Começa na semana que vem COP13, em Bali, quando ocorrerá também a reunião das partes signatárias do Protocolo de Kyoto. Não se deve esperar muita coisa de Bali. Muito provavelmente ela manterá o impasse que já bem desde a entrada em vigor do Protocolo, em 2003. Há duas razões para não apostar muito em Bali. A primeira é que o EUA não mudará substancialmente de posição ainda. Não será um agente tão ativo de bloqueio de iniciativas como já foi, mas não avançará a ponto de cooperar para superar o bloqueio que impede a definição de um acordo pós-Kyoto mais abrangente e de mais longo prazo.
A segunda razão é que o processo decisório da Convenção do Clima tem muitos pontos de veto. É feito para manter o status quo, não para mudá-lo. Falo mais sobre isto no final.
Um breve retrospecto das últimas COPs mostra como se evoluiu pouco, desde a COP 7, em Marrakech, em 2001. Esta foi a última reunião realmente efetiva da Convenção do Clima, quando todas as questões pendentes para a implementação do Protocolo de Kyoto, que ainda não havia entrado em vigor, foram resolvidas. A COP 8, em Nova Delhi, no ano seguinte, teve uma agenda exclusivamente tomada por questões secundárias e técnicas. Por isso ficou conhecida como “uma COP entre COPs”. Mas, nos bastidores, como sempre acontece, ficaram evidentes as profundas divergências a respeito da implementação do Protocolo de Kyoto e dos passos seguintes necessários à implantação de um regime para o clima. A declaração de Delhi foi um grande compromisso político, para acomodar em um consenso de pouca substância toda a variedade e contrariedade de opiniões das partes.
A COP 9, em Milão, 2003, foi a mais vazia de todas. Ela começou mergulhada em incertezas sobre a efetivação do Protocolo de Kyoto, amplificadas por sinais contraditórios de Moscou, que punham em dúvida a assinatura da Rússia, indispensável a que ele entrasse em vigor. Teve, também, uma agenda oficial secundária, com decisões técnicas menores relativas à operacionalização do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Nos corredores e reuniões paralelas havia muito calor, dúvida e conflito. Mas no salão oficial, nada mais que ambigüidades diplomáticas e tecnalidades.
A COP 10, em Buenos Aires, 2004 foi um sombrio aniversário de 10 anos de Convenção do Clima. Preparou a iminente entrada em vigor do Protocolo de Kyoto, após a assinatura pela Rússia, fechando os últimos detalhes técnicos. Mas, ao mesmo tempo, consolidou o impasse, exatamente porque, a partir da entrada em vigor do Protocolo começariam a contar os prazos para o pós-Kyoto, em outras palavras para uma decisão final sobre o regime para governança do clima. O resultado da reunião foi modesto: um compromisso para elidir os vetos do EUA, um tímido programa sobre adaptação e a decisão de realizar um seminário de especialistas governamentais para discutir possíveis esforços futuros, porém com um veto explícito, exigido pelo governo Bush, de que não se abrissem negociações que levassem a novos compromissos”. Noves fora, nada.
A COP 11, em Montreal, 2005, fechou formalmente a rodada de negociações dentro do Protocolo de Kyoto, deixando estocados todos os impasses que levaram a essa sucessão de COPs vazias. Foi uma reunião, de qualquer forma, inaugural porque deu início formal às negociações para o pós-Kyoto, o regime que deverá estar pronto até 2012, quando o Protocolo deixa de vigorar. Foi, também, o primeiro encontro das partes signatárias do Protocolo, a MOP 1. Embora tenha havido algumas decisões de curto alcance – dentro do escopo do Protocolo de Kyoto – Montreal não conseguiu romper o impasse que trava a Convenção do Clima e ameaça o desenvolvimento de um regime que substitua o Protocolo em tempo hábil. O EUA continuou se opondo a qualquer novo processo sob o Protocolo. Ficou isolado, junto com a Austrália e a Arábia Saudita, porque o Canadá, até então, adotava uma postura muito mais favorável. O primeiro-ministro Paul Martin, em campanha em seu país, criticou publicamente a atitude do governo Bush. No último momento, a delegação do EUA cedeu um pouco e removeu o bloqueio integral. Mas o impasse continuou insuperável.
Em Nairobi, na COP 12, no ano passado, o Canadá já havia mudado de posição. Martin deixou o cargo e hoje faz parte de uma iniciativa, proposta por ele, que reúne ex-chefes de estado e diplomatas inativos ou na ativa, para discutir como romper impasses globais, entre eles o do clima. A iniciativa é conduzida por um “think-thank” chamado CIGI – Center for International Governance Inovation. O atual primeiro-ministro, Stephen Harper, alinha-se com Bush no bloqueio ao avanço de negociações para um sistema de governança global do clima. Recentemente anunciou que o Canadá se oporá a qualquer proposta para depois do Protocolo de Kyoto. Provavelmente será derrotado eleitoralmente, como aconteceu com o primeiro-ministro da Austrália, John Howard, por causa de suas posições insustentáveis sobre o aquecimento global.
Não por acaso, Nairobi reforçou os bloqueios às negociações com clima. O Brasil levou sua proposta sobre um fundo internacional para compensar os países pelo desmatamento evitado, que sequer chegou a ser considerada. Mas a reunião terminou sem resultado, porém com um sentimento generalizado de que o impasse tem que ser rompido com urgência. Em Bali, a proposta brasileira será mais considerada, embora certamente não vá haver decisões a respeito. Vários países desenvolvidos passaram a apoiar um mecanismo de compensação do desmatamento evitado no programa de reduções de emissões de carbono ao longo deste ano.
Mas a maior novidade será a assinatura do Protocolo de Kyoto pelo novo primeiro-ministro australiano, Kevin Rudd. Essa mudança radical de atitude deixará Bush isolado como chefe de estado do único país desenvolvido a não ser signatário do Protocolo e enfraquecerá a posição e a influência do governo canadense.
Não se deve esperar mais de Bali do que decisões protocolares e, na melhor das hipóteses, um novo cronograma com um cardápio de passos rumo ao novo regime do clima. Será um resultado muito aquém do necessário e transferirá toda possibilidade de avanço para a COP 14, no ano que vem, provavelmente, para a COP 15, em 2009, já sem Bush no governo do EUA e, talvez, sem Harper, na chefia do governo do Canadá.
A partir daí, pode-se esperar avanços mais significativos na convenção do clima, que levem a medidas suficientes para enfrentar o desafio de mitigação da mudança climática? Eu diria que muito provavelmente não. Por causa da segunda e mais profunda razão do impasse: o sistema de decisão da ONU é um sistema baseado no direito de veto. Quando não há uma cláusula de unanimidade, há uma atribuição formal do poder de veto, como acontece no Conselho de Segurança. Na Convenção do Clima, todos os países têm poder de veto e só com enorme pressão dos mais poderosos é possível remover esse veto. Como hoje há países poderosos exercendo o direito de veto, não há pressão suficiente. Mas mesmo que os poderosos – EUA, Canadá, China, Índia, Rússia, Brasil – deixem de vetar ostensivamente, podem usar os países menores para vetar por eles. Com mais de 180 países como partes da convenção é praticamente impossível remover todos os vetos, a não ser com a liderança pactuada conjunta dos grandes emissores.
Para chegar a um consenso entre eles, terão que abrir negociações em outro fórum, talvez o G-8 mais China, Brasil, Índia, África do Sul, México. A Indonésia deveria ser incluída por ser a segunda maior potência florestal tropical do mundo, depois do Brasil. Em um fórum menor, os vetos ficam mais constrangedores e a pressão para removê-los mais focada e mais forte. Vetos há sempre, a questão é trazê-los para uma escala politicamente processável. Na grande assembléia típica das convenções da ONU isso é impraticável. Os consensos serão sempre aguados para acomodar posições muito diferentes.
Se em um fórum próprio os grandes emissores conseguirem chegar a um consenso, haverá dois caminhos possíveis. Um seria a criação de uma Organização Mundial do Clima, como existe a OMC, para o comércio global. Outra seria levar o consenso para a Convenção do Clima e usá-lo como forma de pressão para que os demais países o aceitem. E nesse caso seria inevitável fazer algo parecido com o que a delegação brasileira talvez proponha, para a Convenção do Clima: criar uma agência de mais alto nível dentro da própria ONU para cuidar do novo regime para o clima. O PNUD com seu baixo status e sua assembléia de vetos dificilmente terá força para romper os impasses.
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