Não bastou perder mais 26.130 quilômetros quadrados de floresta amazônica. Para ajudar o brasileiro a engolir a notícia, tudo o que ocorreu ao presidente Lula foi desagravar a ministra Marina Silva. Cada vez mais à vontade no papel de soberano demiúrgico, desses que curam pelo toque, ele posou para os fotógrafos com as mãos da ministra Marina entre as suas. Elogiou-lhe os bons serviços. E aproveitou o Dia da Biodiversidade para dizer que, acima da mata tropical, paira o prestígio de Marina.
O que é uma Bélgica inteira de árvores para um povo que tem a sombra dessa dupla? A ministra se deixou consolar como se ela, e não o país ou o planeta, fosse a grande vítima da derrubada. E Lula deu mais uma daquelas aulas sobre a parte que lhe cabe na natureza, que é a crítica da natureza humana, a seu ver o maior problema do governo. “Alguns”, ele falou, “se pudessem derrubariam tudo”.
Mais uns anos como 2004 e alguns acabam conseguindo. Enquanto isso a ministra vai assando numa fogueira de proporções amazônicas, com tempero de soja transgênica e borrifos do rio São Francisco. Ver ministro fritar já deixou de ser assunto em Brasília. Como o fritado gruda na chapa quente, até os repórteres políticos cedo ou tarde se esquecem dele. Mas o caso de Marina é diferente. Ela é a primeira que se deixa moquear em incêndios florestais, muito mais escandalosos que a fritura de salão.
Será por achar que não está ali como administradora do meio ambiente, e sim como o símbolo de que os Povos da Floresta chegaram à Esplanada dos Ministérios? Se é isso, faz mau negócio. De uma administração que se queima podem sobrar medidas concretas. Do símbolo, nem a cinza. Seu tempo no ministério será lembrado pela leviandade ambiental do governo Lula, um surto de autocomplacência onde as idéias mais caducas passam por novas só porque um dia acordaram com febre. A transposição do São Francisco, por exemplo.
O passado da ministra não é a vacina do presente. Ele dava, com folga, para o discurso de posse. Mas não basta para o balanço da gestão. E não adianta esticá-lo, como ela fez meses atrás, escrevendo sobre a escolha da queniana Wangari Maathai para o prêmio Nobel da Paz. “O momento em que esta bióloga africana começou a reunir mulheres de comunidades do Quênia para plantar árvores em 1976”, disse Marina Silva na ocasião, lembrava-lhe “o que se passava nas florestas do estado do Acre, também em meados da década de 70”.
Era um paralelo feito com duas linhas divergentes. A linha africana tem raízes numa ex-colônia dilacerada por guerras tribais. Um país que ficou independente em 1963. E só saiu da ditadura na virada do século XXI. Nesse meio tempo, Maathai pôs no currículo, além do PhD em Biologia, 30 milhões de árvores, plantadas como um primeiro passo para se livrar do pior tipo de miséria, que é a miséria derivada da pobreza ambiental.
Maathai conseguiu tudo isso sem mandato nem título, fora o acadêmico. Foi deputada pela primeira vez em 2002, quando Marina Silva já somava 18 anos de carreira parlamentar, como vereadora, deputada estadual e senadora. São duas biografias notáveis. Mas duas histórias diferentes. E estão se distanciando desde que elas viraram, quase ao mesmo tempo, ministras do meio ambiente. De um lado ficaram os 30 milhões de árvores. Do outro, mais de 50 mil quilômetros quadrados de desmatamento. Árvore, como se sabe, não cresce em gabinete.
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