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A saída

WWF vai divulgar estudo de especialistas da UNICAMP sobre cenários alternativos para energia no Brasil, que mostra ser possível reduzir fortemente as emissões de gases estufa.

13 de setembro de 2006 · 18 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Existe alternativa sustentável para o suprimento de energia elétrica no Brasil. Uma dessas alternativas será mostrada nesta próxima quinta-feira pelo WWF (World Wildlife Fund), ao divulgar o estudo A Agenda Elétrica Sustentável 2020, apoiado por uma coalizão de organizações ambientais e empresariais e realizado por uma equipe da Universidade de Campinas e da International Energy Initiative. Ele contém as projeções para dois cenários energéticos para o Brasil no ano 2020. Comento, aqui, por antecipação uma parte das conclusões, que mostra como uma visão correta da questão energética, hoje indissociável do desafio climático e do meio ambiente, possibilitaria que o Brasil atendesse às suas necessidades energéticas com segurança, sem comprometer o crescimento econômico e reduzindo consideravelmente as emissões de carbono.

O que os cenários do WWF acabam por revelar é que estamos em um curso ambientalmente insustentável para suprimento de energia elétrica no país. O “Cenário Tendencial”, que supõe que seguiremos o curso atual, aponta para um aumento de 233% nas emissões de carbono (CO2) e de 208% nas emissões de óxido de nitrogênio (NOx) até 2020.

O trabalho compara esse cenário tipo “mais do mesmo”, a um cenário de “Energia Sustentável”, que permitiria praticamente estabilizar as emissões de carbono nos níveis de 2004. Levaria a um crescimento de apenas 9,2% e de 4% nas emissões de óxido de nitrogênio, até 2020.

É uma iniciativa muito bem-vinda, numa hora em que vivemos a mais absoluta alienação no país com relação à questão climática. Os sinais de negligência com o principal desafio global do Século XXI estão por toda parte. O Brasil está atrasado no reconhecimento do desafio da mudança climática e da responsabilidade que temos no seu enfrentamento. Predomina entre nós a visão de que não temos responsabilidade, porque a contribuição histórica dos países desenvolvidos é que nos trouxe até esse ponto de stress climático. É uma falácia. Confunde estoque e fluxo. Se não contribuímos tanto no passado, não significa que hoje não sejamos um dos principais contribuintes para o agravamento do efeito estufa. Além disso, nosso papel histórico insignificante é discutível, quando consideramos as contribuições não-industriais e o desmatamento. Por outro lado, podemos ser responsáveis e continuar crescendo. Também é falaciosa a idéia de que precisamos ser insustentáveis para poder crescer. Evoluímos e, hoje, existem modos alternativos de crescimento, que são ambientalmente sustentáveis.

Mentalidade de construtor

Os planos do governo brasileiro para o setor elétrico é que estão na contramão: prevêem a carbonização adicional do sistema, com o aumento da participação de combustíveis fósseis, principalmente carvão. Eles revelam, com toda clareza, que as autoridades da área vêem a energia como dissociada do tema ambiental e, sobretudo, da questão climática. No setor elétrico, cresce a pressão contra a regulação ambiental, apresentada como um entrave para o desenvolvimento do setor. A discussão sobre geração de eletricidade no Brasil é anacrônica. Não reconhece a relação inescapável entre energia e meio ambiente e está subordinada a uma mentalidade de construção a qualquer custo.

O que trabalhos como esse do WWF mostram é que existem maneiras alternativas de conceber o suprimento de energia elétrica. Por elas, o planejamento do setor elétrico considera as necessidades ambientais como premissa, juntamente com as necessidades de energia. É evidente que uma discussão inteligente de nossa segurança energética não pode admitir uma moratória hidroelétrica. Mas uma visão de conjunto, partindo da premissa da interdependência entre segurança energética e ambiental, admite, com certeza, a escolha criteriosa, excluindo aquelas que tenham balanço energético-ambiental desfavorável e dando prioridade àquelas com balanço positivo. O restante deve e pode ser complementado por fontes alternativas.

O cenário de energia sustentável desenvolvido no estudo de especialistas da UNICAMP para a WWF mostra que é possível reduzir danos ambientais e, principalmente, as emissões de gases estufa, se a política energética brasileira considerar com seriedade e prioridade a economia e a eficiência de energia e o aumento no uso de outras fontes renováveis.

O setor de energia precisa, mesmo, de uma séria discussão sobre produtividade e eficiência, tanto pelo lado da oferta, quanto pelo lado da demanda. Na época do apagão foi possível ver o potencial de economia de energia e a adaptabilidade do consumidor doméstico brasileiro a padrões de poupança de eletricidade. Em uma coluna para Veja, me lembro de haver tratado dos aspectos sociológicos desse comportamento do consumidor brasileiro, cuja pronta resposta permitiu economias superiores a 20%, a partir de medidas relativamente simples, de emergência. Ações mais consistentes, de promoção da eficiência na produção e geração, dos equipamentos e de estímulo ao consumo mais consciente, poderiam superar essa discussão, se objetivo for encontrar soluções que garantam suprimento eficaz, com o máximo de bem-estar para o desenvolvimento sustentado e sustentável do Brasil. Todas as termoelétricas e hidrelétricas mais polêmicas se tornariam desnessárias com os ganhos de eficiência energética e o recurso a fontes alternativas comprovadamente viáveis. A questão é saber se o objetivo suprimento com bem-estar e sustentabilidade, ou apenas construir.

Os parâmetros usados pelo estudo são consistentes e compatíveis com taxas médias de crescimento econômico muito satisfatórias. Os resultados mostram que existem caminhos alternativos viáveis. Pode haver polêmica, debate. Mas isso é saudável. Porque estaremos discutindo alternativas e não prisioneiros de um paradigma envelhecido e insustentável de tratamento das necessidades e do potencial energético do país. Se conseguirmos, além disso, avançar na discussão de um novo paradigma para os combustíveis no Brasil, com a melhora da qualidade dos que estão em uso e o crescimento de fontes renováveis, para substituí-los progressivamente, vamos caminhar na direção de uma atitude responsável, a única compatível com nossa posição de potência intermediária na construção de um novo padrão de governança global da economia, da energia e do clima.

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