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Plano do governo sobre áreas protegidas

Governo lança plano estratégico para áreas protegidas que promete milagres, mas não diz como eles serão realizados. Resta ter fé que acontecerá o nunca antes visto na história.

10 de novembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Agora eu sei o que de importante fez a diretoria de áreas protegidas do Ministério do Meio Ambiente, nos últimos quatro anos: O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas-Subsídios para a Elaboração do Plano Operacional, com suas 36 páginas. A gestação foi longa, mas venhamos e convenhamos que o produto discutido dias 9 e 10 de novembro é uma peça de arte. Não escapou nada. O Plano é tão bom, tão utópico, que nos dá a sensação que o pessoal que nele trabalhou sabe tudo sobre o assunto, dispensando outras colaborações. Não se esqueceram de nada, nem de transmitir, também, a esperança que talvez esse governo fale sério sobre a conservação da biodiversidade e tudo sobre o gigantesco tema estará completamente resolvido até o ano 2010, ou, no mais tardar, em 2012.

Tudo, mas tudo mesmo, terá solução, segundo os executores do Plano. Até o espinhoso tema da regularização fundiária de todas as unidades de conservação existentes, ou seja, a bagatela da soma de 80 milhões de hectares que o país possui, pelo menos por decreto. Não adverte, porque não se trata de passado e sim de futuro, que 50% das unidades de conservação criadas no nível federal ainda não foram regularizadas quanto ao aspecto fundiário, desde o ano da criação do primeiro Parque Nacional: o do Itatiaia em 1937. Todos os governos pregressos foram, portanto, incapazes de resolver este problema, o mais sério do Sistema Nacional, nas últimas quase sete décadas. Mas, não nos preocupemos, pois o governo atual vai resolver esta “herança maldita”, até 2010. Que coisa boa se isso fosse possível! Os últimos governos que compraram 2 milhões de hectares de terras particulares em unidades de conservação foram o do Geisel e do Figueiredo. Depois deles, nenhum outro atingiu essa impressionante meta.

O documento, ora em discussão, não menciona a previsão orçamentária para a proeza de se regularizar 40 milhões de hectares, embora dê algumas possíveis e conhecidas fontes de recursos, como os advindos dos 0,5% de compensação ambiental de obras de grande impacto ambiental (os mesmos recursos que os governos ainda não conseguiram usar para as áreas protegidas), o ICMS ecológico, as doações de várias fontes, entre elas as do ARPA, e assim por diante. Será que sabem exatamente quantos recursos financeiros serão necessários? Mesmo se dispusesse dos recursos financeiros, a experiência das últimas sete décadas tem demonstrado que é muito lento o processo de aquisição de terras de particulares dentro das unidades de conservação e que, muitas vezes, depende de decisões judiciais que se arrastam por muitos anos.

Penso sinceramente que a soma total necessária deve estar na ordem de grandeza de muitos bilhões de reais. Mesmo que a implantação do sistema venha a ser uma prioridade do governo nos próximos 4 anos, não podemos nos esquecer que o orçamento, no mesmo período passado, girou em torno de 10 milhões por ano, o menor das duas últimas décadas. Se continuasse, portanto, com 10 ou 20 milhões por ano, até atingir, vamos dizer 10 bilhões de reais, levar-se-ia de 500 a 1.000 anos para a efetiva implantação no campo das unidades de conservação do sistema federal. É um tempão.

Mas, claro, se o governo gasta bilhões em hidroelétricas, os 10 bilhões necessários para o feito mencionado, de se regularizar fundiariamente todas as áreas protegidas existentes, é a mesma quantia que se necessitaria para a construção de somente 3 ou 4 hidroelétricas. Porque então não gastaria com as unidades de conservação, que são muito mais importantes para o futuro da humanidade? Assim vamos acreditar na boa intenção e no milagre econômico para as unidades de conservação que enfim serão, na prática, segundo o bem intencionado documento, uma prioridade governamental.

Outro aspecto fundamental é que o Plano prevê pessoal adequado para todas as unidades de conservação federais, ou seja, para 80 milhões de hectares. Hoje o Brasil tem 1 funcionário para 100.000 hectares, uma das mais baixas médias do mundo.

Como a média mundial gira em torno de 27 funcionários para 100.000 hectares, significa que vamos contar com um contingente de funcionários no IBAMA 27 vezes maior ao que existe na atualidade. Dá para acreditar que esta meta será atingida nos próximos 4 anos? Só se houver uma revolução ambientalista neste país, o mesmo que carrega o cetro de ser o do maior índice de desmatamento do mundo.

Menciono principalmente os dois aspectos acima, dentre uma série deles no documento, porque é óbvio que se tiverem recursos financeiros e humanos, a resolução dos demais problemas fica bem mais fácil e, com tamanha boa intenção, tem-se de acreditar que assim será. Pelo menos retratará um patamar de prioridade política para o assunto, que nunca existiu, em governo algum, no nosso país.

Mas escorregando um pouco sobre outro tema muito bem abordado no documento, cujo assunto tem sido relegado à última prioridade, que é a conservação de recursos naturais nas zonas costeira e marinha do Brasil, tem-se a nítida impressão que os mesmos estarão completamente a salvo, nos auspiciosos anos vindouros. Muito bem. Afinal o país das lindas praias e da imensa costa, precisa enxergá-las, sob o prisma de sua proteção. Será que esse governo vai enxergá-las também? Vamos apostar que sim, pois por enquanto, nosso mar é o receptáculo final de todas as mazelas como lixo, poluição, assoreamento, sobre pesca, espécies invasoras, derramamentos de petróleo e outros produtos tóxicos provenientes do desenvolvimento a qualquer custo. Há pouquíssimas áreas protegidas costeiras ou marinhas no país, além do fato de que as áreas de preservação permanente, pelo só efeito da Lei, são violentadas no dia a dia, sem que quase ninguém pague por isso.

O Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas é realmente ambicioso, mas profundamente correto. Parabéns aos que o fizeram, pois, também, nos fazem sonhar. Infelizmente pode não passar de um sonho bom. Com tantos governos que este país teve, desde o início do sistema federal de áreas protegidas em 1.937, fossem eles militares ou democráticos, não se conseguiu sequer planejar ou executar 10% do agora previsto, nem mesmo pelo mesmo governo dos últimos quatro anos, que joga hoje esse arrojado planejamento em nosso colo. Vamos niná-lo como a um filho nosso, pois é disso mesmo que nossos descendentes vão precisar se quiserem usufruir da imensa biodiversidade do Brasil.

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