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Visto de Foz do Iguaçu, o Brasil é outro

Nada como passar uns dias bem longe de Brasília para ver que a política nacional não é mais a mesma. Acabou, por exemplo, a simpatia dos ambientalistas pela reforma agrária.

20 de junho de 2007 · 18 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

A opção do Ministério do Meio Ambiente pelo desenvolvimento sustentável produziu os primeiros resultados concretos para proteção da natureza no Brasil. Eles chegaram a Foz do Iguaçu esta semana, como uma generosa safra de estudos confiáveis sobre uma política ambiental que, até agora, baseou-se em dogmas de fé. Vinham de fontes variadas. Mas confluiram para o Quinto Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, desaguando num auditório onde as platéias beiravam as duas mil pessoas.

Três anos atrás, no Quarto Congresso,os puros-sangues do ambientalismo tiveram que engolir calado, quando a Ministra Marina Silva reiterou, no discurso de abertuura, a intenção de preservar a Amazônia, preferencialmente, com reservas extrativistas, assentamentos e outras modalidades de uso presumidamente benigno para o patrimônio natural. Desta vez, deu para ver concretamente aonde esta política vai dar.

Dará, por exemplo, em florestas gradativamente desertadas pela fauna de grande porte. Ela é a primeira a cair na barriga de índios, assentados ou colonos. A que custo? Pergunte-se a quem tem vinte e tantos anos de pesquisa na selva, como o biólogo Carlos Peres. Ele é paraense, filho de um exportador de castanhas nativas, doutor em Ecologia Tropical por Cambridge e professor da Escola de Ciências Ambientais da Universidade de East Anglia, na Inglaterra. Mas seu maior título é a aptidão para mergulhar na floresta e reemergir meses depois com evidências acachapantes, colhidas diretamente em estudos de campo e filtradas nos melhores laboratórios da pesquisa acadêmica.

Anta e jabuti

Peres sabe ser enfático sem recorrer a um adjetivo. Descreve o processo de extinção que está em curso na Amazônia, escondido dos satélites de monitoramento pela copa das árvores, como se demonstrasse equações matemáticas. Numa arena cada vez mais dominada pelos extrativistas, ele fala pelos bichos. Arruma, de um lado, índios, seringueiros e colonos. Do outro, os portavozes da fauna, da anta ao jabuti, alinhados em nada menos de dezesseis táxons da fauna que vai perdendo a capacidade de produzir proteina animal na mesma velocidade com que ela é consumida pela população humana.Seja ela qual for. Para o destino coletivo de quem entra na dieta de carne dos extrativistas, tanto faz se o estômago é tradicional ou acaba de desembarcar na hiléia pela mão do INCRA.

Caçados pela economia de subsistência à razão de 150 mil toneladas de carne de mamífero por ano, contando só os mamíferos, os bichos começam a bater retirada quando a convivência com seres humanos cruza a fronteira de 0,1 pessoa por quilômetro quadrado. Isso é um décimo da densidade que, tradicionalmente, passava por “sustentável”. Ou seja, uma pessoa por quilômetro quadrado. E nem essa barreira cabalístico a Amazônia parece disposta a cumprir, crescendo em média 4% ao ano ou, à sombra de prefeituras que atraem imigrantes a torto e a direito, 30%. Nos quase 400 municípios da floresta amazônica, 296 ultrapassaram esse limiar do perigo. Não é à toa que os Sataré-Mauês,no limite do Pará com o Amazonas, passaram a aumentar a venda de guaraná para comprar trinta bois por mês. Em sua reserva, a caça acabou.

Gente e dinheiro

Num país que amanhece há semanas com jornais manchados pelas pegadas do senador Renan Calheiros, a semana em Foz do Iguaçu é um convite irresistível a melhorar o nível da conversa. Lá, mesmo num plenário rachado pela rebelião do Ibama contra o passe de mágica que criou o Instituto Chico Mendes, é possível ouvir em silêncio, durante mais de meia hora, o americano John Terborgh explicar serenamente, em voz baixa, num espanhol fluente, por que a natureza não é coisa que se conserva enttregando-a nas mãos da população local. Ela precisa é de instituições fortes em governos minimamente vacinados contra a corrupção, que é pior praga a atacar qualquuer patrimônio público, a começar pelo natural. Palavra de uma das maiores autoridades do mundo em florestas tropicais.

Nesta quinta edição do congresso, o discurso monocórdio do Ministério do Meio Ambiente bateu de frente com a crítica polifônica da retórica acadêmica. O holandês Daan Vreugdenhil mostrou, por A mais B, que o que falta ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação não é um novo memorial para Chico Mendes, e sim a disposição de gastar mais 140 milhões de dólares por ano com a preservação da natureza, de preferência multiplicando por quatro o número de guarda-parques.

O resto, tem vinte anos de fiascos, desde que os financiamentos internacionais passaram a bancar a moda internacional do populismo extrativista.Segundo Vreugdenhil, falhou o uso de parques nacionais como panacéia para a erradicação da pobreza, a miragem dos remédios orgânicos como alternativa de renda e a silvicultura presumivelmente sustentável, escorada em projetos de pequena escala que só se sustentam com ajuda externa a fundo perdido.

Natureza e MST

Em outras palavras, as do ornitólogo Fábio Olmos, “conservação não se faz com políticas sociais, mas com critérios científicos”. E, à luz desses critérios, a “experiência das reservas extrativistas está invalidada, ponto”. Como pesquisador, ele raramente conseguiu “ver em campo o que ouço nos programas oficiais”.

Olmos atacou essa política “que acredita em gnomos” por duas frentes. Contou como o avanço das plantações de soja, açuladas pela “temeridade governamental” do biodiesel, e os assentamentos do INCRA estão fazendo tudo para abortar, no Tocantins, “a última oportunidade histórica” de se compor um mosaico de Cerrado com quase três milhões de hectares, onde pequisadores como ele se sentem ainda hoje participando da descoberta de “um planeta novo, com formas de vida nunca vistas”.

“Vem aí um mar de areia”, ele anuncia, prevendo o estrago que esse duplo ataque tende a provocar numa região de solo pobre que guarda um tesouro de endemismos. Avaliando, para o governo do estado, os pontos marcados no mapa como prioritários para a conservação, Olmos encontrou ao mesmo tempo pica-paus que eram dados por perdidos há mais de 80 anos e áreas iirremediavelmente degradas pela chegada recente da reforma agrária. Para o constragimento de quem acha que o pequeno agricultor conserva melhor do que o grande, o que resta de floresta amazônica no Bico do Papagaio está nas reservas legais de meia dúzia de latifúndios.

À margem dessa palestra, ele consolidou, para o Grupo do Iguaçu, num dossiê chamado “Assentamentos da Reforma Agrária, Meio Ambiente e Unidades de Conservação”, o atestado de que o profeta dos sem-terra João Pedro Stédile está coberto de razão, pelo menos quando se queixa de que o INCRA desviou o movimento para a colonização da Amazônia.

Olmos rompeu a velha trégua dos ambientalistas com os crimes ambientais do MST. Não poupou sequer a fazenda Anoni, no Rio Grande do Sul, tida como modelo da reforma agrária pelo movimento dos sem-terra. Associou os assentamentos ao “agronegócio”, na “destruição de habitats no país, com o agravante de ser financiada pelo contribuinte”. E concluiu que, feitas as contas da reforma agrária, “o saldo geral é extremamente negativo para a natureza, quando não para as próprias populações envolvidas”. A elas o INCRA oferece no futuro uma gleba no deserto.

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