No dia 6 de janeiro, o site ‘O Eco’ publicou uma matéria intitulada ‘Volta ao Brasil em 75 parques nacionais‘. Durante a reportagem, dois entrevistados compartilharam suas opiniões baseadas em visitas à região. No entanto, algumas informações apresentadas na matéria sobre a área da rodovia BR-319 carecem de maior contexto e esclarecimentos adicionais para evitar possíveis mal-entendidos.
Fala da entrevista: “E o outro é o Parque Nacional Nascentes do Lago Jari, no Amazonas. Ele fica na beira da BR-319, que é uma estrada que liga Manaus a Porto Velho [Rondônia]. Metade dessa estrada, tipo 400 km, são de terra e é um pavor atravessar durante a época de chuvas porque são atoleiros infinitos e nós queríamos evitar passar por ali. E ele é colado na 319, mas não tem nenhuma trilha, nenhum acesso por ali.”
O Lago do Jari é uma região que enfrenta ameaças devido ao acesso por madeireiros ilegais e grileiros, facilitado pela proximidade com a rodovia BR-319. Essa área, que inclui populações indígenas isoladas, não possui infraestrutura adequada para receber turistas. Assim, a entrada na região não é recomendada, pois pode colocar em risco tanto os visitantes quanto os habitantes locais.
Atualmente, o trecho central da rodovia BR-319 está trafegável, o que tem contribuído para o aumento do desmatamento na região, transformando-a em um dos principais hotspots de desmatamento na Amazônia. As taxas de desmatamento local chegam a ser até 2,3 vezes superiores à média do bioma. Além disso, os conflitos fundiários e a violência, incluindo assassinatos, têm aumentado, agravados pela especulação fundiária promovida pelo acesso à rodovia. É importante ressaltar que todas as ocupações na região posteriores a 2008 são consideradas ilegais, conforme normativas do INCRA e da SUFRAMA. Estudos também indicam que a BR-319 não é uma rota logística viável, sendo economicamente mais onerosa, mais lenta e associada ao aumento do desmatamento e da degradação florestal. Relatórios sobre invasões e ramais ilegais no Parque do Jari já foram submetidos ao Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) e à Polícia Federal pelo autor principal deste texto.
Ressaltamos que, conforme informado diretamente ao primeiro autor deste texto por um dos entrevistados, eles acessaram a área por meio de um igarapé a partir do rio Ipixuna, utilizando uma rota que não cruza terras indígenas nem constitui acesso ilegal. Isso reforça ainda mais o argumento de que o acesso à região é viável mesmo na ausência da rodovia.
Contudo, é importante destacar que acessos ilegais têm surgido na região, como o ramal ilegal que se sobrepõe a planejada AM-366, cortando duas terras indígenas antes de entrar no Parque (ver figura). Além disso, já há invasões do Parque Nacional Nascentes do Lago Jari pela outra extremidade desse ramal ilegal, neste caso, a partir da BR-319. O acesso de não indígenas a terras indígenas está condicionado à autorização formal da FUNAI ou ao consentimento explícito da comunidade local. Especificamente nesta região, os indígenas têm evitado transitar na área do ramal devido aos riscos associados ao contato com grileiros e invasores.

O objetivo deste texto é oferecer uma contextualização mais ampla sobre a região, já que as falas da entrevista, quando mal interpretadas, podem transmitir a ideia equivocada de que a área do Parque Nacional Nascentes do Lago Jari está isolada. Essa percepção, de forma inadvertida, pode fortalecer o lobby pela abertura ou melhoria de acessos à região, como a repavimentação da rodovia BR-319. Tal narrativa de isolamento reforça argumentos em prol de intervenções viárias e logísticas que, na prática, aceleram a degradação ambiental e os conflitos socioambientais locais, como invasões de terras, especulação fundiária e exploração ilegal de recursos naturais. É essencial equilibrar a percepção sobre o acesso à região com o entendimento do seu papel como uma área crítica para a proteção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos da Amazônia, e evitar reforçar narrativas que podem agravar a vulnerabilidade ambiental e social desse território.
Ademais, agradecemos a Dennis Hyde, um dos entrevistados, que tem percorrido, junto com Letícia Alves, os 75 Parques Nacionais, pelas informações adicionais sobre o trajeto utilizado por eles, realizado de forma legal e em conformidade com a legislação. Apresentamos nossas desculpas por qualquer eventual mal-entendido e destacamos que o projeto desenvolvido por eles é extremamente relevante, sendo sua divulgação de grande importância.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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