Por fora, em vez de alardear a última novidade da indústria automobilística, o FCX Clarity vem ao mundo como se fosse um carro como outro qualquer. Suas linhas até guardam certo parentesco com o Honda Civic fabricado no Brasil. E, ao pegar seu volante pela primeira vez, num teste para o New York Times, Norman Meyersohn sentiu falta de uma estréia menos prosaica do que, simplesmente, girar a chave da ignição. Pelas informações preliminares, ele esperava um veículo com “grau NASA” de complexidade técnica.
Ou seja, de um sedan movido a hidrogênio. O gás, banal e leve, além de insípido, incolor e inodoro, já teve sua época na história dos transportes, levando balões aos céus, até a explosão do Hindenburgo encerrar a era dos dirigíveis transatlânticos em 1937. Mas ele volta, setenta anos depois, em grande estilo, sob o capô de automóveis, onde gera eletricidade, em reação com o oxigênio, para tocar motores que caberiam numa maleta de mão e, em vez de expelir fumaça, cospem água.
Tudo muito familiar
Carros a hidrogênio já saem dos laboratórios há muito tempo. A novidade, no FCX, é que agora deixam ser modelos experimentais, para virar produto das linhas de montagem. A Honda está pronta para botá-los na praça. Por isso, Meyersohn se preparou para guiar um foguete. E, a bordo, encontrou o que menos esperava – freio de estacionamento, alavanca para a regulagem do banco e aparelho de som, por exemplo. Tudo isso onde deveria haver “interruptores não identificados, botões misteriosos e comandos enigmáticos”. Ambiente mais “familiar”, portanto, seria impossível.
O FCX foi feito para isso mesmo – para convencer o público de que ele cabe em qualquer garagem, embora ainda não caiba em qualquer bolso. Ele deverá custar cerca de seiscentos dólares ao mês, com garantia e seguro, quando chegar aos revendedores da Califórnia, lá pelo meio do ano que vem. O preço é salgado para o consumidor americano. Mas, aqui embaixo, os brasileiros pagam mais que isso pela prestação de um Honda Accord convencional.
As primeiras impressões de Meyersohn ao dirigir o FCX foram sublinhadas por outra ausência notável. Ao entregar-lhe o volante, a Honda não pôs no banco do carona um engenheiro da fábrica. Sozinho, como se saísse de uma revenda, ele girou a chave e o motor começou a sussurrar de maneira quase inaudível, como convém num carro elétrico. Na auto-estrada, bastou pisar no acelerador para saltar à frente, emparelhando com o tráfico numa arrancada que o repórter achou comparável à de um motor turbinado. Faltava só o “rosnado musical” de um V-8. Não pisou mais fundo, numa viagem pela costa da Califórnia, para não correr riscos com um carro ainda essencialmente feito a mão, cujo custo botou na casa do “milhão de dólares”. Mas saiu convencido de que o FCX é bom de curva, tem mais espaço para as pernas do que carros comuns do mesmo porte e sua carroceria não geme em pisos ruins. Em suma, não é “um rato de laboratório”.
Portanto, está pronto para circular, num mundo que, infelizmente, ainda não ficou pronto para recebê-lo. O carro faz cerca de 450 quilômetros com o tanque de nitrogênio cheio. Gasta o equivalente a um litro de gasolina por 38 quilômetros e emite a metade do dióxido de carbono, contando toda a eletricidade gasta para produzir seu combustível, numa terra onde as usinas elétricas queimam óleo ou carvão. Só não há, por enquanto, uma rede de postos para reabastecê-lo. Viajar para fora de seu raio de autonomia está, por enquanto, fora de cogitação. A fábrica cogita oferecê-lo com kits domésticos de recarga, sinal de que seu carro chegou “um pouquinho antes do tempo”.
Pudera. Na década passada, Meyersohn ouviu de um especialista que o motor a hidrogênio estava vinte anos à frente de seu tempo, “e continuaria assim para sempre”. De uma hora para outra, estava acelerando o FCX, rumo a Malibu e a um futuro que, aparentemente, não será só do petróleo ou do biocombustível.
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