A região dos Campos Gerais do Paraná é, segundo Wachowicz, “uma estreita e alongada faixa de terras no segundo planalto paranaense, formada de campos e entremeada de pequenos bosques de matas, que se estende de Jaguariaíva até a margem direita do rio Negro”. Essa região é conhecida praticamente desde os primeiros tempos da colonização do país, uma vez que foi percorrida por expedições em busca de metais preciosos e também por expedições a caminho do Paraguai, e do Paraguai em direção a São Paulo.
Talvez uma das melhores descrições do que é a região dos Campos Gerais, no que se refere a sua paisagem, seja a que foi feita por Auguste de Saint-Hilaire:
“Os Campos Gerais, assim chamados devido a sua vasta extensão, não constituem uma comarca nem um distrito. Trata-se de um desses territórios que, independentemente das divisões políticas, se distinguem em qualquer região pelo seu aspecto e pela natureza de seus produtos e de seu solo; onde deixam de existir as características que deram à região um nome particular – aí ficam os limites desses territórios. Na margem esquerda do Itararé começam os Campos Gerais, região muito diversa das terras que a precedem do lado do nordeste, e eles vão terminar a pouca distância do Registro de Curitiba, onde o solo se torna desigual e as verdejantes pastagens são substituídas por sombrias e imponentes matas. Esses campos constituem inegavelmente uma das mais belas regiões que já percorri desde que cheguei à América; suas terras são menos planas e não se tornam tão monótonas como as nossas planícies de Beauce, mas as ondulações do terreno não chegam a ser tão acentuadas de maneira a limitarem o horizonte. Até onde a vista pode alcançar, descortinam-se extensas pastagens; pequenos capões onde sobressai a valiosa e imponente araucária surgem aqui e ali nas baixadas, o tom carregado de sua folhagem contrastando com o verde claro e viçoso do capinzal. De vez em quando apontam rochas nas encostas dos morros, de onde se despeja uma cortina de água que vai se perder no fundo dos vales, uma numerosa quantidade de éguas e bois pastam pelos campos e dão vida à paisagem, vêem-se poucas casas, mas todas bem, cuidadas, com pomares plantados de macieiras e pessegueiros. O céu ali não é tão luminoso quanto na zona dos trópicos, mas talvez convenha mais à fragilidade da nossa vista (…) depois de tudo o que acabo de dizer, vê-se que não foi sem razão que apelidei os Campos Gerais de paraíso terrestre do Brasil”.
As primeiras ocupações desta região (início do século XVIII) foram feitas por homens vindos de São Paulo, Santos e Paranaguá, sem o caráter de colonização e povoamento. Para obter uma propriedade nos Campos Gerais, o interessado mandava um preposto seu, acompanhado de dois ou três escravos. Escolhiam uma paragem que lhes agradassem e ali soltavam algumas cabeças de gado bovino e cavalar. Alguns anos mais tarde, alegando posse, o proprietário requeria a sesmaria. As propriedades possuíam entre quatro a oito mil alqueires paulistas (24.200m2).
A produção de gado, nessas fazendas, sustentava a economia mineradora das Minas Gerais mas, em virtude do aumento da mineração, o gado dos Campos Gerais e dos Campos de Curitiba passaram a ser insuficientes para sustentar as necessidades cada vez mais crescentes das Minas Gerais que, desta forma, encontrava-se dependente em grande escala do boi e do cavalo (os muares em primeiro lugar), para transportar o ouro ao porto do Rio de Janeiro e, de lá, receber as cargas que importava. Além do que, o gado era necessário também para a alimentação. A solução encontrada foi buscar no Rio Grande do Sul o gado para o abastecimento da região mineradora.
O Caminho das Tropas, (Estrada da Mata ou ainda o Caminho de Viamão), intensificou cada vez mais o desenvolvimento de uma economia pecuária na região dos Campos Gerais. Pode-se balizar a data de início do movimento das tropas como sendo a partir de 1731 até meados de 1870. As tropas que passaram a percorrer esse caminho eram provenientes não só do Rio Grande do Sul, mas também das Missões, de Corrientes, do Uruguai, do Paraguai, com um único destino: a Feira de Sorocaba, onde ocorria o comércio do gado. Com a passagem do Caminho no território dos Campos Gerais, aumentaram as fazendas, muitas desmembradas das primeiras sesmarias e outras surgindo com o objetivo único de criar ou invernar o gado vindo do sul. Destaca Padis (1981, p. 22):
“Merece destaque o Caminho das Tropas que, de sua penetração, subseqüente tomada do território e ulterior estabelecimento de aglomerados populacionais, resultaram várias cidades do Paraná Velho. Com efeito, ligando os centros criadores – localizados no Rio Grande do Sul – ao principal mercado pecuário da época – Sorocaba – esse caminho atravessou o Paraná, criando condições para o aparecimento de várias povoações, como Itararé, Jaguariaíva, Parai do Sul, Castro, Ponta Grossa, Lapa, entre outras. A história destas cidades é a mesma de tantas outras, espalhadas pelo país (…)”.
Com efeito, “eram primitivamente lugares de pouso e currais de descanso e invernadas de gado” (MARTINS, s/d, p. 95) e “enfileiram-se uma após a outra, tais como as contas de um colar, ao longo de sua rota. Cada cidade está separada uma da outra por uma distância que corresponde a um dia de viagem do tropeiro” (WACHOWICZ, 1988, p. 102).
A sociedade que se organizou com a ocupação deste espaço, no início do século XVIII, e que entrou em decadência no final no final do século XIX, pode ser classificada como sociedade tradicional campeira, que se dedicava à criação e comércio de gado. Essa sociedade caracterizou-se por ser patriarcal, baseada no latifúndio e tendo como atividade econômica principal o criatório e, posteriormente a invernagem, com muitos fazendeiros dedicando-se ao tropeirismo. (BALHANA, 1969).
A sociedade campeira assentava-se em extensa família patriarcal fazendeira, no trabalho escravo e nas relações mantidas com “agregados” – residentes nas terras das fazendas – exercendo funções variadas, como capatazes e vigilantes do gado. Com o término da escravidão, os negros libertos migraram, em grande parte, para as cidades e foram os “agregados” que substituíram a mão-de-obra escrava nas fazendas.
Além dos “agregados”, que assumiram diversas funções antes realizadas pelos escravos, foi importante o aumento demográfico decorrente da entrada de imigrantes, bem como das atividades exercidas por eles. Os imigrantes, além de virem para trabalhar nas fazendas de café em São Paulo, organizaram colônias em várias regiões do Brasil. No Paraná, a imigração esteve relacionada à necessidade de formar uma agricultura de abastecimento para os centros urbanos que se expandiam e melhorar a qualidade técnica dos trabalhos agrícolas.
A partir de 1877, imigrantes russos-alemães estabeleceram-se na Colônia Octávio, na região dos Campos Gerais, subdividida em 17 núcleos coloniais. Posteriormente ocorreu a imigração de poloneses, alemães, italianos e outras nacionalidades, sendo que o processo imigratório não ficou restrito à organização de colônias, mas também contribuiu com o estabelecimento de atividades comerciais, por parte de imigrantes, nos centros urbanos em expansão.
Assim, o crescimento dos núcleos urbanos, também influenciado pelas imigrações no final do século XIX, fortaleceu as atividades comerciais e a decadência do tropeirismo no sul do Brasil, acontecimentos estes relacionados com as transformações na estrutura socioeconômica em caráter nacional.
Essas transformações dizem respeito, em um primeiro momento, ao contexto da economia ervateira e madeireira e, em um segundo momento, à conjuntura da economia cafeeira que substituiu, em importância econômica, o criatório e a invernagem. Ao mesmo tempo, a entrada das ferrovias desvalorizou e acabou substituindo o muar como meio de transporte, provocando a decadência, não só do tropeirismo enquanto atividade econômica, mas da própria sociedade campeira.
A ferrovia teve papel decisivo no processo de crescimento econômico do Paraná, seja pela interligação de suas várias regiões, incrementando as atividades comerciais regionais, seja pela sua importância enquanto elemento fomentador do processo de urbanização das cidades por ela servidas direta ou indiretamente, pois empregos foram gerados e a vida comercial reativada. Dessa forma, “tudo isso fez com que aumentasse a vinda de imigrantes e também de migrantes de outras regiões. Sabe-se que, com a desagregação da sociedade campeira, em função do término da rota das tropas, muitas cidades que surgiram de um pouso de tropeiro entraram em crise econômica”, com muitos desses habitantes “fugindo da falta de perspectivas em suas cidades, migravam para esta região”. (DROPA, 1999, p. 221).
Esses aspectos históricos dos Campos Gerais deixaram elementos referenciais em muitos locais da região, podendo ser vistos especialmente nas cidades de hoje, que já foram pousos tropeiros, que se desenvolveram ou começaram pela ferrovia, ou ainda as que guardam características dos imigrantes. Estes patrimônios se constituem em um potencial privilegiado no que se refere às possibilidades para a atividade turística e a reflexão sobre o binômio Turismo e comunidade. Nesse sentido, as possibilidades são inúmeras, seja no que refere à religiosidade, ao patrimônio edificado, gastronomia, patrimônio natural, imaterial dentre outros.
No que se refere aos Campos Gerais o que delimita essa região são aspectos geográficos e o processo de desenvolvimento histórico, seja no que diz respeito ao tropeirismo enquanto atividade econômica, a urbanização das cidades por influência da ferrovia, ou ainda ao processo imigratório.
Seguindo o trajeto do Caminho das Tropas destacamos alguns locais que possuem potenciais significativos, tanto do ponto de vista natural quanto cultural. Alguns desses locais fazem parte do conjunto de organismos governamentais que já estão investindo na atividade turística, vista como possibilidade arrecadação de divisas e geração de empregos, e também como estratégia de educação/sensibilização das comunidades para a preservação e conservação dos atrativos.
No município da Lapa a preservação do Patrimônio Histórico Edificado e Natural conseguiu segurar traços e vestígios de momentos históricos marcantes, como as peregrinações na Gruta do Monge João Maria que retratam uma religiosidade popular que marca a cultura religiosa nos Campos Gerais, atraindo inúmeros visitantes em qualquer época do ano, destacando-se a influência da mística do Monge, que poderia ser trabalhada com a “Rota do Monge”, envolvendo as cidades percorridas pelo mesmo e tendo como fonte de referência os famosos “olhos d’ água” que o Monge santificava por onde passava, que até a atualidade são visitados por fiéis que buscam dessas águas, consideradas milagrosas, bem como para batizar crianças nesses locais.
No município de Palmeira, outro local marcado pela presença do tropeirismo, da ferrovia e da economia ervateira, de grande importância. Além de que, recantos naturais como O Santuário do Senhor Bom Jesus do Monte, o Recanto do Rio dos Papagaios, demonstram a consciência da população na preservação ambiental e no respeito ao atendimento ao turista.
O Santuário Bom Jesus do Monte, localizado na comunidade de Vieiras, a 41 quilômetros da sede municipal, se constitui em um rico patrimônio natural e cultural religioso, pois retrata a devoção do senhor Bento Luiz da Costa, que construiu 14 capelas pequenas entre as décadas de 1930 e 1960, todas em pedra, e o seu conjunto forma um cruzeiro em uma paisagem deslumbrante.
O Município de Ponta Grossa, com as mesmas características históricas de outros municípios da região apresentam um potencial turístico vinculado ao Patrimônio Histórico, e por sua vez, o Patrimônio Natural é de extrema beleza, como o Parque Estadual de Vila Velha, formado por três grandes complexos turísticos como: Os Arenitos, Lagoa Dourada e Furnas. Chama atenção também, o Buraco do Padre – local de beleza singular, constituído de um anfiteatro subterrâneo, onde jorra uma cascata de aproximadamente 30 metros de altura. Quedas d’água, rios e cascatas se destacam na região do Distrito de Itaiacoca, como a Cachoeira de São Jorge e a região do Capão da Onça. Outro grande destaque turístico é a região do Alagados, situado a 20 quilômetros do centro da cidade. Outras alternativas turísticas são as fazendas que desenvolvem o Turismo Rural, bem como atividades vinculadas ao Ecoturismo.
Outro potencial turístico dos Campos Gerais é o Município de Castro, rico por preservar seu patrimônio histórico e natural. Também vinculado à história do tropeirismo, um ponto digno de visitação é a sede da Fazenda Capão Alto, com sua casa central construída em taipa de pilão, umas das únicas do gênero no Paraná. Em Castro existem potenciais turísticos naturais, destacando-se grutas, rios e cachoeiras, Colônia de Terra Nova, Salto da Cotia, Rio Iapó, entre outros. Grande atenção e interesse turístico merece o Parque Estadual Canyon do Guartelá, que se situa entre a divisa dos municípios de Castro e Tibagi, constituindo-se no 6º maior Canyon do mundo em tamanho.
O município de Tibagi oferece, aos apaixonados pela natureza, inúmeras opções de recreação, lazer e contemplação. Tesouros turísticos podem ser visitados, como: Saltos Santa Rosa, do Peludo, do Paraíso entre outros. Também como atrativo destaca-se o Canyon do Guartelá, com suas cachoeiras, cascatas, grutas e sítios arqueológicos.
Por sua vez, o Município de Jaguariaíva é outra possibilidade turística na Região dos Campos Gerais.Tem sua origem também vinculada ao Caminho das Tropas e é conhecida como o Portal do Norte Pioneiro. Destacam-se os potenciais turísticos vinculados ao Patrimônio Natural, tais como: Cachoeira do Véu da Noiva, a escarpa conhecida como a Santa do Paredão, Buracão de Santo Antonio e até o Rio das Mortes com corredeiras, cascatas e piscinas naturais. Inaugurado em 2001, o Parque do Cerrado abriga uma rica fauna e flora.
Outros locais poderiam ainda ser citados, como Piraí do Sul, São João do Triunfo, Carambeí, Arapoti, Ortigueira, Sengés, Curiúva, municípios que possuem um rico acervo histórico-cultural e natural.
Assista a live sobre os Caminhos Históricos que ocorreu na última terça-feira (24/11):
*Márcia Maria Dropa é professora aposentada da Universidade Estadual de Ponta Grossa, com atuação em patrimônio cultural local e estadual
Referências bibliográficas:
BALHANA, A. P. et al. História do Paraná. Curitiba:Grafipar, 1969, v. 1.
DROPA, M. M. A memória do patrimônio histórico tombado em Ponta Grossa – Paraná (Dissertação Mestrado – Faculdade de Ciências e Letras de Assis), 362 p. , Assis, 1999.
MARTINS, R. História do Paraná. 3 ed. Curitiba: Guairacá, s/d.
PADIS, P. C. Formação de uma economia periférica: o caso do Paraná. São Paulo: Hucitec, 1981.
SAINT-HILAIRE, A. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Trad. Regina R. Junqueira. Belo Horizonte: Tatiaia: São Paulo, 1978.
WACHOWICZ, R. História do Paraná. 6 ed. Curitiba: Vicentina, 1988.
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