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Malabarismo diplomático em Viena

Reunião em Viena confirma impasse sobre o Clima. Os ricos não cumprem metas porque os emergentes rejeitam compromissos, os emergentes recusam metas porque os ricos não as cumprem.

2 de setembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Como se poderia descrever uma reunião de 158 países, de uma semana, que “terminou em acordo”, para uma parte da imprensa mundial e, “em discórdia”, para outra parte? Eu diria que seria justo descrevê-la como uma reunião que deu em nada. Pois foi o que aconteceu com a “Conversação sobre o Clima”, na semana passada, em Viena. O encontro foi patrocinado pelo escritório da Convenção do Clima das Nações Unidas, com forte empenho do Secretário-Geral da ONU, Ban Kim Moon, que o apresentou como um grande passo inicial para um novo consenso global sobre o clima.

Mas tudo não passou de um desses encontros diplomáticos nos quais a linguagem genérica e os objetivos difusos permitem transformar um impasse duro em um acordo frouxo, para não estragar o coquetel de encerramento.

O que era para ser uma reunião preparatória, para avançar na preparação de um grande e eficaz acordo na próxima reunião das partes da Convenção do Clima, em Bali (COP 13), no final do ano, terminou como um ensaio das dificuldades que, provavelmente, farão de Bali um novo fiasco. Se for assim, vai se juntar a outros fiascos, como foram os últimos encontros da Convenção e do Protocolo de Kyoto (MOPs), em Nairobi (COP 12), Montreal (COP 11) e Buenos Aires (COP 10).

Como se tratava de uma conversação preparatória, fora da agenda formal da Convenção, os representantes dos países protagonistas da política atual do clima se sentiram mais livres para revelar suas posições mais sinceras. Sob este aspecto, o encontro foi um avanço, porque revelou mais da extensão do impasse que ainda vivemos; e um retrocesso, porque reiterou o status quo de forma mais desabrida, sem que tenha havido qualquer progresso efetivo.

Os burocratas da ONU fizeram questão de negar o nó evidente nas negociações climáticas. Ivo de Boer, Secretário-Executivo da Convenção do Clima, que tem um otimismo infatigável, pelo menos para o público, disse que o resultado final das conversas “gerou algum momento para a Conferência do Clima em Bali, na Indonésia, em dezembro” e que tem “esperança de que lá tenham início as negociações formais para uma solução para o pós-Kyoto”. Ele está se referindo ao fato de que, pelo Protocolo e pela própria Convenção, essas negociações estão atrasadas. A expectativa era que já no ano passado se tivesse negociado um quadro de referências que permitisse ter uma proposta para suceder o Protocolo de Kyoto em 2008, para entrar em vigor em 2012, dando, dessa forma, tempo para que os países se preparassem para ele. Leon Charles, negociador de Granada, presidente da reunião dos países-parte do Protocolo de Kyoto, disse que: “o processo está se movendo e se tornando cada vez mais concreto. Em geral, nós conseguimos atingir todos os objetivos que definimos para o encontro e, em certo sentido, até fomos além deles”.

O que está sendo comemorado é que, após numerosas horas de negociação, se chegou a um compromisso chocho. Ele diz que os representantes dos países presentes – 158 ao todo – reconhecem que as “nações desenvolvidas precisam se esforçar para reduzir entre 20%-40% dos níveis de emissão de gases estufa de 1990, até 2020”. Também reconheceram que o IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática – oferece “parâmetros iniciais úteis para o nível geral de ambição em relação a reduções adicionais de emissões” de carbono.

Quem conhece linguagem diplomática sabe que o que está dito equivale a praticamente nada em termos de compromissos efetivos. É uma forma de transformar o fracasso das negociações em um relatório palatável aos públicos domésticos cada vez mais apreensivos com as atitudes de seus governos em relação ao clima. Vai quebrar o galho, principalmente, dos governos dos Estados Unidos, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia, que ajudaram a melar qualquer possibilidade de um acordo mais efetivo em Viena. O Brasil nem soube do que se passou por lá ou o que lá fizeram os nossos representantes.

Os países emergentes, aproveitaram para elidir suas obrigações e sugerir que os países industrializados reduzam mais fortemente ainda suas emissões. Os desenvolvidos argumentam que uma solução eqüitativa deveria obrigar os grandes emissores emergentes a também se comprometer com a redução de emissões. A resistência dos emergentes em assumir qualquer compromisso formal serve de álibi para que Bush e os primeiros-ministros do Canadá, Stephen Harper, e da Austrália, John Howard, se recusem a comprometer seus países com metas compulsórias de redução de emissões. Essa resistência dos desenvolvidos serve de álibi para os emergentes, como China, Índia e Brasil, reforçarem sua rejeição a metas compulsórias. Nessa recusa de metas obrigatórias os dois grupos coincidem e reforçam mutuamente seus distintos vetos. Em Viena, o Brasil continuou como protagonista da procrastinação dos emergentes e os três desenvolvidos receberam o reforço da Nova Zelândia, do Japão, da Suíça e da Rússia.

O representante dos Estados Unidos, Harlan Watson, fez o máximo para sair bem na foto, defendendo a necessidade de um esforço global para enfrentar o desafio da mudança climática. No contexto do reacionarismo com que o governo Bush tem tratado do assunto representa algum progresso mesmo. Mas está muito aquém do necessário. Não quis nem ouvir falar em metas quantitativas e disse que “metas são úteis quando são razoavelmente ambiciosas e atingíveis, mas não acreditamos que definir números seja um exercício particularmente útil”. Disse ainda que o intervalo de 20% a 40% de redução a que se chegou é “muito exigente para ser alcançado”. O problema é que talvez seja insuficiente, na visão de muitos especialistas, e, de qualquer forma, só fará efeito se for atingido com rapidez.

Bush, Harper e Howard têm defendido “metas como aspiração” (“aspirational targets”), um codinome tão bom para escapar das obrigações, como aquele sob o qual se esconde a diplomacia brasileira, na liderança do bloco emergente dos contra, das “obrigações iguais mas diferenciadas”.

Se, em Bali, EUA, Europa, China, Índia, Brasil, Rússia, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, Japão, África do Sul e Indonésia, pelo menos, não chegarem a um acordo sobre metas compulsórias, ainda que em regimes de incentivos diferenciados, a humanidade pode começar a se preparar para o pior. Não é que um acordo ainda este ano seja indispensável ao sucesso de um plano global para mitigar o aquecimento global. Mas mais um fiasco em Bali mostrará que o impasse que tem permitido que as emissões de gases estufa aumentem está longe de ser rompido. Enquanto isso, os gases estufa se acumulam na atmosfera em compasso com o incremento de nosso conhecimento sobre os processos climáticos e o efeito das ações humanas neles e com as manifestações preocupantes de aquecimento, facilmente observáveis tanto nas mudanças ecológicas provocadas pelas espécies mais sensíveis ao calor, quanto no derretimento do gelo em toda parte do planeta onde ele existe.

Politicamente, a contribuição de países como o EUA, o Canadá e a Austrália para esse impasse é bastante diferente daquela vinda da China, do Brasil e da Índia. Naqueles países, a democracia pode ajudar a resolver o impasse. Nos emergentes, ou não há democracia, ou ela não é suficiente para eliminar os vetos ao reconhecimento de suas obrigações globais.

Bush está no ocaso de uma presidência cada vez mais rejeitada pela sociedade. O extremismo de sua posição com relação ao Iraque – e à questão muçulmana – e ao clima, levam não só a oposição democrata, mas os candidatos republicanos a se afastarem dela. A julgar pelo que dizem em campanha e pelo clima no Congresso, qualquer novo governo adotará uma política mais proativa em relação ao clima. A opinião pública vem mudando, embora mais lentamente por lá do que nos outros países desenvolvidos, e a preocupação com o clima tem crescido. Em algumas regiões do país, ela já é claramente majoritária. O que desequilibra é o “centrão” conservador.

No Canadá e na Austrália, os primeiros-ministros já estão há algum tempo na contramão da opinião da maioria dos eleitores e há indicações de que se não oferecerem alternativas críveis para sua diplomacia do clima, enfrentarão eleições hostis. A oposição nos dois países defende metas compulsórias. No Canadá, ainda na semana passada, os líderes da oposição deram um ultimato a Harper: ou reverte suas políticas em relação à mudança climática e à presença militar do país no Afeganistão, ou enfrenta eleições. O favorito a substituí-lo, pela oposição, Stephane Dion, promete colocar o Canadá na vanguarda da política ambiental. Na Austrália, a oposição também ameaça o primeiro-ministro Howard. O líder da oposição, Kevin Rudd disse, a propósito da posição australiana em Viena, que se é “para levar a sério a mudança climática, é preciso adotar uma meta nacional de redução de emissões de gases estufa para a Austrália”.

Na China e na Rússia, que não têm e não terão tão cedo regimes democráticos, ou os governantes mudam de posição, ou não tem jeito. Na China, há sinais de que começam a mudar. Mas o país é tão grande e a governança tão opaca que so resultados podem tardar demais. Na Índia, não há oposição viável, portanto, ou o bloco dominante que se alterna no poder muda de atitude, ou o país continuará alimentando o impasse. No Brasil, o problema é que tanto o PT, quanto o PSDB, até agora as únicas alternativas viáveis para a disputa presidencial, recusam obrigações compulsórias. A tal ponto que nem querem ouvi falar em mecanismos de compensação financeira para manter a floresta amazônica em pé, porque teria como contrapartida estabelecer metas verificáveis externamente. Mas, mesmo que o presidente que substitua Lula queira mudar a política, terá que enfrentar um duro bloqueio do Itamaraty.

Não é só a tacanha diplomacia atual que se opõe a que o Brasil assuma obrigações em relação a nosso volume de emissões de carbono. A diplomacia de FHC, sob vários aspectos muito mais sofisticada e cosmopolita, também se opunha. O Itamaraty se julga com o monopólio sobre as decisões de política externa do Brasil. É uma burocracia profissional e competente. Mesmo quando não está liderada por seus expoentes intelectuais é mais preparada, na média, que praticamente todas as outras grandes corporações do estado brasileiro. Mas esse monopólio termina por impor um veto não democrático às escolhas de política externa do país. Em suma, nos países emergentes, a democracia não seria suficiente para a superação do impasse.

Em alguns casos, como da China e da Rússia, não dá para esperar que seus regimes se democratizem a tempo e a ponto de ajudarem a obter progressos na luta para enfrentar o desafio climático. No Brasil e na Índia, a persuasão necessária dos agentes políticos, que não depende apenas da rotatividade eleitoral no poder, pode demorar demais.

Não diria que estamos fritos. Mas as chances de um acordo definitivo em Bali, no final do ano são pequenas e o risco de que o impasse se prolongue até chegar a um ponto iminentemente desastroso é bastante alto.

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