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Jogo Brasil X Inglaterra

O estádio de Wembley custou 3 bilhões de dólares. È preciso o triplo para conservar nossa biodiversidade. Parece muito, mas se fosse para investir em futebol não seria problema.

5 de junho de 2007 · 17 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

Como a grande maioria dos brasileiros, sou apaixonada por futebol. Assim, vi o último jogo do Brasil contra a Inglaterra, na quinta feira à tarde. Não me senti uma ociosa, pois afinal até o nosso presidente foi no magnífico estádio inglês para assistir o espetáculo. Se ele tem tempo, eu devo ter muito mais. O que realmente me tocou fundo, já que o jogo estava sofrível, foi a informação reiterada muitas vezes, durante a transmissão, pelos repórteres, que o novo estádio de Wembley custou a bagatela de 3 bilhões de dólares. Três bilhões de dólares!Impressionante. Como a próxima Copa do Mundo de 2014 vai ser no Brasil, pode ser que tenhamos de gastar, se não três bilhões, pelo menos um bilhão, para preparar nossos estádios para tão imprescindível evento.

Mas, também, é imprescindível que cuidemos de nossa enorme biodiversidade. Pelo menos todos concordam com essa afirmativa, desde os mais altos executivos, até nossos bem informados motoristas de táxi. Aí, neste momento, comecei a calcular: se precisamos de 10 bilhões de dólares para implementar o sistema de unidades de conservação do Brasil, conforme já publiquei aqui no artigo “ Plano de Governo sobre Áreas Protegidas” , baseada em um relatório oficial, com o preço de um ou dois estádios de futebol como o de Wembley, ou de duas ou três hidroelétricas no Madeira, nós teríamos nosso sistema federal de áreas protegidas, ou unidades de conservação completamente consolidado. Mas, que inocência! Futebol tem prioridade política, pois é prioridade nacional, quando se trata de dar votos. Preservar a biodiversidade do país, que é a maior do mundo, não teve prioridade, não tem. Ou colocando de outra forma: Será que o Presidente Lula já visitou algum Parque Nacional do Brasil, na qualidade de guardião desse enorme patrimônio natural? Talvez seja até mais agradável do que ver uma onça que um medíocre jogo de futebol.

Nós possuímos a bagatela de quase 70 milhões de hectares de unidades de conservação, o que é bem expressivo, convenhamos. É o maior patrimônio natural físico do país. Cerca de 50%, segundo informam as autoridades do Ministério de Meio Ambiente, deste montante, carecem de regularização fundiária. E carecem de muito mais: viaturas, rádios, infra-estrutura recreativa ou turística e também para a administração, combustível, rádios, etc.etc. Além de pessoal, é óbvio. Volto a repetir nestas páginas: Nós temos 1(um) funcionário no sistema nacional de unidades de conservação para 100.000 hectares, enquanto a média mundial, entre os países ricos ou pobres, é de 27 funcionários para 100.000 hectares. Será que ao criarem o malfadado Instituto Chico Mendes para a Conservação da Biodiversidade recentemente, nossos governantes planejaram melhorar, na verdade, o sistema nacional de áreas protegidas, colocando no novo instituto pelo menos o mesmo número de funcionários da média mundial? Afinal eles vêm dizendo que criaram a nova estrutura para melhor manejar a nossa biodiversidade, salvaguardada no sistema de áreas protegidas.

E os recursos financeiros? A proteção da natureza vai ter mais recursos que os malfadados 20 milhões dos últimos anos do último mandato do mesmo presidente? Nossa média de recursos para manejar o sistema brasileiro é de R$ 0, 0008 por hectare, que está entre as mais baixas do mundo.

Se continuarmos com a média de 20 milhões ao ano para o sistema, como ocorreu no primeiro mandato do Presidente Lula, vamos levar pelo menos 500 anos para implementar nossas áreas protegidas ou unidades de conservação. Melhor deixar fazer as hidroelétricas, pois é evidente que as áreas protegidas não vão estar incólumes nos próximos cinco séculos.

Aí me pego pensando: o que é mais importante para a Nação? Estádios de futebol, hidroelétricas ou a garantia da conservação de nossa biodiversidade? Que me perdoem a indústria do futebol, a indústria das hidroelétricas, ou qualquer outra atividade esportiva ou desenvolvimentista; na minha cabeça, a longo prazo, é melhor se preservar amostras da natureza de um país, porque, e a resposta é óbvia, qualquer atividade desenvolvimentista e mesmo de recreação, como é o caso do futebol, vai precisar da nossa natureza, de nossos recursos hídricos, de nossos solos. Por que é tão difícil para nossos governantes entenderem este fato inconteste? Por que não se dá prioridade ao que é realmente prioritário? Por que ninguém se espanta muito que uma hidroelétrica ou um estádio de futebol possa custar bilhões de reais, os mesmos bilhões que garantiriam uma melhor oportunidade de vida para nossos cidadãos e para nossos filhos, se aplicados em conservação da natureza? Aqui há que se dar uma pausa para dizer que os ingleses não precisam se preocupar em escolher uma coisa ou outra, pois, afinal, aquele país tem muito mais recursos que os 3 bilhões de dólares para proteger sua não tão exuberante natureza.

Bem, este meu raciocínio pode ser conseqüência da má qualidade do futebol que vimos no jogo entre a Inglaterra e o Brasil, ou pelo prestígio que o mesmo teve de nossas autoridades constituídas, com a presença até do nosso mais alto mandatário. Mas, também, pode ser pelo desânimo de uma ambientalista, que milita na área há mais de 41 anos, de não conseguir vislumbrar, pelo andar da carruagem, um plano de governo que enfrente os problemas ambientais com a maturidade e com a responsabilidade requeridas.

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