A emergência climática, a crise da biodiversidade e a escassez de água são desafios globais interconectados que ganharam maior atenção internacional desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92.
Nessa conferência, foram estabelecidas estratégias internacionais, cada uma com seu próprio conjunto de conferências das partes e mecanismos de implementação, como a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), e a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD).
Este ano teremos as três conferências ocorrendo em países distintos, sendo a COP 16 da Biodiversidade em Cali, na Colômbia, entre 21 de outubro a 1° de novembro; a COP 29 – Conferência do Clima, em Baku, no Azerbaijão, em novembro; e a COP 16 de Combate à Desertificação em Riyadh, na Arábia Saudita, em dezembro.
Apesar de um ano com três conferências mundiais colocar em evidência os efeitos dos nossos modos de vida para a Natureza, essa abordagem fragmentada tem falhado em produzir soluções e transformações nos sistemas econômicos causadores ou potencializadores das crises.
E tem falhado, especialmente, em integrar povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais nos espaços de tomada de decisão e nas soluções políticas e econômicas das conferências, apesar das comprovadas contribuições que esses povos proporcionam para o equilíbrio dos ecossistemas.
Dos seus conhecimentos se desenvolveram medicamentos, adoçantes, borrachas, cosméticos, sistemas agroflorestais, técnicas agroecológicas, tecnologias de bioconstrução e outras inovações.
Esses conhecimentos devem ser valorizados e servir de referência para o enfrentamento das diferentes crises, partindo da crise humana e da dicotomia homem x natureza presente nos modelos econômicos atuais.
O agronegócio representa bem essa visão míope. Sua expansão desenfreada – focada em monoculturas, criação intensiva de gado, queimadas, especulação imobiliária e uso intensivo de água e pesticidas – é uma das principais responsáveis pela emissão de gases do efeito estufa, destruição de paisagens e ecossistemas, redução da biodiversidade, mudança nos ciclos das chuvas e disponibilidade de água em rios e mananciais.
Ao mesmo tempo, é um dos setores mais impactados pelas mudanças climáticas. Estudo do Observatório do Clima de 2023 demonstra que o agronegócio foi responsável por 74% das emissões brasileiras. Se a cadeia da carne fosse um país, estaria em sétimo lugar em emissão no mundo.
Ao analisarmos as crises climática, de biodiversidade e da desertificação, não é difícil percebermos causas comuns, principalmente ligadas à forma de consumo e meios de produção.
Assim, as suas respectivas convenções e as soluções deveriam ser integradas, priorizando: zerar o desmatamento, restaurar os ecossistemas, reduzir ou eliminar subsídios à cadeias impactantes, conservar a natureza e garantir os direitos de Povos Indígenas, Quilombolas e Comunidades Tradicionais, partindo do direito territorial.
O que ocorre, pelo contrário, é uma priorização para a estruturação de propostas mais pautadas no “Business as usual”, com o pressuposto de que soluções de mercado poderiam liderar as mudanças globais.
Não raramente, as soluções saem da relação entre as nações e seguem para uma perspectiva micro das empresas entre si e/ou destas com os governos nacionais, com lobby dos grandes setores para ampliar seus lucros ou se livrar das obrigações.
A lei n° 13.123, da biodiversidade, que regulamenta a necessidade das empresas repartirem benefícios pelo uso do patrimônio genético brasileiro e do conhecimento tradicional, acabou trazendo tantas exceções e complexificação que se tornou um inibidor da inovação e desenvolvimento tecnológico na competição entre empresas do mesmo setor, mas com perspectivas diferentes e na relação do setor privado com as comunidades.
A arrecadação não gera recursos e não possui os caminhos bem definidos para reduzir a perda ou promover a biodiversidade, seu objetivo central.
Essa fragmentação tende a excluir dos debates as perspectivas de povos e comunidades tradicionais, suas visões, relações e contribuições para a natureza, o que amplia a vulnerabilidade de seus modos de ser e viver em seus territórios frente às ameaças constantes de atores causadores das crises – agrícolas, imobiliário, mineral, energético, madeireiro e, mais recentemente, os mercados climáticos.
Para esses povos e comunidades, a divisão dos problemas climáticos, da biodiversidade, da água, dos seres vivos e não vivos não faz sentido. Seus modos de vida integram e equilibram estes aspectos. São conhecimentos hereditários que promovem a resiliência dos ecossistemas ao estocar carbono, regular o clima, gerar água e chuvas e conservar a biodiversidade.
É crucial buscar um olhar integrado que considere e valorize a gestão, governança e conservação de forma holística, especialmente dos territórios coletivos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.
A proposta de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) abre essa possibilidade. A Lei Nº 14.119 de 2021 define Serviços Ambientais como “atividades individuais ou coletivas que favorecem a manutenção, a recuperação ou a melhoria dos serviços ecossistêmicos”.
Por sua vez, os serviços ecossistêmicos são definidos como “benefícios relevantes para a sociedade gerados pelos ecossistemas, em termos de manutenção, recuperação ou melhoria das condições ambientais”.
E não é esse o serviço que os povos e comunidades tradicionais vêm prestando? Qual a justificativa da remuneração desses serviços não fazerem parte de suas economias? Até quando vamos olhar os impactos socioambientais como externalidades econômicas?
Economia, sociedade, natureza e política andam juntas e isso os povos e comunidades tradicionais manejam bem. Com três COPs sendo realizadas este ano, temos a oportunidade de seguir este exemplo, revertendo políticas que nos levam cada vez mais para uma crise econômica, ambiental e de sociedade em escala global.
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