Este é o nome do nosso sítio. Como seu acesso é desconhecido de nossos amigos, o cartaz com o título Jatobá-Já-tá-aí é antes de tudo uma brincadeira, pois jataí também é outro nome comum do jatobá. Além do mais, na estrada vicinal que dá acesso ao caminho que chega à nossa porteira há dois enormes pés de jatobá. Assim pensamos em facilitar a vida de quem quer nos visitar ou visitar um pedacinho de Cerrado totalmente protegido. É só ver os jatobás e já está aí. São apenas 50 hectares, mas como temos um riacho que passa por um paredão de rocha e com algumas nascentes dentro ou no limite de nossas terras, somos os felizes proprietários de nove cachoeiras. O que eu disse, felizes?
Bem como todos sabem temos vizinhos, uns razoáveis outros muito maus, nenhum bom. Como estes dias os cidadãos deste país estão um pouco cabisbaixos e bastante envergonhados por tantas denúncias e escândalos, vou começar pelos primeiros.
É realmente um privilégio ser vizinho de um Parque Estadual, o da Serra dos Pireneus e estar dentro de uma Área de Proteção Ambiental (APA). Pena que o Parque não esteja implantado e a APA, como sói acontecer, não acontece, nem o Conselho Gestor foi instituído. Como o ex-prefeito tem uma propriedade contígua à nossa, o caminho de acesso ao nosso sítio foi beneficiado e é bom. Agora estão asfaltando a via principal, pois outra autoridade do Estado parece que vai construir um resort por lá.
Na parte de cima do nosso sítio está a casa de veraneio do mencionado ex-prefeito que construiu uma boa casa de caseiro na beirada do riacho, em plena área de preservação permanente. Claro está que até hoje ninguém tomou providências para mudar a situação. Convivemos com um outro vizinho que tem uma pedreira onde explora a famosa pedra dos Pireneus, muito usada em piscinas, passeios, muros e outras que tais em Brasília e outros rincões. Tudo bem ouvir os estrondos da dinamite, mas a pedreira está na mesma nascente do riacho e, como se fosse pouco, seu dono joga os rejeitos dentro do curso de água. Como os rejeitos estão colocados como em uma muralha e não há tubulação para a passagem da água, estamos esperando o dia catastrófico em que uma boa chuva vai carregar tudo diretamente para o nosso sítio.
Um outro ainda resolveu fazer “agricultura” em uma pendente com mais de 45º de declividade, em área de preservação permanente. Até uma chácara, cedida pelo seu proprietário a um assassino recém liberado do presídio estadual, que utilizou toda sua energia para desmatar a mata ciliar e abrir uma pedreira, já compramos, com todo seu passivo ambiental, no afã de proteger nossa microscópica bacia. Mas não dá para comprar todas as propriedades.
Agora é a época dos incêndios, quando estamos fazendo os aceiros para tentar mais um ano ficarmos livres do fogo. Já conseguimos fazê-lo, por oito anos, mas estamos seguros que um dia ele virá. Acontece que a grande maioria de nossos vizinhos coloca fogo e não é somente uma vez por ano, são várias. Apagar fogo, principalmente de madrugada é tarefa hercúlea. O ano passado mesmo, toda a Serra onde estamos inclusive o Parque Estadual da Serra dos Pireneus, se queimou. Até as veredas e seus magníficos buritis foram queimados e muitos deles morreram. As belas paisagens, que eu adorava ver para me deleitar e mostrar às minhas visitas, jamais na minha vida as verei novamente, nem eu nem outros que, também, as apreciavam. No final do ano as doceiras da cidade enviam os meninos para coletarem os frutos do Cerrado como cajuí, mangaba, gabiroba e pequi na nossa chácara, pois no resto não há mais nada, o fogo se encarrega de queimar e acabar com estes frutos, justo na época de sua floração. Ponho-me a pensar, nos outrora abundantes animais, como emas, tatus, veados, cachorros do mato, lobos guará, macacos, araras, entre muito outros. O que vão comer? Estão simplesmente desaparecendo.
Assim são tratados os recursos hídricos e as famosas Áreas de Preservação Permanente a apenas 140 km da nossa capital federal e a 110 km da capital do Estado de Goiás.
Alguns poderiam perguntar se já não denunciei as irregularidades. Sim, já o fiz e ganhei ameaças de morte, em resposta. Aí não posso deixar de pensar como são inúteis nossas leis, sem fiscalização ou comprometimento da sociedade. E continuam a fazer uma batelada de leis e normas que quase ninguém cumpre. Falando em cumprir, um amigo, professor da Universidade Nacional de Brasília (UnB) aposentado e também nosso vizinho, construiu uma casa em área de preservação permanente. Como ele é “estrangeiro”, como diz o povo daqui para quem quer que venha de fora, foi notificado e, fiel cumpridor da lei, pois abaixo sua linda casa. Nenhum de seus vizinhos seguiu o exemplo ou respeitou a lei e ninguém sequer pensa em puni-los.
Não sei se já perceberam onde quero chegar. Na Resolução do Conama que dispõe sobre as Áreas de Preservação Permanente, ou APPs. Recentemente houve um manifesto de 200 entidades ambientalistas contra a Resolução e a Secretaria do Conama se defendeu com uma série de argumentos, até que contundentes: que esta resolução começou a ser elaborada em 1999; que houve muitas reuniões e consultas e seminários, é verdade; que grandes juristas a redigiram, é mesmo; que havia urgência em sua aprovação, etc., etc. Nada, porém, justifica o resultado final, que abre as APPs para uso direto de recursos, quando declaradas de utilidade pública ou interesse social por órgãos do Poder Público, quer dizer até no nível municipal, com uma série de justificativas e contingências, facilíssimas de se burlar ou dar a volta.
Senhores legisladores de boa-fé do Conama, eu os convido para, pertinho de Brasília, virem tomar umas comigo e um banho de cachoeira na área do sítio Jatobá – Já tá aí, que faz bem para a saúde, e ao mesmo tempo ver com funcionam, na prática, as APPs, onde os senhores agora querem propiciar uma ainda maior violação.
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