Se você necessita de uma licença do Ibama, ou dos órgãos ambientais estaduais, para desmatamento ou para queimada, você a terá em menos de três meses. Na verdade, se você desmata sem permissão, não há problema… em geral, ninguém vai perceber. No entanto, se você quiser preservar formalmente uma parte da sua propriedade, estabelecendo uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (as famosas RPPNs), vai ter que esperar três anos em média, e também gastar muito dinheiro. Este é o absurdo que a burocracia e a legislação nos apresentam com relação às RPPNs. Até consultas públicas são agora exigidas, além de um emaranhado de outros papéis. Mas, vamos por partes.
O Ibama tem um decreto preparado, para ser submetido ao Presidente da República, que é uma obra-prima de como inviabilizar o estabelecimento de uma RPPN. Além da papelada usual exigida, como requerimento, identidade, CPF, prova de quitação do ITR, o CCIR, termo de compromisso, certidão de domínio privado, etc., etc., tudo com passagem prévia pelo cartório e em duas vias, coisas estas que até fazem sentido, o coitado que quiser criar uma RPPN tem de apresentar, também, “o memorial descritivo dos limites do imóvel e também dos limites da área proposta, ambos georreferenciados, indicando a base cartográfica utilizada e as coordenadas dos vértices definidores dos limites, assinado por profissional habilitado, com a devida anotação de responsabilidade técnica”. Deu para entender? Imagine o problema para um simples proprietário rural ou até mesmo para um grande fazendeiro!
E ainda tem que pagar? Quer dizer que, para preservar uma parte de sua fazenda, que é um objetivo do Governo, o proprietário vai ter altas despesas? Ele deveria, isso sim, ser tratado com tapete vermelho pelo Poder Público e este mesmo poder deveria encontrar meios para incentivá-lo, simplificando ao máximo os requisitos e trâmites, sem custo nenhum para o proponente.
Pensam que é só isso? Não, tem mais e muito mais. Atualmente, para se criar uma RPPN, que é em terras privadas, é preciso fazer consulta pública. Na prática, qualquer cidadão pode desmatar e plantar soja em centenas de hectares sem solicitar permissão nenhuma, mas, para proteger a natureza, deve consultar todo mundo. Parece que estamos em um país de dementes. Quem quiser preservar tem de consultar o público sobre o que fazer em sua propriedade! Não parece extraordinariamente difícil realizar esta consulta pública, pois o que o particular tem de fazer é só divulgar no Diário Oficial a intenção da criação da RPPN e “disponibilizar na Internet” (o projeto de decreto não especifica como isso deve ser feito), por um prazo de 20 dias, informações sobre a RPPN proposta, para conhecimento do público. O texto do projeto tampouco discrimina o que acontecerá se algum vizinho ou alguns cidadãos se opuserem à criação da nova RPPN. Em uma nação onde se exige opinião de outros para que alguém possa preservar a natureza na sua propriedade, tudo pode acontecer!
Mesmo resolvido o problema da consulta pública, subsistem muitos outros. Se a RPPN, depois de vistoriada – só Deus sabe quando e por quem – for agraciada com o reconhecimento do Poder Público, ainda precisa de muita coisa. Talvez o mais difícil e caro seja fazer o plano de manejo, que deverá ser aprovado pelo órgão ambiental competente. O roteiro metodológico do Plano de Manejo para Reservas Particulares do Patrimônio Natural, já divulgado pelo Ibama, tem 76 páginas e é coisa para entendidos. Ou seja, o proprietário deverá contratar especialistas, possivelmente muito caros e que muitas vezes serão egressos do Ibama ou de agências estaduais.
Como é possível que se acredite que vá existir algum trouxa que queira fazer todo este trâmite e gastar muito dinheiro somente para ter um título de Reserva Particular do Patrimônio Natural em sua propriedade ou em parte dela? É uma pena, pois se havia um projeto de governo para a conservação da natureza que vinha dando certo, com a participação do setor privado, era este. Tanto é verdade que, nos seus 14 anos de existência, foram criadas aproximadamente 500 RPPNs, totalizando cerca de 600 mil hectares. E esses proprietários têm investido milhões de reais de seus bolsos, em forma de terra e de infra-estruturas de proteção e visitação.
Lembrando, finalmente, que os proprietários que fazem RPPNs estão sacrificando a exploração de suas propriedades, em caráter de perpetuidade, para proteger um bem público que fornecerá serviços ambientais gratuitos para a sociedade, este projeto de decreto, que deforma a lei em que se fundamenta e que ridiculariza a política oficial, é uma monstruosidade. Se a presente minuta de decreto for aprovada na sua versão atual, será, na verdade, a decretação do fim das Reservas Particulares de Patrimônio Natural no Brasil.
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