A história da jornalista Karina Miotto seria notícia, mesmo se ela não estivesse esta semana na sala de desembarque do aeroporto de Congonhas, em São Paulo, segurando um desses cartazes usados geralmente para motoristas localizarem passageiros e com a garganta entalada pelos assuntos que se candidata a escrever aqui para O Eco.
Desfiou os projetos de reportagem ali mesmo, um depois do outro, como se puxasse um fio sem fim. Ela se formou dois anos atrás em Comunicação, passou por duas ou três redações sem descobrir o que iria fazer com o diploma até se convencer de que jornalismo, para ela, é trabalhar pela natureza. Enquanto o mercado não acerta o passo com a sua determinação, faz um blog na internet, sobre meio ambiente, dizendo a que veio.
Karina tem tanta pressa que, antes de encerrar a lista de histórias alheias, a sua já havia conquistado uma vaga aqui nestas páginas. Porque ela está metida numa luta quase corporal para defender da motosserra as árvores que lhe atravessam diariamente o caminho entre a casa e o emprego numa produtora de vídeo. E, numa terra em que nove entre dez pessoas só ligam para os telefones especializados da prefeitura solicitando podas e remoções, ali estava de repente uma brasileira que se importa com arborização urbana.
E nem percebeu que isso, em si, é notícia. Desde que tomou a decisão, ela acha que passou a olhar “o mundo de maneira diferente”. Como aconteceu no dia em que passava na rua do Rocio, na Vila Olímpia, e parou para “observar duas árvores – uma tinha marcas de agressão e ferimentos no tronco até a altura de oito metros mais ou menos, a outra, sinais de escoriações causadas por blocos de concreto jogados sobre sua base, como se ela fosse depósito de lixo”.
Teria deixado por isso mesmo, se alguns passos adiante não cruzasse, na mesma rua, com o canteiro de obras onde a Cyrela Brazil Realty e a Agra Incorporadora constróem, no terreno do número 423, três edifícios residenciais. Um condomínio feito por uma empresa chamada Cyrela Brazil Realty tem pedigree de sobra para se chamar “Rocio Park” ou coisa que o valha. Mas, por enquanto, ele é representado em São Paulo pelo pedreiro que, segundo Karina, naquela manhã, abria um buraco na calçada, aproveitando para tirar, “com o auxílio de uma pá, pedaços das raízes de uma árvore”. Mais uma árvore na mesma rua.
Karina Miotto vestiu seu uniforme de cidadã e foi tirar satisfações com o operário. “Disse-lhe que estava machucando a raiz e que isso não podia acontecer”, ela conta. Ele cumpria ordens do mestre de obras. E tocou em frente o serviço. Ela também: “Falei com outro pedreiro e pedi para falar com o responsável. Nunca mais vou me esquecer do olhar de deboche que ele me deu”, antes de lhe virar as costas e sumir no tapume, às gargalhadas. “Demorou tanto para voltar”, ela continua, “que não me contive”. Foi atrás dele.
Resultado: “De repente, virei o centro das atenções. Todos me olhavam como se eu fosse a criatura mais estranha do mundo. E eu só queria uma explicação plausível para aquela agressão a uma bela árvore de 20 metros de altura”. Até que aparecesse o mestre de obras, que a levou a sério. “Ele foi até o pedreiro e pediu que tomasse cuidado com as raízes”, ao mesmo tempo em que informava a Karina que o cuidado era inútil, porque a árvore estava num lugar reservado à entrada da garagem. Ou seja, iria “rodar de qualquer jeito”.
Ela admite que perdeu o primeiro round: “Não adiantou argumentar que a garagem pode ser adaptada para evitar o corte, já que existe espaço suficiente para isso. Que a lei diz que uma árvore só deve ser removida em casos extremos, se for impossível desviar dela. Ele me olhou e disse que o corte foi aprovado pela prefeitura. ‘Ela vai rodar e a que está do lado também. Quem é você?’ – perguntou, em tom desafiador”.
Deveria responder que é uma teimosa, pois a conversa não acabou ali. Karina Miotto ligou para a assessoria de imprensa da prefeitura. Deixou recado com a telefonista. Ninguém a chamou de volta. Telefonou duas vezes para a sub-prefeitura de Pinheiros, porque é em sua jurisdição que ficam as árvores. Nada. Tentou o número 156, de atendimento ao público, e ouviu que teria de fazer uma solicitação de vistoria na sub-prefeitura de Pinheiros para saber se o corte das árvores é ou não é legal. E, para isso, tem que ir lá pessoalmente.
Quem a conheceu no desembarque de Congonhas sabe que ela é do tipo que vai até o fim neste tipo de história, mesmo se pela tradição brasileira nesse tipo de história o fim seja quase sempre o fim da árvore. Mas, com essas providências, ela acabou fazendo sem querer uma reportagem completa sobre a dificuldade que tem o cidadão para velar pelas árvores de sua cidade.
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