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Escusas para acabar com as reservas

Alguns milionários torram dinheiro em farra, outros investem na conservação de grandes áreas na África e na América Latina. Ironicamente, o segundo tipo é o mais criticado.

17 de outubro de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Alguns milionários começaram, há poucos anos, a comprar grandes nacos de terras em diversos países do mundo, com a intenção de proteger ecossistemas naturais, já que os governos locais não fazem bem o seu papel de conservar a natureza. Foi assim no Chile onde Douglas Tompkins comprou 271.000 hectares de floresta no belo sul desse país. Tompkins já prometera que, depois de implantada e de bem manejada a área, ele doaria suas terras de Pumalin para que o governo chileno estabelecesse um Parque Nacional. Artistas famosos como Jane Fonda e Michael Douglas e até políticos como Johan Eliasch, ex-tesoureiro do Partido Conservador do Reino Unido, aplicaram dinheiro de seus próprios bolsos para protegerem florestas tropicais na América do Sul. Eliasch comprou 162.000 hectares de floresta amazônica no Brasil. O multimilionário dono do Makro e do Calor Gás, Paul van Vlissingem é dono de uma grande área na Escócia e, além disso, financia a African Parks Foundation. O caso mais recentemente anunciado é o de uma doação de 3 bilhões de dólares pelo dono da empresa aérea Virgen Islands, que serão usados para combater o aquecimento global, provocado pelo uso de combustíveis fósseis e pelas queimadas, principalmente na Amazônia.

Os problemas políticos

Ações como estas, de pessoas privilegiadas pela sorte ou por mérito próprio, parecem ser inatacáveis, pois deveriam ser entendidas como um esforço do setor privado de contribuir para os serviços ambientais que áreas protegidas fornecem à população, juntamente com a conservação de parcela da biodiversidade para o futuro. Mas, por incrível que possa parecer, essas iniciativas vêm sendo atacadas por vários motivos, especialmente com base em falsos argumentos políticos e técnicos. O caso do Chile provocou enorme controvérsia, principalmente pela localização das terras que aparentemente dividem o Chile ao meio e pelo fato de estar na fronteira com a Argentina, o que supostamente poderia trazer ameaças à segurança nacional. Evidentemente quando Tompkins doar toda a área ao governo chileno para a constituição de um Parque Nacional, ou a uma fundação chilena, como vem sendo negociado, se espera que todo mundo fique de boca calada. Muitos países no passado, entre eles Chile e Argentina, estabeleceram Parques Nacionais em zonas fronteiriças exatamente como uma medida de segurança nacional. O famoso Perito Moreno, da Argentina, promoveu uma seqüência de grandes parques nacionais na fronteira, dentre eles os mais conhecidos, como Nauel Huapi e o que agora leva seu nome. No Chile foi a mesma coisa e os parques desse país estão praticamente todos na fronteira, como no caso de Torres del Paine. Então que papo é esse?

O assunto de segurança nacional e de que estão comprando terras em nossos países por interesses escusos e em nome do imperialismo dos ricos, nestes casos, é simplesmente ridículo. É evidente que o que esses ricaços querem é fazer algo importante para o futuro da humanidade, esteja ela no Norte ou no Sul. Fazem algo, igualmente, quanto mais não seja, para terem a consciência mais tranqüila, já que possuem tanto dinheiro e não podem acabar com ele em poucas gerações por mais perdulários que fossem. Também compram terras para proteção, por eles mesmos, porque já perceberam que o dinheiro doado, como antes faziam, às grandes ONGs transnacionais, se perde em burocracia ou é dedicado a resolver problemas sociais, ao invés de ambientais.

Mas, o principal problema que enfrentam os que compram terras para preservá-las e doá-las à sociedade nacional é a percepção, por alguns extraviados, de que isso tira dos vizinhos da área a possibilidade de se desenvolver, pois segundo eles, a melhor forma de preservar a natureza é explorando-a. Assim, a presença de populações tradicionais ou indígenas na vizinhança ou, pior, quando consideram que a área protegida ou comprada é parte de seus “territórios tradicionais”, se converte num pesadelo para quem deseja conservar o lugar. Paul van Vlissingen, um multimilionário holandês que está com câncer terminal, quer assegurar o que ele chama de “Museus do Planeta”, antes de sua morte e quer fazer isso apoiando a proteção de parques na África. Ele apóia, principalmente, um grande parque na Etiópia, o Omo, que fica junto às fronteiras de Quênia e Sudão. Mas, além da enorme diversidade faunística do local que sobrevive a duras penas em companhia de cerca de 50.000 Mursi, existem organizações socioambientais muito ativas que, em teoria, “defendem” seus interesses. Assim, os protestos contra a proteção da área começaram, não obstante venha a African Parks Foundation afiançando que não tem nenhuma intenção de proibir o acesso dos Mursi ao Parque. Mas, os assessores dos grupos tribais não escutam razões e, ao invés de aproveitar o apoio do milionário para desenvolver o turismo em beneficio dos Mursi, preferem eliminar o Parque e deixar que os Mursi continuem destruindo os recursos da área. Obviamente, os argumentos, também, passam mais uma vez pelo neo-colonialismo e imperialismo dos ricos.

Argumentos técnicos

Os argumentos mais disparatados que vêm sendo usados para se evitar o estabelecimento e o manejo de áreas reservadas, são supostamente técnicos ou de técnicos que não entendem de biodiversidade e são espantosos, pela absoluta falta de base científica. Um tal de William Hunt, dirigente de uma ONG denominada “Native Solutions for Conservation Refugees”, segundo publica a revista Philanthropy em sua edição de agosto/setembro de 2006 afirma: “Esta idéia de proteger áreas sem gente é um modelo americano, baseado na romântica idéia de vida silvestre sem gente. Mas as populações indígenas ajudam a preservar a biodiversidade. Onde eles foram removidos, a biodiversidade declinou”. A melhor resposta à tamanha asneira é perguntar para ele quem, então, destrói a natureza? Se a natureza é destruída em locais onde não existe atividade econômica que não seja a desenvolvida pelos próprios nativos, a quem, então, se deve acusar pela destruição? De onde ele sacou isso de que a biodiversidade é destruída onde não tem gente? Baseado em que evidência afirma que com gente dentro de uma área se tem mais biodiversidade? Como é possível que alguém, para defender populações tradicionais, que muitas vezes merecem ser defendidas, possa usar um argumento tão falso? Afinal, o único inimigo da natureza é o homem! Portanto, para o bem da própria humanidade, que precisa da biodiversidade, deve haver alguns poucos lugares do planeta onde a gente é proibida de desenvolver atividades econômicas. Para se usar um argumento tão desastrosamente mentiroso, só se o tal fulano quer dizer que as populações tradicionais, ou os índios, trouxeram espécies de fora e as plantaram, ou que se enriqueceu uma área já destruída ou, por exemplo, em um deserto, seja por que motivo for. O que mais impressiona é o fato de que esses argumentos falsos estão sendo utilizados com a maior sem cerimônia, em muitos países do mundo e por muitos técnicos ou ambientalistas de meia tigela.

A verdade

Na verdade o que vem acontecendo é que os governos de muitos países em processo de desenvolvimento estão usando qualquer desculpa para ocupar áreas que não deveriam ser ocupadas. O que eles desejam como no caso de muitos chilenos no governo ou nos setores agropecuário, florestal ou mineral, é usar a terra de Pumalin para expandir essas atividades econômicas, que implicam na erradicação da floresta nativa e da biodiversidade local. Pumalin não tinha índios nem outras populações dentro, exceto aqueles que venderam legalmente suas terras, a bom preço, ao gringo. Se ele tivesse comprado a terra, como tantos outros estrangeiros no Chile, para criar vacas ou plantar pinheiros, ou eucaliptos, ninguém teria protestado. O que essa gente não aceita é preservar a natureza.

Sobram tão poucas áreas naturais no mundo e é sempre uma pequena percentagem da extensão territorial dos países que as possuem. É a pressão populacional e o antropocentrismo que determinam a destruição e extinção de ecossistemas, biomas e espécies. Prevalece a nossa espécie acima de todas. Tudo vem sendo destruído celeremente e ficam apenas uns poucos bobos defendendo, com argumentos científicos, os seres vivos que não falam e não votam, ou, no caso daqueles ricaços, tentando ajudar a preservar o pouco que resta para ser preservado com o dinheiro que têm, ou seja, como podem.

Pouco está restando da natureza como era antes da avassaladora saga de nossa espécie. Porque então criar-se tantos empecilhos a quem quer ajudar? Evidentemente uns poucos ricaços não vão poder interferir na soberania nacional de nossos países e estão sujeitos a cumprir a legislação, assim como nós. Porque subestimar-se a capacidade de negociação e o patriotismo de nossos cidadãos? Porque esta preocupação de imperialismo ou colonização não se centra na retirada de recursos minerais, por exemplo, ou na maciça exportação de alimentos, ou nas áreas florestais que estão sendo incendiadas para usos bem menos nobres que o preocupar-se e fazer algo pelo ambiente de que tanto dependemos?

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