Antes mesmo de tomar posse, o novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc (PT-RJ) fez um esforço consistente para ganhar credibilidade e confiança, diante do clima de apreensão criado pela saída de Marina Silva, especialmente com o destino da Amazônia e dos licenciamentos de grandes obras com grandes impactos ambientais. O resultado geral, até agora, não foi totalmente favorável. No licenciamento, prometeu rigor e rapidez. É o que se quer. Mas não apresentou nenhuma medida concreta ainda. Com relação à Amazônia, marcou um ponto inicial ao anunciar que o presidente Lula lhe assegurou que não modificará a decisão do Conselho Monetário Nacional de bloquear o crédito de produtores sem regularização ambiental na Amazônia. A decisão só entrará em vigor a partir de 1o de julho, é controvertida, mas a possibilidade de recuo causava apreensão entre os setores mais influentes que lutam pela preservação da Amazônia. É um sinal, mas a decisão está sob fogo cerrado e tanto o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, quanto o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, trabalham intensamente por sua anulação. Hoje, ela é um símbolo, uma espécie de marco da fronteira entre alguma governança e o desmando.
Minc, não conseguiu, porém, demover o presidente da péssima idéia de colocar o ministro Mangabeira Unger na coordenação do Plano Amazônia Sustentável. O PAS é quase nada do ponto de vista concreto. Os recursos são os mesmos do saldo do Fundo Constitucional do Nordeste. As ações foram depreciadas na tramitação pelos desvãos do Executivo Federal e o que saiu não é sequer uma pálida versão do que fora imaginado e conversado na origem. Virou uma capinha de plástico dourado para disfarçar o PAC, que ameaça a Amazônia seriamente. O folheto distribuído no lançamento do PAS era 3/4 PAC e 1/4 PAS. Portanto, não faria, em si mesmo, qualquer diferença para os destinos até agora tragicamente traçados para a Amazônia, não fosse um canal político e simbólico que permite a transposição de idéias equivocadas e reacionárias para a Amazônia. A coordenação do PAS deu ao ministro Unger autoridade e alavancagem política para abrir um canal alternativo de propostas para a Amazônia, antagônicas a qualquer modelo razoável de sustentabilidade para a região. Essa presença estrangeira não tem justificativa e aquelas oferecidas pelo ministro a ser empossado no Meio Ambiente, Carlos Minc, não se sustentam. O fato do ministro Unger ser um pensador não lhe dá autoridade para lidar concretamente com o desafio posto na Amazônia. O fato de ter como missão pensar projetos de longo prazo, na verdade desrecomendaria que se envolvesse com o PAS, que é um programa para o curto prazo. Essa coordenação é uma cunha na autoridade do Ministério do Meio Ambiente sobre a agenda da Amazônia e uma ameaça ao avanço de idéias que permitam sua preservação e a discussão de uma nova agenda para a região, contemporânea e compatível aos desafios do século XXI.
Alguns dos cientistas e técnicos mais respeitáveis do Brasil, conhecedores da Amazônia, estão envolvidos em uma discussão séria e importante sobre uma agenda nova, singular, inovadora, com alta densidade científica e tecnológica para o desenvolvimento da região com manutenção da floresta em pé. A floresta, que o ministro Unger chama de “apenas uma coleção de árvores”, é um hot-spot global, com papel decisivo no processo de mudança climática global e essencial para o bem-estar do Brasil, em geral, e da população Amazônica, em particular. É a floresta que guarda a chave para o progresso humano na Amazônia, não os pastos e as monoculturas.
Dois outros fatos enfraquecem ainda mais a posição inicial do ministro Minc em relação à questão Amazônica, que é crítica e central na definição da postura ambiental do Brasil como um todo. O primeiro foi o fato de o ministro ainda não ter buscado mobilizar nomes de peso no debate sobre a Amazônia para ajudá-lo a dominar e conquistar a agenda para a região. O segundo, a reação de ambientalistas influentes, ligados a outras causas que, inadvertidamente quero crer, ajudaram a enfraquecer a defesa da Amazônia, no momento em que ela sofre um assédio de alto risco por parte das forças ligadas ao agronegócio sem responsabilidade social e ambiental. É a alta estação do desmatamento. As queimadas começaram precocemente. O desmatamento começou a subir na baixa estação. A queda da ministra Marina Silva foi a senha para grileiros, desmatadores, madeireiros, sojeiros e pecuaristas voltarem ao ataque.
Ao buscarem a defesa de outros biomas, como o Cerrado e a Mata Atlântica, escolheram o pior dos caminhos políticos: o de enfraquecer os esforços em relação a uma área fundamental, para defender as suas. Em outras palavras, dividem a defesa dos biomas, fortalecendo as forças unificadas que agridem a todos eles. Depois ficam perplexos com as fraquezas e derrotas do ambientalismo. As mesmas forças que hoje destroem a Mata Atlântica e o Cerrado – este principalmente – assediam a Amazônia. Em um sentido mais que figurado, os filhos e netos dos que devastaram as florestas de araucária e a mata atlântica, estão destruindo a Amazônia, o pantanal e o cerrado, hoje. Quando o ministro da Agricultura, o governador de Mato Grosso e várias outras lideranças políticas e empresariais investem contra o conceito da Amazônia legal, estão querendo autorização para ocupar e desmatar o que têm de Amazônia e o Cerrado. Em recente evento com uma autoridade ambiental do Mato Grosso, no calor da discussão, o seu último argumento foi: “não estamos desmatando a parte amazônica, estamos avançando é no cerrado”.
É óbvio que o Brasil é um país em processo de devastação ambiental, como se quisesse se equiparar à China nessa corrida. O Pantanal está em situação de ameaça crítica. A Mata Atlântica, quase extinta fora das áreas de conservação, continua sob ferro e fogo. Os campos do sul e a floresta de araucária estão praticamente em extinção. Os rios brasileiros caminham para o mesmo destino dos rios chineses: poluição e assoreamento. Mas o assédio político e econômico concertado está se fazendo, hoje, é sobre a Amazônia e é a partir dela que se definirá nossa postura coletiva na questão da mudança climática global, da redução do desmatamento como parte do acordo de redução de emissões de gases estufa e na política de preservação e conservação ambiental. A Amazônia é o centro crítico definidor da política climática e ambiental brasileira. Enfraquecê-la não fortalece os outros biomas, enfraquece a política ambiental como um todo e fortalece as forças econômicas do atraso, dispostas a fazer do Brasil uma grande potência do século passado, eliminando a oportunidade real de nos tornarmos a biopotência do século atual.
O próprio ministro Minc escorregou nessa pista, ao dizer que a Amazônia não será sua única preocupação e que cuidará da “agenda marrom”, da poluição urbana, e da Mata Atlântica. Deve mesmo cuidar. Mas é na questão amazônica que está sua fraqueza e será ela que vai definir quanto de autoridade, confiança e credibilidade terá como ministro.
Leia também
Livro revela como a grilagem e a ditadura militar tentaram se apoderar da Amazônia
Jornalista Claudio Angelo traz bastidores do Ministério do Meio Ambiente para atestar como a política influencia no cotidiano das florestas →
MPF afirma que Pará faz propaganda “irresponsável” de ações contra queimadas
Procuradoria da República no estado apontou “discrepância entre o discurso e a prática”; procuradores pediram informações a autoridades estaduais e federais →
As trilhas que irão conectar as Américas
Primeiro Congresso Pan-americano de Trilhas acontecerá em 2025, em Foz do Iguaçu (PR). Anúncio foi feito no 3° Congresso Brasileiro de Trilhas →