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A cadeira da salvação

Na onda da ecomoda, exposição de móveis usa a ação social para encorpar a preservação ambiental e deixa claro apenas o quanto um conceito embaralha o outro.

9 de dezembro de 2004 · 20 anos atrás

Todas as peças presentes na mostra Design & Natureza, que aconteceu em outubro no shopping D&D, em São Paulo, foram desenvolvidas exclusivamente com matérias primas da floresta ou produzidos segundo critérios do ecodesign. Além de inovadores, os móveis da exposição tinham missão que extrapolava a estética e a funcionalidade. A cadeira não servia apenas para sentar. Era também instrumento para preservar o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida de comunidades carentes. Um verdadeiro milagre.

Depois que se descobriu que brincar de respeitar a natureza está na moda e dá dinheiro, ninguém perde a oportunidade de falar em usar palavras-chave, como desenvolvimento sustentável ou ecologicamente correto, para valorizar o discurso. Isso me lembra criança quando aprende alguma palavra nova e a repete incessantemente mesmo que ela não se encaixe no contexto.

O que é ecodesign? O que é uma comunidade organizada? A resposta, como é hábito toda a vez que se precisa justificar preservação de meio ambiente com ação social, é meio vaga e sempre confusa. Através das peças criadas pelos designers, o grupo de ecoartistas acha possível minimizar impactos ambientais, criar alternativas racionais de uso de recursos naturais, colaborar para a inclusão de mão-de-obra de comunidades locais e procurar gerar benefícios econômicos duradouros e socialmente mais justos.

A responsabilidade do objeto é tamanha que ele acaba até perdendo sua razão de ser. Se para apreciar uma cadeira, eu tiver que levar em conta todos os itens futilmente abordados no discurso embaralhado que segue por trás dela, desisto da cadeira e sento no primeiro banquinho de plástico que me aparecer pela frente.

O discurso do binômio natureza e bem estar social tem som doce. O gosto da mistura, entretanto, é amargo. Num país onde pobreza justifica muita coisa, até a destruição ambiental, o apelo à sua erradicação dá sentido ao respeito à natureza. É a responsabilidade social ajudando a encorpar o produto que se classifica de ecologicamente correto. Basta um vaso de barro acompanhado de uma foto da comunidade onde foi feito e, pronto!

Mesmo sem saber ao certo do que se trata, o consumidor, ávido por novidades e estimulado pelo consumo em prol do verde, segue as tendências. Na onda da ecomoda, rústico assume ares de coisa natural e artesanto vira bóia de salvação de miserável. A dimensão social ajuda a diminuir a culpa de ter em casa uma geladeira inox. Para espiar seus pecados, basta cercá-la de objetos cujos nomes podem ser precedidos do prefixo eco. Nesse engodo, cai até o Ibama.

Ele cedeu seu nome para apoiar a primeira versão do Design & Natureza, realizada em 1999, que queria valorizar a diversidade das madeiras da Amazônia. Isso memo. O órgão responsável por zelar pelo meio ambiente no País, incentivou o uso de todas as espécies de madeiras da floresta amazônica. Historicamente, a procura da indústria de móveis por determinadas espécies, como o pau-brasil ou o jacarandá, levou à sua quase extinção. No momento em que vira moda, a madeira tem o seu destino selado. E quando acaba um tipo de árvore, a indústria não fica de luto, simplesmente sai à cata de outra.

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