Colunas

O hidrogênio na linha de montagem

Não se trata mais de um protótipo ou teste de laboratório. O carro a hidrogênio está pronto para chegar a um mercado que, colhido de surpresa, não se preparou para recebê-lo.

14 de dezembro de 2007 · 16 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

Por fora, em vez de alardear a última novidade da indústria automobilística, o FCX Clarity vem ao mundo como se fosse um carro como outro qualquer. Suas linhas até guardam certo parentesco com o Honda Civic fabricado no Brasil. E, ao pegar seu volante pela primeira vez, num teste para o New York Times, Norman Meyersohn sentiu falta de uma estréia menos prosaica do que, simplesmente, girar a chave da ignição. Pelas informações preliminares, ele esperava um veículo com “grau NASA” de complexidade técnica.

Ou seja, de um sedan movido a hidrogênio. O gás, banal e leve, além de insípido, incolor e inodoro, já teve sua época na história dos transportes, levando balões aos céus, até a explosão do Hindenburgo encerrar a era dos dirigíveis transatlânticos em 1937. Mas ele volta, setenta anos depois, em grande estilo, sob o capô de automóveis, onde gera eletricidade, em reação com o oxigênio, para tocar motores que caberiam numa maleta de mão e, em vez de expelir fumaça, cospem água.

Tudo muito familiar

Carros a hidrogênio já saem dos laboratórios há muito tempo. A novidade, no FCX, é que agora deixam ser modelos experimentais, para virar produto das linhas de montagem. A Honda está pronta para botá-los na praça. Por isso, Meyersohn se preparou para guiar um foguete. E, a bordo, encontrou o que menos esperava – freio de estacionamento, alavanca para a regulagem do banco e aparelho de som, por exemplo. Tudo isso onde deveria haver “interruptores não identificados, botões misteriosos e comandos enigmáticos”. Ambiente mais “familiar”, portanto, seria impossível.

O FCX foi feito para isso mesmo – para convencer o público de que ele cabe em qualquer garagem, embora ainda não caiba em qualquer bolso. Ele deverá custar cerca de seiscentos dólares ao mês, com garantia e seguro, quando chegar aos revendedores da Califórnia, lá pelo meio do ano que vem. O preço é salgado para o consumidor americano. Mas, aqui embaixo, os brasileiros pagam mais que isso pela prestação de um Honda Accord convencional.

As primeiras impressões de Meyersohn ao dirigir o FCX foram sublinhadas por outra ausência notável. Ao entregar-lhe o volante, a Honda não pôs no banco do carona um engenheiro da fábrica. Sozinho, como se saísse de uma revenda, ele girou a chave e o motor começou a sussurrar de maneira quase inaudível, como convém num carro elétrico. Na auto-estrada, bastou pisar no acelerador para saltar à frente, emparelhando com o tráfico numa arrancada que o repórter achou comparável à de um motor turbinado. Faltava só o “rosnado musical” de um V-8. Não pisou mais fundo, numa viagem pela costa da Califórnia, para não correr riscos com um carro ainda essencialmente feito a mão, cujo custo botou na casa do “milhão de dólares”. Mas saiu convencido de que o FCX é bom de curva, tem mais espaço para as pernas do que carros comuns do mesmo porte e sua carroceria não geme em pisos ruins. Em suma, não é “um rato de laboratório”.

Portanto, está pronto para circular, num mundo que, infelizmente, ainda não ficou pronto para recebê-lo. O carro faz cerca de 450 quilômetros com o tanque de nitrogênio cheio. Gasta o equivalente a um litro de gasolina por 38 quilômetros e emite a metade do dióxido de carbono, contando toda a eletricidade gasta para produzir seu combustível, numa terra onde as usinas elétricas queimam óleo ou carvão. Só não há, por enquanto, uma rede de postos para reabastecê-lo. Viajar para fora de seu raio de autonomia está, por enquanto, fora de cogitação. A fábrica cogita oferecê-lo com kits domésticos de recarga, sinal de que seu carro chegou “um pouquinho antes do tempo”.

Pudera. Na década passada, Meyersohn ouviu de um especialista que o motor a hidrogênio estava vinte anos à frente de seu tempo, “e continuaria assim para sempre”. De uma hora para outra, estava acelerando o FCX, rumo a Malibu e a um futuro que, aparentemente, não será só do petróleo ou do biocombustível.

Leia também

Notícias
2 de maio de 2024

Estudo sobre impacto das alterações no clima em aves pode ajudar espécies na crise atual

Alterações climáticas reduziram diversidade genética de pássaros na Amazônia nos últimos 400 mil anos, mas algumas espécies apresentaram resistência à mudança

Reportagens
2 de maio de 2024

Sem manejo adequado, Cerrado se descaracteriza e área fica menos resiliente às mudanças no clima

Estudo conduzido ao longo de 14 anos mostra que a transformação da vegetação típica da savana em ‘cerradão’ – uma formação florestal pobre em biodiversidade – ocorre de forma rápida; mata fica menos resistente a secas e queimadas

Reportagens
2 de maio de 2024

Pedágio em Magé (RJ) isola bairro e gera impasse que ameaça remanescente de Mata Atlântica

Moradores pedem à Justiça isenção na cobrança; situação gerou pressão por reabertura de estrada em zona de amortecimento de parque nacional, onde vivem espécies ameaçadas

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.