Os brasileiros talvez não tenham percebido, mas, outro dia, enquanto borbulhava preguiçosamente no Senado a CPI das ONGs que se escondem dentro do governo, o veterinário Adalberto Eberhard trouxe para o país mais um premio internacional de Meio Ambiente. Desta vez, entregue em Toronto pela Wango, a Associação Mundial das Organizações Não Governamentais.
A Wango tenta, uma vez por ano, separar o que a política confunde. Em Toronto, as ONGs podiam estar em casa. Mas nem por isso voltaram ilesas. O programa incluiu debates sobre as tentações que rondam os ongueiros, como tapar com boas intenções a má contabilidade, ou perder o olho crítico para os erros de quem as patrocina. Elogio em estado puro só mesmo para cinco premiados no mundo inteiro. E um deles foi Adalberto Eberhard, fundador da Ecotrópica, responsável pelos 54 mil hectares de três reservas particulares – as do Acurizal, do Dorochê e da Penha, – num ponto do Pantanal Matogrossense onde a Serra do Amolar irrompe da planície encharcada, quase na fronteira com a Bolívia.
De tirar o fôlego
Não foi à-toa que a platéia destacou na palestra de Eberhard as fotografias, “de tirar o fôlego”. O Acurizal é um dos lugares mais bonitos e mais remotos do território brasileiro. E Eberhard o conhece como se fosse o fundo de sua casa. Transferiu-se para a região na virada dos anos 80, com a primeira equipe que estudou a sério as onças pantaneiras, sob o comando do biólogo americano Peter Schaller. E nunca mais conseguiu arredar o pé de lá inteiramente.
Morou acampado nas barrancas do Paraguai. Criou uma filha em barraca. Mergulhou em rios que hoje, assoreados, se deixam cruzar a pé. Incomodou traficantes que usavam a pista de pouso no Acurizal como rota do contrabando de cocaína. Fundou a Ecotrópica com os 50 mil dólares de um prêmio que ganhou na Alemanha em 1989. Com três milhões de dólares doados pela ONG The Nature Conservancy, comprou as fazendas que devolveram ao Parque Nacional do Pantanal Matogrossense as bordas que escaparam à desapropriação pelo governo.
Isso feito, carregando um currículo cheio de prêmios, inclusive o Henry Ford de Conservação, chegou aos 50 anos sem seguro de saúde, plano de aposentadoria ou emprego fixo. Ele é filho de um alemão que migrou para o Rio Grande do Sul, achando que assim viveria cercado de florestas tropicais. Eberhard meteu muito cedo na cabeça que faria Veterinária, para cuidar de animais silvestres. À falta de aulas para isso na universidade, abriu o caminho da especialização trabalhando em zoológicos. Houve época em que os jornalistas estrangeiros que vinham ao Brasil atrás de vida selvagem fotografavam sua primeira jaguatirica no quintal da Ecotrópica, em Cuiabá. Ele nunca conseguiu ser exclusivamente um pesquisador de campo. Não se conformava com o estudo de bichos condenados a desaparecer de uma paisagem exuberante mas vulnerável, sensível a qualquer mudança brusca, a começar pela dos ciclos naturais que regulam o regime de cheias no Pantanal.
Em outras palavras, Eberhard fez tudo como manda o figurino para ser exatamente o que é – uma celebridade internacional, citada, por exemplo, nos livros de Frans Lanting, o Sebastião Salgado das fotografias de natureza, escondida por trás de um brasileiro praticamente desconhecido. Poderia se queixar muito da vida, se não tivesse coisa mais importante para dizer, cada vez que alguém lhe dá ouvidos. Ele está convencido de que, se o Brasil não tomar providências enquanto é tempo, o Pantanal perderá em poucas décadas o que suas águas levaram milhões de anos para fazer. E, quando pode, reclama disso.
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