Como não se saberá tão cedo o que pensa o STF sobre a demarcação da Raposa-Serra do Sol, é hora de ouvir o que diz o promotor Pedro Abi-Eçab da presença de índios em unidades de conservação. O assunto lhe rendeu uma tese de mestrado em Relações Sociais, defendida este mês na PUC de São Paulo. E ele ousou meter a colher da doutrina jurídica numa polêmica relegada, até agora, “sem qualquer resultado útil”, aos dogmas das alas acadêmicas, ao silêncio da Justiça e, como não poderia deixar de ser, tratando-se do Brasil, “à incúria do Estado”.
Abi-Eçab tem 30 anos. Paulista, transferiu-se em 2002 para Rondônia, via Ministério Público. Lá, travou contato direto com questões que o país, em geral, prefere encarar de viés e, sobretudo, de longe. Fez uma dissertação de 150 páginas, ao mesmo tempo densas e claras. Pelo tom, parece ter evitado deliberadamente a turbidez litúrgica dos textos feitos para resumir o mínimo denominador comum das bancas examinadoras. Em dois parágrafos, arrasa a moda oficial da reparação de dívidas históricas. Escreveu para dizer o que pensa, não para render homenagens aos orixás do panteão universitário.
Invasão e retomada
O resultado é um sopro de ar novo num debate sufocado pela vulgaridade opressiva da política nacional. Ele examinou as prerrogativas indígenas e o direito que todo brasileiro tem ao meio ambiente saudável como aquilo que eles são: um caso notório de “colisão” entre princípios constitucionais. Na teoria, o direito ao equilíbrio ecológico deveria prevalecer sobre o Artigo 231, que trata dos índios, por interessar a todos os brasileiros, inclusive os índios, tanto os que vivem aqui agora como os que viverão nas próximas gerações.
Mas, na prática, faz-se o contrário. Abi-Eçab já ouviu, no Instituto Chico Mendes, que supostamente cuida em primeiro lugar da natureza, uma funcionária definir, em uma palestra, a invasão do parque nacional do Monte Pascoal como “retomada”, embora o Ibama negue, em relatório, a precedência dos pataxós na região. O recuo semântico é um sinal do que acontecerá com os 12,9 milhões de hectares onde se sobrepõem atualmente reservas naturais e terras indígenas, seja porque as unidades de conservação chegaram tarde a lugares onde havia índios, ou vice-versa.
Nesse território, caberiam os estados de Santa Catarina e Sergipe, somados. Como aos índios se atribui o dom hereditário de preservar a natureza, mesmo depois que seus costumes deixam de ser regulados pelos estatutos da subsistência, resolvem-se os conflitos entregando-lhes as reservas, como aconteceu na Raposa-Serra do Sol. Ela engoliu um parque nacional inteirinho. E nem se fala mais nisso.
A causa indígena arrasta políticos, missionários, ONGs e até burocratas da Funai, a serviço do cálculo eleitoral de que as unidades de conservação “têm baixa popularidade”. Elas implicam restrições de uso, que contrariam interesses econômicos. Convertê-las a outros fins não deixa de ser um caminho para flexibilizá-las, ampliando as fronteiras dos negócios. Madeireiras, por exemplo, tradicionalmente preferem reservas indígenas a parques nacionais.
Abi-Eçab atravessa esse campo minado sem tomar partido definitivo por um lado ou pelo outro. Propõe apenas “regras de ponderação”, para dividir esses 12,9 milhões de hectares em pelo menos 55 problemas diferentes, que o país possa resolver caso a caso. Ou com bom-senso.
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