Existe alternativa sustentável para o suprimento de energia elétrica no Brasil. Uma dessas alternativas será mostrada nesta próxima quinta-feira pelo WWF (World Wildlife Fund), ao divulgar o estudo A Agenda Elétrica Sustentável 2020, apoiado por uma coalizão de organizações ambientais e empresariais e realizado por uma equipe da Universidade de Campinas e da International Energy Initiative. Ele contém as projeções para dois cenários energéticos para o Brasil no ano 2020. Comento, aqui, por antecipação uma parte das conclusões, que mostra como uma visão correta da questão energética, hoje indissociável do desafio climático e do meio ambiente, possibilitaria que o Brasil atendesse às suas necessidades energéticas com segurança, sem comprometer o crescimento econômico e reduzindo consideravelmente as emissões de carbono.
O que os cenários do WWF acabam por revelar é que estamos em um curso ambientalmente insustentável para suprimento de energia elétrica no país. O “Cenário Tendencial”, que supõe que seguiremos o curso atual, aponta para um aumento de 233% nas emissões de carbono (CO2) e de 208% nas emissões de óxido de nitrogênio (NOx) até 2020.
O trabalho compara esse cenário tipo “mais do mesmo”, a um cenário de “Energia Sustentável”, que permitiria praticamente estabilizar as emissões de carbono nos níveis de 2004. Levaria a um crescimento de apenas 9,2% e de 4% nas emissões de óxido de nitrogênio, até 2020.
É uma iniciativa muito bem-vinda, numa hora em que vivemos a mais absoluta alienação no país com relação à questão climática. Os sinais de negligência com o principal desafio global do Século XXI estão por toda parte. O Brasil está atrasado no reconhecimento do desafio da mudança climática e da responsabilidade que temos no seu enfrentamento. Predomina entre nós a visão de que não temos responsabilidade, porque a contribuição histórica dos países desenvolvidos é que nos trouxe até esse ponto de stress climático. É uma falácia. Confunde estoque e fluxo. Se não contribuímos tanto no passado, não significa que hoje não sejamos um dos principais contribuintes para o agravamento do efeito estufa. Além disso, nosso papel histórico insignificante é discutível, quando consideramos as contribuições não-industriais e o desmatamento. Por outro lado, podemos ser responsáveis e continuar crescendo. Também é falaciosa a idéia de que precisamos ser insustentáveis para poder crescer. Evoluímos e, hoje, existem modos alternativos de crescimento, que são ambientalmente sustentáveis.
Mentalidade de construtor
Os planos do governo brasileiro para o setor elétrico é que estão na contramão: prevêem a carbonização adicional do sistema, com o aumento da participação de combustíveis fósseis, principalmente carvão. Eles revelam, com toda clareza, que as autoridades da área vêem a energia como dissociada do tema ambiental e, sobretudo, da questão climática. No setor elétrico, cresce a pressão contra a regulação ambiental, apresentada como um entrave para o desenvolvimento do setor. A discussão sobre geração de eletricidade no Brasil é anacrônica. Não reconhece a relação inescapável entre energia e meio ambiente e está subordinada a uma mentalidade de construção a qualquer custo.
O que trabalhos como esse do WWF mostram é que existem maneiras alternativas de conceber o suprimento de energia elétrica. Por elas, o planejamento do setor elétrico considera as necessidades ambientais como premissa, juntamente com as necessidades de energia. É evidente que uma discussão inteligente de nossa segurança energética não pode admitir uma moratória hidroelétrica. Mas uma visão de conjunto, partindo da premissa da interdependência entre segurança energética e ambiental, admite, com certeza, a escolha criteriosa, excluindo aquelas que tenham balanço energético-ambiental desfavorável e dando prioridade àquelas com balanço positivo. O restante deve e pode ser complementado por fontes alternativas.
O cenário de energia sustentável desenvolvido no estudo de especialistas da UNICAMP para a WWF mostra que é possível reduzir danos ambientais e, principalmente, as emissões de gases estufa, se a política energética brasileira considerar com seriedade e prioridade a economia e a eficiência de energia e o aumento no uso de outras fontes renováveis.
O setor de energia precisa, mesmo, de uma séria discussão sobre produtividade e eficiência, tanto pelo lado da oferta, quanto pelo lado da demanda. Na época do apagão foi possível ver o potencial de economia de energia e a adaptabilidade do consumidor doméstico brasileiro a padrões de poupança de eletricidade. Em uma coluna para Veja, me lembro de haver tratado dos aspectos sociológicos desse comportamento do consumidor brasileiro, cuja pronta resposta permitiu economias superiores a 20%, a partir de medidas relativamente simples, de emergência. Ações mais consistentes, de promoção da eficiência na produção e geração, dos equipamentos e de estímulo ao consumo mais consciente, poderiam superar essa discussão, se objetivo for encontrar soluções que garantam suprimento eficaz, com o máximo de bem-estar para o desenvolvimento sustentado e sustentável do Brasil. Todas as termoelétricas e hidrelétricas mais polêmicas se tornariam desnessárias com os ganhos de eficiência energética e o recurso a fontes alternativas comprovadamente viáveis. A questão é saber se o objetivo suprimento com bem-estar e sustentabilidade, ou apenas construir.
Os parâmetros usados pelo estudo são consistentes e compatíveis com taxas médias de crescimento econômico muito satisfatórias. Os resultados mostram que existem caminhos alternativos viáveis. Pode haver polêmica, debate. Mas isso é saudável. Porque estaremos discutindo alternativas e não prisioneiros de um paradigma envelhecido e insustentável de tratamento das necessidades e do potencial energético do país. Se conseguirmos, além disso, avançar na discussão de um novo paradigma para os combustíveis no Brasil, com a melhora da qualidade dos que estão em uso e o crescimento de fontes renováveis, para substituí-los progressivamente, vamos caminhar na direção de uma atitude responsável, a única compatível com nossa posição de potência intermediária na construção de um novo padrão de governança global da economia, da energia e do clima.
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