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O que brilha nem sempre é ouro

A injustiça na distribuição de prêmios na área ambiental é elevada. Os ambientalistas mais famosos, independentemente de seus méritos, são os que ocuparam postos políticos.

21 de janeiro de 2008 · 17 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Há alguns anos, o Aeroporto Juscelino Kubitschek da capital federal ofereceu uma exposição de fotografias dos personagens mais importantes do Brasil, nos diversos campos da atividade humana. Foi prazeroso ver que o tema ambiental estava incluído, mas causou surpresa constatar que seus representantes eram José Lutzemberg e Chico Mendes. Estas não eram as figuras que a imensa maioria dos conhecedores e estudiosos do tema tivesse pensado no momento de escolher as duas pessoas que mais contribuíram ao tema ambiental, ao longo da história do Brasil. É verdade que estes dois nomes poderiam figurar em uma lista mais ampla, mas, o que chamava a atenção, é que esses eram os únicos incluídos na exposição.

Quando se analisam os reconhecimentos públicos como as condecorações, homenagens, nomeações e prêmios, a gente constata a mesma coisa. É comum se perguntar como esta pessoa recebeu o prêmio, quando aquela outra, que fez muito mais ou, inclusive, que fez o que a pessoa premiada aproveitou, nem é considerada? O nível de insatisfação dos que conhecem os atores da história, com o grau de justiça aplicado na distribuição de honras, prebendas e prêmios na área ambiental, é particularmente elevado. A maior parte dos observadores concorda em que mais da metade dos que ganharam os grandes prêmios internacionais, esses que aportam algumas centenas de milhares de dólares aos beneficiários, deixam grandes dúvidas sobre os méritos que justificaram a sua premiação. Embora sabendo do enorme número de variáveis incluídas nessas escolhas e seu caráter relativo e inevitavelmente subjetivo, deve se reconhecer que essa é uma proporção grande demais.

Quais são os requisitos para que as pessoas ou instituições sejam reconhecidas ou recompensadas publicamente pelas suas contribuições à sociedade? A resposta é que o primeiro e principal requisito é que a população esteja informada da sua existência e das suas obras. Ou seja, em boa conta, depende da abertura que os meios massivos de difusão de informação oferecem aos atores individuais ou coletivos. O reconhecimento será tanto maior, quanto maior for a presença “positiva” dos atores na imprensa escrita ou na televisão e, agora, na internet.

Por isso é que, finalmente, os políticos, são sempre os que mais se destacam e recebem mais honras públicas, seguidos pelos esportistas e artistas populares. Muito atrás vêm os cientistas e os filósofos, exceto se estes últimos são assim mesmo políticos. Isto é normal, pois, os políticos foram eleitos (ou impostos) para planejar e executar ações de interesse comum. O que se esquece, no momento de recompensá-los, é que muitas vezes eles não executam suas próprias idéias e, sim, as de outros raramente conhecidos e que, ainda com mais freqüência, não fazem nada além de providenciar os meios ou dar as ordens, ou seja, a sua mera obrigação.

Por isso é que os ambientalistas mais famosos, independentemente dos seus méritos, são os que ocuparam postos políticos ou foram políticos, como no caso dos personagens escolhidos no aeroporto de Brasília ou, neste momento, Al Gore e Marina Silva. Esta última foi declarada, por um importante jornal britânico, como a “única na América Latina que tem poder” para salvar o planeta, dentre 50 personalidades. É evidente que os que escolheram exclusivamente seu nome, não sabem quase nada sobre o Brasil e menos ainda sobre o continente, mas, tabularam cuidadosamente o número de vezes que o nome de Marina Silva aparece na imprensa. Não obstante, ela tem méritos indiscutíveis. Outros casos de pessoas da região que alcançaram reconhecimentos internacionais desproporcionados ou definitivamente imerecidos são, lamentavelmente, muito numerosos e, quase sempre, correspondem aos que incursionaram também na política.

O óbvio é que ninguém vira famoso sem ser conhecido. No caso de atividades que em princípio ficam longe dos holofotes, como a ciência e as artes clássicas, serem conhecidos pode ser conseqüência de aportes extraordinariamente valiosos e tão evidentes, que os jornalistas ficam obrigados a correr atrás dos autores. Mas, em geral, ser conhecido é fruto de um trabalho meticuloso de publicidade que deve, em uma primeira instância, quebrar a inércia e, logo, fazer muita ginástica e concessões para ser mantido. Na área ambiental, como em algumas outras, existe pouco espaço para impactar deste modo a sociedade. Fazer notícia em meio ambiente é difícil, pois os temas são particularmente complexos, gradativos, têm muitos atores e, por tudo isso em geral, carecem de apelo jornalístico. Ainda assim, alguns ambientalistas, como Lutzemberg, conseguiram grande maestria na arte de impactar aos jornalistas e por fim ao público, com base quase exclusiva nas denúncias onde importava mais a intensidade do barulho que a veracidade dos fatos. E isso, quando acompanhado de boa capacidade oratória e de uma dose adequada de inteligência, é uma receita infalível como ficou demonstrado, no caso mencionado, que por fim foi nomeado Ministro de Estado.

Outro exemplo de ganho de fama com base em denúncias e não em obras, na América Latina, foi o de Felipe Benavides, um peruano que ganhou o primeiro Prêmio Getty basicamente por fazer propaganda nos jornais e na televisão. Sua tática era simples. Tão logo era informado pelos jornais, ou de outra forma, de alguma decisão importante realizada pelo governo (por exemplo, o estabelecimento de um novo parque nacional) ele chamava uma conferência de imprensa e informava que “finalmente o governo tinha feito o que ele vinha sugerindo ou reclamando”. Em geral nem conhecia os fatos e tampouco tinha visitado o local, mas a sua imaginação superava esses pequenos detalhes e, como ademais ele era muito extravagante e atrevido, seus convites eram atos grandemente concorridos pelos jornalistas à procura de completar edições.

Logo, coletava o que de melhor tinha sido publicado sobre ele e remetia urbi et orbi agregando, em bom inglês, que essas eram suas obras. Quando se tratava de fazer denúncias era um verdadeiro mestre e, qualquer causa ambiental era de seu interesse, se pudesse dar uma primeira página. O resultado desse comportamento foi como era de se esperar, muitas honras imerecidas. Ao mesmo tempo, esse comportamento se transformou em empecilho para se desenvolver trabalho sério, pois na sua procura pela fama, não se importava em atacar, difamar e sabotar os esforços dos que realmente trabalhavam na área ambiental.

Não se pode reprovar os jornalistas por se sentirem atraídos por personalidades vistosas ou ousadas que, embora falando mentiras ou meias verdades, geram notícia. Menos ainda quando os diretores e editores dos meios onde trabalham lhes ordenam assistir as suas conferências ou entrevistá-los. Tampouco deve se pedir aos que têm algo a dizer e denunciar, que não o façam. Muito no contrário. Gore, por exemplo, está fazendo um trabalho notável e merece, sem dúvida, o Prêmio Nobel recebido. Apenas cabe recomendar aos jornalistas, que perseguem de perto a esses denunciantes sistemáticos e expressem, nos seus relatos, as dúvidas provocadas pelas declarações, citem perguntas não respondidas e que, por último, consultem outras fontes para verificar os fatos antes de ecoá-los. Mas, isso possivelmente é pedir muito, e este problema, tão vinculado à vaidade humana, nunca terá solução.

O caso dos prêmios tem outros matizes. Para ganhá-los o pré-requisito, ademais de ser conhecido, é se apresentar ou ser indicado a um prêmio que corresponda aos pretensos méritos para recebê-lo. Muitos dos que merecem receber um prêmio, modestos demais ou sem boas relações, jamais dão um passo na direção de consegui-lo. Ou seja, não se apresentam, nem solicitam aos amigos ou as suas instituições que o façam. Outros, ao contrário, se apresentam ou “são apresentados” a todos os prêmios, até que, por cansaço, terminam recebendo algum. Obviamente, embora os mecanismos de premiação devessem evitar para os candidatos a humilhação de ter que se apresentar, é evidente que, salvo exceções, quem não procura esses prêmios não os receberá nunca. A cada ano, circulam pelo mundo dúzias de milhares de cartas das instituições que brindam os prêmios, solicitando a apresentação de candidatos e os prazos e condições para se fazê-lo. Tratam-se de formulários pesados e complexos e, os que algumas vezes os preencheram, sempre sem sucesso, não reiteram o esforço. Ainda assim, muitos dos que realmente merecem o prêmio nem sabem que poderiam ter uma oportunidade de recebê-lo.

Deve se reconhecer que a decisão, na maior parte desses prêmios é feita em função da publicidade prévia que rodeia os candidatos e candidatas e, portanto, em certa medida da publicidade que a outorga do prêmio pode aportar aos que o oferecem. Assim mesmo há muitos pesos variáveis tais como raça, sexo, nacionalidade, nível social, conjuntura política ou interesse empresarial ou político para os que auspiciam o prêmio. E, claro, dependem muito, muito mesmo, da influência do “padrinho” ou “madrinha” do candidato que geralmente está sentado no júri, ou comitê, que decide a outorga. Ou seja, como com a publicidade, a qualidade ou importância da obra do candidato tem, salvo exceções, um peso relativamente menor.

Essa situação não é, obviamente, exclusiva da área ambiental. Como dito, tampouco é possível evitar que aconteça. Apenas seria desejável que a sociedade receba uma informação mais fidedigna sobre os que trabalham para ela. Uma responsabilidade recai diretamente nos meios acadêmicos, que deveriam pesquisar um pouco mais e melhor a história dos defensores do meio ambiente e dos recursos naturais de cada país e revelar o que tão poucos sabem. Dessa forma, se descobriria que uma centena de outros nomes, além dos dois apresentados em Brasília como expoentes de 500 anos de história ambiental do Brasil teria igual ou mais direito a nela figurar. E a cidadania teria bem mais motivos para estar orgulhosa dos muitos homens e mulheres que contribuíram, às vezes com sacrifícios heróicos, para salvar seu patrimônio natural e a melhorar sua qualidade de vida.

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