Análises

Uma nova agenda ambiental na reconstrução do Brasil

Vivemos uma grande expectativa de que a agenda ambiental volte a ter a dimensão que merece, o que exige uma estratégia que combine medidas emergenciais e estruturantes

Goura Nataraj ·
21 de dezembro de 2022 · 1 anos atrás

O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva sabe que o Brasil é uma potência ambiental, em função de seus recursos hídricos e sua biodiversidade. No discurso após a vitória, Lula disse que “o Brasil está pronto para retomar seu protagonismo na luta contra a crise climática, protegendo todos os nossos biomas, sobretudo a Floresta Amazônica. Vamos retomar o monitoramento e a vigilância da Amazônia, e combater toda e qualquer atividade ilegal – seja garimpo, mineração, extração de madeira ou ocupação agropecuária indevida. Agora, vamos lutar pelo desmatamento zero da Amazônia. O Brasil e o planeta precisam de uma Amazônia viva”. Mas, como reverter os danos ambientais que o Brasil sofreu nos últimos anos? Como o terceiro Governo Lula poderá avançar numa agenda que compatibilize promoção do desenvolvimento socioeconômico e preservação do meio ambiente?

Como parte do Grupo Técnico de Meio Ambiente do Governo de Transição, estamos investigando os resultados desastrosos de “passar a boiada” do atual governo: abandono de política públicas e mecanismos de proteção ambiental, esvaziamento das funções fiscalizadoras, desmonte orçamentário, desestruturação deliberada de órgãos como IBAMA e ICMBio, falta de servidores, avanço de crimes ambientais. Destaca-se também a necessidade de barrar o pacote da destruição que tramita no Congresso Federal, com uma lista de projetos antiambientais, como o PL 1.459/2022, que facilita a liberação de agrotóxicos (“PL do Veneno”), 2.633/2020, que regulariza a ocupação ilegal de Terras Públicas (“PL da Grilagem”), 3.729/2004, que praticamente extingue o processo de licenciamento ambiental para obras de todos os portes, além dos emblemáticos PLs 61/2013 e 984/2019 que visam legalizar a “Estrada do Colono”, dentro do Parque Nacional do Iguaçu, ao passo que colocam em risco todo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. 

Vivemos uma grande expectativa de que a agenda ambiental volte a ter a dimensão que merece, o que exige uma estratégia que combine medidas emergenciais e estruturantes. Para o Ministério de Meio Ambiente (MMA), o primeiro passo é corrigir centenas de decretos, resoluções, portarias e normativas infralegais que foram propositalmente desregradas durante o governo Bolsonaro. Segundo estudo publicado pelo think tank Política por Inteiro, são 401 atos do poder público federal tomados nos últimos quatro anos, que causam danos ao meio ambiente e podem ser revistos. Destes, 107 podem ser revogados imediatamente. O segundo passo é a retomada dos órgãos ambientais – IBAMA, ICMBio, Inpe, Instituto Chico Mendes, Serviço Florestal Brasileiro – e a alocação de recursos no orçamento de 2023. Deve-se aperfeiçoar a governança dos projetos e recursos de cooperação internacional e nacional. Os órgãos foram desidratados nos últimos anos, sem concursos, e muitos servidores saíram por aposentadoria, desligamento e assédio. É necessário, por exemplo, prover ao menos 2 mil servidores para setores de comando e controle do Ibama, em curto prazo, e incrementar a capacidade de responsabilização dos infratores ambientais. Além de ampliar o corpo técnico dos órgãos ambientais federais, é preciso dotá-los de infraestrutura física e informacional, condições fundamentais para as ações estratégicas demandadas.

Um grande desafio é avançar na tecnologia para monitoramento ambiental. Em maio deste ano, foram lançados dois satélites de sensoriamento remoto radar do Projeto Lessonia – 1, da Força Aérea Brasileira. As imagens captadas irão colaborar na preservação da Amazônia, auxiliar em operações de vigilância para controle das fronteiras, no combate ao tráfico de drogas, monitoramento de desastres naturais, visualização de queimadas, determinação da navegabilidade dos rios, proteção das aldeias, além de coibir ações ilícitas, como extração ilegal de madeira, garimpo e caça e pesca predatórias. Os satélites ficarão à disposição para atender as Forças Armadas, o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam) e outras agências governamentais. As informações também poderão subsidiar os órgãos ambientais federais e estaduais, fortalecendo a coordenação no combate a estes crimes.

Outra tecnologia aliada no monitoramento ambiental são os ecodrones, que poderiam ser desenvolvidos pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Atualmente, os drones têm surpreendido por serem ferramentas eficazes no planejamento de conservação ambiental. Um exemplo é a iniciativa da Universidade Politécnica de Madrid (UPM), que projetou um sistema para detectar automaticamente incêndios florestais com um drone de vigilância. O sistema permite identificar chamas e fogo, bem como a área afetada e a direção do vento. Outro exemplo é da engenheira da NASA, Lauren Fletcher, que, junto à sua equipe, está plantando 36.000 sementes por dia em áreas de difícil acesso em países onde os métodos tradicionais não podem ser aplicados. Sua empresa, BioCarbon Engineering, desenvolveu um sistema que pilota remotamente um exército de drones carregados de sementes. A meta é plantar um milhão de árvores por ano. Poderiam ser desenvolvidos ecodrones voltados ao monitoramento das Unidades de Conservação (UC), ajudando a conservar porções significativas da fauna e flora, habitats e ecossistemas do território nacional e das águas jurisdicionais para preservar o patrimônio biológico existente. Dado o tamanho do território, a ferramenta poderia fornecer informações mais imediatas sobre ações ilegais nestas áreas. As UCs requerem regularização fundiária, planos de manejo, controle de visitação e infraestrutura, além de recursos humanos e financeiros para sua gestão e fiscalização. Na restauração de corredores entre as UCs de cada bioma, poderiam ser implantadas redes de trilhas (turismo), áreas de produção de frutas nativas e parques estaduais.

Este tipo de monitoramento tem grande valor para inibir ações de crimes ambientais na Amazônia, onde operações policiais fazem grandes deslocamentos em territórios de difícil acesso. São centenas de pontos ilegais de mineração, milhões de quilômetros de estradas clandestinas, pistas secretas de pouso construídas ilegalmente ou capturadas dos povos indígenas. Mineradoras, grileiros e madeireiros atearam fogo em vários postos do IBAMA, destruíram sedes e veículos, o que também ocorreu em outros estados da região. Será preciso um trabalho de inteligência e uma ação firme para proteger os povos tradicionais e seus territórios para a recuperação de áreas florestais.

Engana-se quem acha que a Amazônia não influi decisivamente em outras regiões. Na verdade, ela beneficia a regulação climática, sequestra carbono, equilibra o clima ao longo da zona equatorial, abriga a maior diversidade biológica planetária e fornece chuvas para o continente sul-americano. A Amazônia cria as condições naturais essenciais que garantem a perenidade de chuvas em todo o território nacional, sendo elemento vital para o Pantanal e demais biomas como Mata Atlântica, Cerrado, Pampas e Caatinga, que dependem de sua força ecossistêmica regeneradora.

Neste contexto, a destruição da Mata Atlântica é emblemática, pois boa parte das cidades brasileiras está localizada neste bioma, que abrange uma área de aproximadamente 15% do total do território nacional, em 17 estados, onde vivem 70% da população brasileira. O bioma é dos mais ameaçados,restando atualmente apenas 12,4% da floresta original do país – sendo 80% desses remanescentes localizados em áreas privadas. O cenário fica mais crítico ao constatar que o Paraná, estado que detém uma grande parcela de Mata Atlântica preservada, vem figurando ano após ano como um dos campeões de desmatamento ilegal do bioma no Brasil. Além disso, cerca de 40% do comércio ilegal de madeira passa pelo Porto de Paranguá.

É comum que se aponte uma incompatibilidade entre o agronegócio e a proteção do meio ambiente, mas o bem-estar dos biomas interessa também ao agronegócio, que perde com o desequilíbrio climático. Não traz vantagens para os produtores, sobretudo para grandes exportadores de commodities, a imagem ruim de um país que destrói o meio ambiente, ou cuja produção esteja associada ao desmatamento e ao uso ilegal dos recursos. Não interessa para nenhum agricultor a erosão dos solos, falta de água ou água contaminada. O agro moderno e consciente, que faz uso das boas práticas de gestão e avalia o risco socioambiental de suas atividades, só tem a ganhar em um governo que protege e fiscaliza, que investe em políticas de conservação e proteção da vida. Pode fazer parte dessa agenda, por exemplo: 1) definir protocolos sobre o uso do fogo, ampliando o compromisso de controlar e limitar as queimadas; 2) estimular práticas junto aos órgãos de agricultura para combater a erosão e o lançamento de resíduos de agrotóxicos nos rios; 3) desenvolver técnicas agropecuárias modernas que dispensam agrotóxicos e melhoram a capacidade do solo; 4) avançar em projetos de bioeconomia e extrativismo sustentável, proporcionando emprego e renda sem destruir a floresta; 5) utilizar instrumentos de mercado, como créditos de carbono e pagamentos por serviços ambientais, para financiar a conservação e a restauração de biomas; 6) estimular proprietários a criarem suas próprias Reservas Particulares do Patrimônio Nacional (RPPNs).

Nesta agenda cabem ainda outros pontos de grande urgência, podendo incluir todos os setores da agricultura nacional: combater o desmatamento e a ocupação irregular do solo, que devastam as áreas responsáveis pelo reabastecimento dos lençóis freáticos, aquíferos e nascentes; fortalecer e implementar Programas de Replantio e Adensamento de Matas Ciliares; apoiar um Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar; fomentar os Sistemas Agroflorestais; criar Territórios Agroecológicos Livres de Agrotóxicos e de Transgênicos; ampliar parceria com Embrapa para desenvolvimento da produção alimentar com menor nível de agrotóxicos; intensificar Programas de Recuperação de Áreas degradadas.

A ONU estabeleceu que cidades e comunidades sustentáveis são um dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável(ODS 11), visando torná-las mais inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. O crescimento urbano tem um grande impacto sobre o meio ambiente, como poluição atmosférica, sonora, visual, destruição de corpos hídricos, falta de saneamento básico, acúmulo de lixo, etc. É preciso melhorar o sistema de tratamento de esgotos e investir em projetos na área de saneamento ambiental; instalar ecobarreiras para contribuir com a despoluição dos principais rios urbanos; eliminar lixões a céu aberto ou autorizar sua existência por tempo determinado; incentivar a indústria da reciclagem, tendo em vista o uso de matérias-primas e insumos derivados dela; incentivar e apoiar a estruturação, modernização e melhoria de desempenho dos sistemas de coleta seletiva, segregação, acondicionamento, valorização de materiais, transporte, transbordo e disposição de resíduos sólidos e rejeitos; fomento a programas de reciclagem e compostagem, também como alternativas de geração de renda para cooperativas de catadores, além de campanhas educativas sobre a redução do consumo e o descarte correto dos resíduos sólidos; investir em projetos que transformem lixo em energia, bem como outras energias renováveis; considerar o Programa Brasil Lixo Zero no horizonte da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS).

O Brasil deve avançar em políticas de transporte movidos a energias alternativas e no desenvolvimento de soluções de eficiência energética voltados a centros históricos, como energia fotovoltaica, aproveitamento de águas da chuva, etc. Há que se investir igualmente em políticas de arborização urbana, com a preservação de áreas verdes, implantação de parques e praças públicas, canteiros drenantes, agricultura responsável, agroecologia e hortas urbanas, entre outras iniciativas. São medidas que, somadas à priorização de pedestres, bicicletas e transporte público, garantem maior qualidade de vida nas cidades.

Também é preciso incorporar novos temas relacionados à causa animal. Requer-se uma discussão ampla sobre seus direitos, contemplando a educação ambiental e também uma revisão jurídica, no sentido de entender os animais como seres detentores de direitos. Só assim teremos uma política pública séria a respeito.

Outro tema que merece um olhar atento é a Educação Ambiental. O novo governo precisa pôr em prática a Educação Ambiental como política de estado, no chão da escola e nas comunidades, a partir de uma construção coletiva, contínua e permanente, em observância à Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) e ao Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA).

Portanto, uma nova agenda de sustentabilidade no Brasil passa por questões transversais e interdisciplinares, que incluem combate a crimes ambientais, fomento à agroecologia, temática energética, água e segurança alimentar, infraestrutura no campo e nas cidades, impactos na saúde e na educação, bem como a possibilidade de geração de renda e a qualidade de vida no Brasil. Para executar e acompanhar tais políticas, é urgente investir na modernização do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), formando uma rede de órgãos e instituições ambientais que perpassam o Executivo, Legislativo, Judiciário e o Ministério Público. Somente uma coordenação efetiva entre os mais variados desafios será capaz de consolidar uma política nacional de meio ambiente no pós-Bolsonaro. O grande desafio é dialogar com entidades de áreas distintas e mostrar que a temática tem ampla relevância global, trazendo benefícios diretos à população, à economia e a diversos setores da sociedade.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

  • Goura Nataraj

    eputado estadual do Paraná, presidente da Comissão de Ecologia, Meio Ambiente e Proteção aos Animais da ALEP, coordenador da Frente Parlamentar-Ambientalista do Paraná e membro do Grupo Técnico Meio Ambiente do Governo de Transição.

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