Feche os olhos e pense numa fruta bem brasileira, dessas que derretem na boca como um pedaço de infância ou um favo de sol açucarado. Não vale escolher a manga, porque ela os portugueses trouxeram da Índia e os botânicos a chamam de Mangifera indica. Nem a banana, que é de origem asiática. Descarte a graviola das Antilhas, o jamelão do Sri Lanka, o jambo da Malásia, a carambola da Indonésia, o sapoti do México, o tamarindo da África e a fruta-de-conde das Antilhas. Pois é, as frutas tropicais de nossa intimidade em geral vieram de longe.
Sobra o quê? Sobram as 312 espécies nativas meticulosamente fichadas no livro Frutas Brasileiras, do engenheiro agrônomo Harri Lorenzi. É hora de abrir os olhos para o desfile de sotaques, cores, formas e sabores menos lembrados do que presumidos, herdados do tempo em que, mesmo sem plantar, portanto muito antes da carta de Pero Vaz de Caminha, aqui dava mesmo tudo.
Terra das palmeiras
Em compensação, a terra de tal maneira continua generosa que, do cajuí, que puxa a lista, ao purumã, que a encerra, não deve haver brasileiro capaz de reter na memória o paladar desse país que está no livro, tão variado, farto e difícil de conhecer numa vida só. E, mesmo virando página, haja fôlego para percorrer tanto cajá, cambuí, ingá, umbu, oiti, abiu, maracujá ou genipapo. Só de jabuticaba, o livro tem mais de quinze. Os araticuns passam da dúzia.
Sem falar dos cocos. Pelo visto, havia coco de se perder a conta em Pindorama, o “lugar das palmeiras” que era o Brasil dos índios. Dá para encher a boca só com os nomes que, de página em página, parecem que estão ali para recitar, de preferência com música de Tom Jobim: juçara, babaçu, indaiá, tucum, butiá, murmuru, tucumã, açaí… Com tanto substantivo, quem precisa de adjetivo? Lorenzi, um lavrador de Santa Catarina que resolveu estudar aos 17 anos, manteve diante de tamanhos prodígios o estilo seco inaugurado em 1992, com o primeiro volume de “Árvores Brasileiras”. Com muita informação e pouca conversa fiada, ele já traçou em oito livros, publicados sem patrocínio oficial por sua própria editora em Nova Odessa, o roteiro de uma interminável aventura, a das suas viagens para descobrir o Brasil enquanto é tempo.
Lorenzi escreve com o mínimo de adjetivos. Um só, “apreciado”, serve para todo tipo de fruta, do “muito apreciado” ao “pouco apreciado”. Em seus livros – embora ilustrados com uma profusão de imagens coloridas, fotografadas com rigor científico – o luxo nunca está na forma, mas no Brasil que se folheia, um Brasil que sumiu do cotidiano para a maioria absoluta dos brasileiros. Em parte, por causa de histórias como a relatada, no prefácio, pelo engenheiro agrônomo Carlos Jorge Rossetto.
“Na minha infância, na cidade de Pompéia, interior do estado de São Paulo, eu e outros meninos trepávamos numa tiauveira para comer taiuvas”, lembra Rossetto. A taiuveira é a amora silvestre Maclura tinctoria, de “frutos não muito apreciados”, como se ler a adiante, na página 175. Mas a de Pompéia era diferente. “Frutificava todo ano em abundância”. Não tinha espinhos. Rossetto precisou de muito estudo para entender que nunca viu outra como ela. “Já agrônomo, trabalhando como pesquisador no Instituto Agronômico de Campinas, tomei consciência de que aquela taiuveira da minha infância era uma planta excepcional e que eu deveria ir até Pompéia tentar coletar seus frutos e sementes para multiplicá-la e salvá-la”.
Tarde demais. Na cidade, encontrou, no lugar da árvore, uma casa. A fruticultura brasileira, a mesma que conseguiu aclimatar as oliveiras mediterâneas ao clima de Minas Gerais e criou variedades híbridas de pessegueiros capazes de gerar pêssegos de qualidade européia no calor de Taquaritinga, jamais saberá o que havia de tão bom na taiuveira de Pompéia.
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