prioridades e avaliação dos resultados das diferentes frentes voltadas à conservação. São essenciais os direcionamentos que apontem para as medidas mais relevantes a serem colocadas em prática, em especial no que se refere a espécies e ambientes naturais criticamente ameaçados.
Assim como em qualquer desafio, o conhecimento com base no amparo técnico-científico (e, também, o conhecimento tradicional) deve ser a base fundamental para o direcionamento de investimentos estratégicos para o alcance de um objetivo específico, como garantir a conservação da biodiversidade. Devemos admitir que não é apenas a falta de recursos, cujo aporte adequado segue sendo protelado pelas seguidas Conferências da Biodiversidade, que impede avanços nesta agenda tão complexa.
A pretensão do acordo estabelecido para 2030 nas COPs de Biodiversidade é oficial e segue valendo. Mas seu alcance não parece estar mais próximo do que em anos passados. O tempo é curto, os entendimentos entre os países pouco avançam e os prejuízos sociais e econômicos decorrentes desta inefetividade estão escalando fortemente, em ritmo previsto, mas não incorporado com seriedade devida por toda a sociedade.
Se quisermos, realmente, enfrentar com sucesso a crise climática e a da biodiversidade, agora a pressa para ações na escala necessária é um fator determinante. Aliada ao respeito às prioridades, com a aplicação de indicadores consistentes e um comportamento voltado ao bem-estar global e não apenas o de cada país ou de grupos setoriais, quaisquer que sejam, são parte indissociável da solução.
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