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Ecologia privada

Para quem vive em centros urbanos, um punhado de árvores, saguis pendurados em fios ou lago com pato viraram sinônimo de total harmonia com a natureza.

27 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

De acordo com as informações disponíveis no site do criadouro Fauna Brazilis, sagüis se adaptam bem a cativeiros. O comércio dos bichinhos, no Brasil, é autorizado pelo IBAMA. Para comprar um exemplar da espécie, basta estar disposto a pagar por ele (o preço varia entre R$ 1.200, 00 a R$ 3.000, 00), ter nome e CPF. O criadouro carioca Fauna Brazilis, por exemplo, aceita encomendas de todo o país e dá dicas para quem pretende criar sagüis em casa.

Mas, a liberdade tem seu preço. Enquanto os sagüis livres tentam encontrar meios de se adaptar ao mundo de concreto, outros nascem em cativeiros, custam caro e têm vida de bacana. Para quem tem vontade de “adotar” um sagüi sem medalhinha do Ibama e pagar caro por ela, o Largo dos Leões, no Humaitá, é o local indicado. Basta montar um banquete para conquistar o amor e a fidelidade dos bichinhos.

Para a construção de um edifício pomposo, do tipo elefante branco (de arquitetura moderno-cafona, muito comum à barra da tijuca), uma valiosa área verde da Rua Mário Pederneiras foi devastada. Este corredor verde até o Parque Nacional da Tijuca, era o caminho de acesso que os animais utilizavam para chegar até a maior concentração de mata preservada num centro urbano do mundo, onde a oferta de alimentos é maior. Depois da obra, os bichinhos estão desnorteados. Grupos de sagüis são vistos atravessando a rede elétrica do Largo dos Leões em busca do “paraíso perdido”.

De acordo com Adelmar Coimbra Filho, primatologista, a tendência é que locais como o Largo dos Leões se transformem em viveiros ou zoológicos particulares, o que é ecologicamente deprimente. Os sagüis, assim como outras espécies de animais silvestres que sobrevivem nesta cidade, se aproximam da civilização em busca de alimentos. Como as frutas se foram com o desmatamento da região, eles dependem da boa vontade dos moradores, tornando-se sagüis vira-latas.

A maioria dos moradores acha tudo isso uma gracinha. Afinal, para quem vive em blocos de concreto sobrepostos, encontrar um sagüi é inspirador e divertido. Além disso, não há como negar que os sagüis cercados enfeitam o cenário e aumentam o valor dos imóveis. Numa cidade como o Rio de Janeiro, viver numa área verde, por mais restrita que ela seja, acordar ao som do canto de passarinhos e ainda ver sagüis circulando, mesmo que em redes elétricas, ainda é privilégio.

Como o jargão ecologicamente correto está em voga, para os leigos, meio ambiente nada mais é do que um local arborizado, com a graciosa presença, mesmo que escassa, de animais silvestres. Se o local tiver um riacho, melhor ainda, mesmo que a água seja poluída (o que importa é o barulhinho da água corrente). Lagos com patos também são muito bem-vindos. Como as pessoas estão cansadas das pessoas (o que é incrível) e do ritmo incessante de vida que assombra os grandes centros urbanos, correm para perto do verde, se reaproximam da natureza em busca de paz e tranqüilidade. Isso nada tem a ver com consciência ecológica! Simplesmente retrata o paradoxo da “ecologia privada”, que segue a mesma linha da “segurança entre grades”. Ou seja, os mais abonados pagam por segurança particular trancando-se num feudo, não importando se do lado de fora a violência vira regra banal da existência.

Pelo contrário: a violência externa valoriza a segurança interna. Se não houvesse o bangue-bangue diário na cidade do Rio de Janeiro, não haveria segurança privada. Pela mesma lógica, a degradação ambiental pública acaba sendo benéfica para soluções micro-ecológicas privadas. Quem pode pagar, ganha sua ilusão particular de vida em completa harmonia com a natureza.

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